quarta-feira, 30 de abril
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O que significa tomar o nome de Deus “em vão”?

A pureza no falar

Que tipo de orientação a Bíblia nos dá em relação à linguagem obscena, aos juramentos, aos votos e ao humor?

O terceiro mandamento diz:

Não tomarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão, porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão. (Êx 20.7)

O significado do mandamento

O significado de “nome”. Atualmente, um nome é basicamente um rótulo para identificar uma pessoa e para diferenciá-la de outras pessoas. Nós não costumamos pensar no nome como uma descrição do caráter da pessoa. Mas, na Bíblia, o “nome” de uma pessoa frequentemente tem a ver com o caráter ou a reputação de alguém. Nesse sentido, Provérbios diz:

Mais vale o bom nome do que as muitas riquezas; e o ser estimado é melhor do que a prata e o ouro. (Pv 22.1)

Aliás, Deus às vezes mudava o nome das pessoas para designar as novas funções que elas assumiriam ou para descrever com mais precisão quem elas eram:

Abrão já não será o teu nome, e sim Abraão; porque por pai de numerosas nações te constituí. (Gn 17.5; “Abraão” significa “pai de uma multidão”)

Disse também Deus a Abraão: A Sarai, tua mulher, já não lhe chamarás Sarai, porém Sara. (Gn 17.15; “Sara” significa “princesa”)

Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles. (Mt 1.21; “Jesus” é a forma grega do nome hebraico “Josué”, que significa “O Senhor Salva”)

Portanto, o “nome” de Deus não se refere simplesmente ao seu nome (como “Deus” ou “o Senhor”) em um sentido estrito, mas a tudo o que é dito sobre Deus em referência a seu caráter e reputação.

O significado de “Tomar… em vão”. O que é traduzido como “tomar… em vão” representa uma combinação de duas palavras em hebraico: a palavra nāśā’, que significa “levantar, carregar”, e a palavra shāwe’, que significa “o vazio, o nada, a vaidade”. Uma tradução extremamente literal desse mandamento seria: “Não levantarás o nome do Senhor, teu Deus, como algo inútil (ou vazio, vão)”.

O mandamento proíbe utilizar o nome de Deus de maneira tola ou inútil. Portanto, esse mandamento, em seu sentido mais básico, proíbe utilizar o nome de Deus (ou qualquer nome de Deus, como “Deus”, “Senhor”, “Jesus” ou “Cristo”) de maneira descuidada ou irreverente.

A maneira como a sociedade utiliza o nome de Deus é um reflexo da forma como ela pensa sobre Deus. Quanto mais uma sociedade se afasta de Deus, mais comum se torna ouvir as pessoas simplesmente mencionarem o seu nome como um xingamento ou como uma expressão de surpresa, frustração ou repulsa. Com muita frequência em nossos dias, ouvimos “Ah, meu Deus!” até em conversas entre crianças, e as pessoas dizem “Jesus!” como uma interjeição para qualquer situação, sem qualquer consideração pelo próprio Jesus em suas mentes.

No entanto, se, na Bíblia, um nome também se refere a toda a reputação de uma pessoa, esse mandamento também proíbe falar sobre Deus de maneira falsa, indigna ou irreverente. Portanto, esse mandamento nos desafia a refletir sobre a maneira como falamos sobre Deus. Não é impressionante que tenhamos o direito de falar sobre Deus?[1] Há a devida reverência em nossos corações quando falamos sobre ele?

Quando oramos, temos a devida reverência por Deus e por sua majestade? Há alguns anos, eu tenho me esforçado para não utilizar uma linguagem e entonação excessivamente carolas quando oro em vez audível com outras pessoas. Isso faz com que minhas orações se pareçam muito com conversas normais, mas reconheço que isso cria o risco de tornar a minha oração demasiadamente descontraída e sem reverência.

Também há o perigo do humor nas coisas de Deus. Nunca me sinto bem quando as pessoas contam piadas sobre Deus ou Jesus, ou quando falam de coisas tolas ou cômicas que Deus esteja supostamente realizando no mundo.

