Talvez você, assim como nós, já tenha lido a narrativa de Gênesis inúmeras vezes — e é surpreendente constatar como a Palavra de Deus é viva! Cada vez que olhamos atentamente para a riqueza de detalhes do nosso Deus, o Criador, é impossível não nos surpreendermos.
Desde o início da criação, Deus estabeleceu um propósito único e especial para a mulher. Em Gênesis 1.26-28, lemos que homem e mulher foram criados à imagem de Deus, com o mandato de frutificar, multiplicar e sujeitar a terra. Essa imagem divina reflete atributos como criatividade, capacidade de relacionamento, amor e santidade. A criação da mulher, portanto, não é apenas um evento histórico, mas também uma verdade que molda a identidade e o papel feminino à luz do evangelho. A mulher reflete a imagem de Deus tanto quanto o homem. Isso significa que ela também foi criada para exibir os atributos comunicáveis de Deus. Em sua singularidade, a mulher manifesta facetas do caráter divino de forma especial. Sua capacidade de nutrir, servir e se sacrificar aponta para o amor cuidadoso de Deus por seu povo.
Paul Tripp1[i] oferece uma excelente explicação do sentido de “façamos o homem à nossa imagem” (Gn 1.26). Paul diz que essa fala do Criador está definindo tanto a identidade do ser humano como a singularidade. E com isso Deus nomeia o valor das pessoas. Esse valor nunca pode ser conquistado ou tirado. O ser humano tem dignidade e valor por carregar a imagem de Deus.
Homens e mulheres criados à imagem de Deus carregam o propósito de serem representantes de Deus para governar, servir e amar, com diferenças que se complementam nas funções que exercem em suas áreas de atuação, seja na família, na igreja ou na sociedade.
A mulher atua comissionada ao lado do homem, auxiliando, complementando a missão determinada a ele pelo Criador, e, juntos, homem e mulher cumprem o mandato de governar e multiplicar até que a terra esteja cheia do conhecimento da glória do Senhor. Mas com a Queda, conforme lemos em Gênesis 3, quando o pecado entrou no mundo, homens e mulheres sofreram a distorção da imagem de Deus e, desde então, essa ordem não tem sido executada como deveria.
A distorção pelo pecado e a redenção em Cristo
O pecado, introduzido no mundo pela desobediência de Adão e Eva (Gn 3), distorceu a identidade e os papéis originalmente designados por Deus. A Queda trouxe conflitos, dor e a tentativa de dominar ou subjugar o outro, produzindo desarmonia nos relacionamentos (Gn 3.16). Entretanto, apesar do pecado, a história da redenção é, na verdade, um processo de restauração daquilo que foi perdido. Em Cristo, o propósito original de Deus para as mulheres é redimido e restaurado. Ele nos chama a viver sob sua graça — não mais presas à culpa ou à vergonha, mas como novas criaturas (2Co 5.17). Cristo nos reconcilia consigo mesmo e também uns com os outros, restaurando a possibilidade de relacionamentos que refletem a beleza de seu plano original. Nós, mulheres, também fomos redimidas para viver e refletir a imagem de Cristo (Cl 3.10) Kathleen Nielson2[ii] afirma que “as mulheres têm de ser valorizadas como portadoras da imagem de Deus, juntamente com os homens, e que todos os crentes, cheios e empoderados pelo Espírito do Cristo ressurreto, sirvam a ele juntos, até que ele volte”. A restauração em Cristo, portanto, nos chama a redescobrir o design original de Deus para nós, como mulheres, e a viver à luz desse chamado, como reflexo da graça redentora de Deus. Essa é uma verdade que deve impactar nossa compreensão sobre nosso papel em casa, na igreja e na sociedade.
A própria personalidade feminina foi intencionalmente criada por Deus para o relacionamento com pessoas. A feminilidade redimida é uma imagem da igreja, a noiva de Cristo. Por meio do evangelho, Deus nos capacita a viver como mulheres renovadas, refletindo sua glória em cada aspecto de nossas vidas. Em cada papel que exercemos — como filhas, esposas, mães, amigas ou irmãs em Cristo —, somos chamadas a viver de maneira que glorifique a Deus. O fruto do Espírito (Gl 5.22-23) deve ser visível em nossas vidas, revelando ao mundo a transformação que somente Deus pode operar.
Dentro desse contexto, a submissão é destacada como uma palavra que causa certo desconforto em muitas mulheres. Antes da Queda, a submissão feminina fazia parte, de forma harmoniosa, do plano criador de Deus. Contudo, o pecado corrompeu essa dinâmica, tornando a submissão algo visto como negativo e, muitas vezes, mal compreendido. O evangelho, porém, traz redenção também para os relacionamentos. A submissão bíblica, restaurada em Cristo, é uma atitude voluntária e amorosa — não de inferioridade, mas de confiança na soberania de Deus e na ordem que ele estabeleceu.
Podemos afirmar que a dificuldade da mulher em ser submissa é, de fato, consequência direta da Queda, conforme descrito em Gênesis 3.16, quando Deus declara à mulher: “O seu desejo será para o seu marido, e ele a dominará”. Essa passagem é frequentemente interpretada, no contexto reformado, como a introdução do conflito de papéis no casamento: a mulher passaria a ter uma tendência pecaminosa de resistir à liderança do marido, e o homem, por sua vez, poderia exercer essa liderança de forma opressiva.
Essa tensão evidencia a ruptura do plano original de Deus. A inversão da liderança ordenada por ele no Éden — com Eva tomando a dianteira na decisão de comer o fruto e Adão falhando em proteger e liderar — mostra claramente as consequências da quebra desse design complementar.
Biblicamente, a submissão reflete a própria relação de Cristo com a igreja (Ef 5.22-24). Essa postura só se torna verdadeiramente possível pela ação do Espírito Santo, que restaura os relacionamentos conforme o plano original de Deus. Observe que, no texto bíblico, a ordem para que a esposa seja submissa ao marido deve ser exercida no Senhor. Portanto, compreender essa dificuldade à luz das Escrituras nos ajuda a enxergar que a submissão bíblica é parte do processo de santificação. À medida que a mulher se torna mais parecida com Cristo, ela aprende a confiar, a se sujeitar com sabedoria, trazendo glória a Deus e harmonia ao lar.
O artigo acima foi extraído do livro Discipulado na prática – mulheres cuidando de mulheres na igreja local, de Renata Gandolfo e Luciana Sborowski, Editora Fiel
[i] Paul Tripp. Você acredita: 12 doutrinas históricas para mudar sua vida cotidiana. (São Paulo: Vida Nova. 2023).
[ii] Kathleen Nielson. O que Deus diz sobre as mulheres: feminilidade x feminismo (São José dos Campos: Fiel, 2019), p. 234.