Outras maneiras de violar esse mandamento ocorrem quando as pessoas falam coisas erradas sobre Deus e desonram sua reputação. Alguns dizem que Deus é mau, que ele é indigno de ser louvado ou que ele é injusto. Outros promovem falsas religiões, ensinando que Deus é distante e cruel, que ele não pode ser conhecido, ou que sua Palavra (a Bíblia) não é confiável. Alguns chegam a zombar de Deus e outros desonram Jesus profundamente, ao retratá-lo de maneira pecaminosa em programas de televisão, peças de teatro, filmes, pinturas ou esculturas.

Compare essas violações do mandamento com a reverência apropriada que Moisés demonstrou diante de Deus:

E, passando o Senhor por diante dele, clamou: Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniquidade, a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o culpado, e visita a iniquidade dos pais nos filhos e nos filhos dos filhos, até à terceira e quarta geração! E, imediatamente, curvando-se Moisés para a terra, o adorou. (Êx 34.6-8)

Ou compare-as com a resposta de Jó, depois que Deus se revelou a ele:

Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza. (Jó 42.5-6)

Ou compare-as com a resposta de Isaías, quando viu o Senhor nos Céus:

Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! (Is 6.5)

No livro de Apocalipse, os habitantes do Céu frequentemente aparecem se prostrando diante de Deus para adorá-lo:

Todos os anjos estavam de pé rodeando o trono, os anciãos e os quatro seres viventes, e ante o trono se prostraram sobre o seu rosto, e adoraram a Deus. (Ap 7.11)

Mais sério do que utilizar o nome de Deus de maneira descuidada é intencionalmente amaldiçoar a Deus ou blasfemar contra ele. Essa foi a tentação de Jó quando sua esposa lhe disse: “Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2.9). Contudo, ele resistiu à tentação e “em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios” (v. 10). Contudo, quando os malfeitores no livro de Apocalipse experimentam a ira de Deus sendo derramada sobre a terra, em vez de se arrependerem e darem glória a Deus, continuam a amaldiçoá-lo:

Com efeito, os homens se queimaram com o intenso calor, e blasfemaram o nome de Deus, que tem autoridade sobre estes flagelos, e nem se arrependeram para lhe darem glória… Os homens remordiam a língua por causa da dor que sentiam e blasfemaram o Deus do céu por causa das angústias e das úlceras que sofriam; e não se arrependeram de suas obras. (Ap 16.9-11)

Em um sentido mais amplo, esse mandamento abrange todas as áreas da vida. Quando a Bíblia diz que Deus nos criou “à sua imagem” (Gn 1.27), isso significa que ele nos criou para que fôssemos parecidos com ele e o representássemos na terra.[2] Isso implica que todas as áreas de nossa vida “proclamam” alguma coisa sobre o nosso Criador, mesmo quando não falamos palavras específicas. É por isso que Deus quer que imitemos o seu caráter moral em nossas vidas (veja a discussão no capítulo 10, p. 271).

Foi por isso que o autor de Provérbios 30 orou a Deus para que ele fosse impedido de roubar. Se ele roubasse, ele desonraria a Deus:

Dá-me o pão que me for necessário; para não suceder que, estando eu farto, te negue e diga: Quem é o Senhor? Ou que, empobrecido, venha a furtar e profane o nome de Deus. (Pv 30.8-9)

Pedro também encorajou seus leitores ao lhes dizer que a maneira de reagir ao sofrimento era uma ocasião para glorificarem a Deus:

Se, pelo nome de Cristo, sois injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus. Não sofra, porém, nenhum de vós como assassino, ou ladrão, ou malfeitor, ou como quem se intromete em negócios de outrem; mas, se sofrer como cristão, não se envergonhe disso; antes, glorifique a Deus com esse nome. (1Pe 4.14-16)

A implicação é que, em um sentido amplo, todo pecado cometido por seres humanos violam o terceiro mandamento, na medida em que, quando uma pessoa peca, como ela é uma criatura que reflete a imagem de Deus, acaba por retratar Deus de maneira maligna e pecaminosa. Isso se aplica especialmente aos cristãos, visto que carregamos o nome de “cristãos”, o que faz com que as pessoas prontamente associem nossas atitudes à reputação do Senhor Jesus Cristo.

Em termos práticos, esse entendimento do mandamento significa que, se eu agir com justiça e retidão, proclamarei que Deus, meu Criador e meu Senhor, é justo e reto. Se eu agir com bondade e misericórdia, eu proclamarei que Deus é bom e misericordioso. Mas, se eu contar mentiras, eu proclamarei que meu Deus é mentiroso e que não é digno de confiança. Se eu for cruel e vingativo, eu proclamarei que meu Deus é cruel e vingativo. Essa perspectiva nos ajuda a entender por que Deus trata o pecado com tanta seriedade e por que o pecado precisa ser castigado. Todo pecado desonra a Deus.

Categorias de linguagem ofensiva

O mandamento contra tomar o nome de Deus em vão naturalmente nos leva a considerar a ideia mais ampla da pureza no falar, de forma geral.[3] Portanto, nesta seção, discutirei três categorias de linguagem que, pelo menos em alguma medida, são consideradas ofensivas em nossos dias. Quando digo que essas categorias são “consideradas ofensivas”, o que quero dizer é que são expressões que não seriam utilizadas, por exemplo, por repórteres em rede nacional, por políticos em discursos públicos, por professores de escolas públicas durante as aulas ou por pastores em seus sermões. Também são palavras que a maioria dos pais não ensinariam seus filhos a falar.

As três categorias de linguagem são:

  1. Tomar o nome de Deus em vão (isto é, utilizar o nome de Deus de maneira desonrosa)
  2. Amaldiçoar (expressar o desejo de que alguém seja amaldiçoado ou condenado)
  3. Utilizar palavras obscenas e impuras (utilizar palavras ofensivas que têm a ver com atividades de latrina ou atividades sexuais)

1. Tomar o nome de Deus em vão. Entendo que “tomar o nome de Deus em vão” inclui qualquer menção do nome de Deus de maneira irreverente ou desonrosa, como já explicamos. O terceiro mandamento proíbe esse tipo de linguagem diretamente. Esse tipo de mau uso do nome de Deus não deve existir entre os cristãos em nenhuma circunstância, pois se trata de um pecado direto contra o próprio Deus.

Como o padrão moral de Deus revelado na Bíblia é obrigatório para todas as pessoas que Deus criou, e não somente para os cristãos, também é errado quando não cristãos utilizam esse tipo de linguagem — Deus considera pecado. Contudo, como não creio que “César” deve ter jurisdição sobre “o que é de Deus” (Mt 22.21), também não creio que os governos civis devam passar leis referentes a convicções e práticas religiosas, mas proteger a liberdade religiosa. Por isso, não creio que os governos civis de nossos dias devam fazer leis que criminalizem as maldições e blasfêmias públicas contra Deus.

Como já dissemos, a aliança mosaica foi cancelada, e agora vivemos sob a Nova Aliança. O povo de Deus hoje não é mais uma nação separada (como o povo de Israel no período do Antigo Testamento), e, por isso, muitas das leis que Deus deu ao governo civil da nação de Israel não devem ser aplicadas ao governo civil de nossos dias (veja a discussão no capítulo 8, p. 214). A lei mosaica contra a blasfêmia é um bom exemplo de uma lei da Antiga Aliança que Deus não quer que seja aplicada pelos governos civis de nossos dias:

Dirás aos filhos de Israel: Qualquer que amaldiçoar o seu Deus levará sobre si o seu pecado. Aquele que blasfemar o nome do Senhor será morto; toda a congregação o apedrejará; tanto o estrangeiro como o natural, blasfemando o nome do SENHOR, será morto. (Lv. 24.15-16)

Voltando à questão da linguagem do cristão, há pessoas altamente minuciosas que, às vezes, questionam se também é errado utilizar determinadas palavras que costumam ser usadas para substituir o nome de Deus. Por exemplo, alguém pode substituir o nome de Deus por uma palavra de sonoridade semelhante.[4]Ι Essa também é uma prática que os cristãos devem evitar?

Quanto a isso, há espaço para divergências. Quando ouço uma pessoa fazer isso, geralmente entendo que ele está tentando não tomar o nome de Deus em vão, o que é uma atitude louvável. Encaro isso como uma tentativa de ser reverente, e não como uma fala irreverente. Por outro lado, pessoalmente, tento utilizar expressões que não são tão foneticamente parecidas com “Ah, meu Deus”. Ainda assim, parece-me que há espaço para que os cristãos cheguem a uma grande variedade de conclusões sobre a melhor forma de se expressar.

O fator decisivo é entender o significado das palavras que são utilizadas. O significado de uma palavra é o que a palavra atualmente significa para quem a usa e para quem a ouve, o que, às vezes, é diferente do significado histórico original. Um exemplo óbvio é que, para as pessoas que falam inglês em nossos dias, a palavra Tuesday (terça-feira) não significa “o dia de Zeus” e Thursday (quinta-feira) não significa “o dia de Thor”, apesar de esses serem os significados originais dessas palavras. Então, a questão não é o que uma expressão significava no passado. O que é realmente importante é o que a expressão significa para as pessoas hoje.

2. Amaldiçoar. As palavras que entram nessa categoria são as que expressam o desejo de que uma pessoa seja condenada ou julgada por Deus. Em meio à ira, quando alguém diz: “Vá se danar!” ou até alguma coisa mais pesada, refere-se a um destino que quer que seu oponente tenha.

Os autores do Novo Testamento deixam claro que esse tipo de linguagem não deve ter espaço entre os cristãos. Paulo diz:

Abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis. (Rm 12.14)[5]

Tiago diz algo parecido:

…a língua, porém, nenhum dos homens é capaz de domar; é mal incontido, carregado de veneno mortífero. Com ela, bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. De uma só boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não é conveniente que estas coisas sejam assim. (Tg 3.8-10).

Pedro menciona o exemplo de Jesus Cristo, que se absteve de amaldiçoar aqueles que o maltrataram e que o mataram:

Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos, o qual não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca; pois ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga retamente. (1Pe 2.21-23)

Contudo, e se alguém nos amaldiçoar? Nesse caso, devemos temer a possibilidade de que a maldição nos cause prejuízos espirituais ou físicos? O escritor de Provérbios garante que essa maldição não surtirá nenhum efeito em nós:

Como o pássaro que foge, como a andorinha no seu voo, assim, a maldição sem causa não se cumpre. (Pv 26.2)

Quando Davi e seus leais defensores fugiram de Jerusalém antes da invasão militar do filho rebelde do rei, Absalão, um homem irritante chamado Simei começou a amaldiçoar Davi e a jogar pedras nele (2Sm 16.5-8). Davi respondeu, dizendo que tinha a esperança de receber as bênçãos de Deus no lugar das maldições que Simei vociferava contra ele:

Talvez o Senhor olhará para a minha aflição e o Senhor me pagará com bem a sua maldição deste dia. (2Sm 16.12)

Portanto, não devemos ter medo de ser prejudicados por Deus ou por algum demônio só porque algum inimigo irado proferiu palavras de maldição contra nós.

Contudo, palavras de ira podem causar feridas emocionais, e, em casos assim, a oração costuma ser necessária para que essas feridas sejam tratadas — tanto a oração individual quanto a oração em conjunto com uma pessoa que possa interceder por aquele que está ferido e ministrar a ele: “Alguém há cuja tagarelice é como pontas de espada, mas a língua dos sábios é medicina” (Pv 12.18).

Quando somos amaldiçoados, Pedro é enfático em dizer que não devemos retribuir com uma maldição. Para que Deus nos abençoe, devemos responder com uma palavra de bênção:

… não pagando mal por mal ou injúria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo, pois para isto mesmo fostes chamados, a fim de receberdes bênção por herança. (1Pe 3.9)

A chave para ser capaz de responder a uma palavra de maldição com uma palavra de bênção é deixar toda a situação nas mãos de Deus, inclusive a questão do justo julgamento contra o malfeitor. Foi isso que Paulo fez quando disse: “Alexandre, o latoeiro, causou-me muitos males; o Senhor lhe dará a paga segundo as suas obras” (2Tm 4.14). Eu creio que Jesus fez o mesmo quando foi injustamente caluniado e crucificado, pois Pedro diz:

… pois ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga retamente. (1Pe 2.23)[6]

3. Utilizar palavras obscenas e impuras. Essa terceira categoria é diferente da primeira (tomar o nome de Deus em vão, o que é sempre errado) e da segunda (amaldiçoar uma pessoa, o que também é sempre errado). Essa categoria inclui um conjunto de palavras que uma sociedade geralmente considera ofensiva. São palavras que muitas pessoas evitam utilizar porque a maioria dos ouvintes entende que são obscenas ou “impuras”.

Neste caso, as questões éticas incluem o tipo de reputação que queremos ter: se é sábio buscarmos a reputação de termos uma linguagem limpa, e não impura, e se o uso de linguagem obscena trará reprovação ao Evangelho, do qual somos representantes (o que geralmente acontece).

Paulo provavelmente estava pensando nisso quando escreveu:

… nem conversação torpe, nem palavras vãs ou chocarrices, coisas essas inconvenientes; antes, pelo contrário, ações de graças. (Ef 5.4)

Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem. (Ef 4.29)

Paulo encorajou os “servos”, que trabalham para outros, a terem uma conduta que seja caracterizada por dar “prova de toda a fidelidade, a fim de ornarem, em todas as coisas, a doutrina de Deus, nosso Salvador” (Tt 2.10). Certamente, isso incluía a maneira de falar.

Ele também encorajou os cristãos a manterem um alto grau de pureza — não só a pureza das palavras, mas também a pureza de pensamentos:

Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento. (Fp 4.8)

De que tipo de linguagem estou falando quando me refiro a palavras “obscenas” ou “impuras”? A resposta não depende do assunto que em discussão, mas das próprias palavras que são utilizadas para falar sobre o assunto. Todo idioma tem o que é chamado de “registro linguístico”, que varia desde a linguagem mais polida e formal, passando pela linguagem mais comum, até a linguagem mais vulgar e ofensiva. A tabela 11.1 contém alguns exemplos.

AssuntoLinguagem polida e formalLinguagem comumLinguagem vulgar ou obscena (ou linguagem imunda ou ofensiva)
Atividades de Latrinadefecar urinarfazer cocô fazer xixica— mi—
Atividade Sexualmanter relações sexuaisdormir comf—-

Tabela 11.1. “Registros linguísticos”

Parece-me que utilizar as palavras da coluna da direita faz parte de uma categoria diferente de tomar o nome de Deus em vão ou de amaldiçoar alguém. A questão é o tipo de reputação que estamos construindo ao nos comunicar, caso utilizemos uma linguagem considerada vulgar ou ofensiva.

Ao contrário do que se dá quando se toma o nome de Deus em vão ou quando se amaldiçoa alguém, eu não chegaria ao ponto de dizer que proferir as palavras da coluna da direita é sempre errado para qualquer pessoa em qualquer circunstância. Mas o uso dessas palavras é análogo a outras coisas socialmente ofensivas, como andar com a camisa suja de geleia de uva, parar de usar desodorante e começar a cheirar mau, ou colocar o dedo no nariz em público. Essas palavras causam escândalo e levam as pessoas a entenderem que temos uma boca suja, o que afeta a nossa reputação.[7] Suspeito que Paulo estava pensando nisso quando mencionou “palavra torpe” e “chocarrices” (Ef 4.29; 5.4).

Todos precisamos reconhecer que a conveniência de uma palavra pode variar de situação para situação. Diferentes ocupações e ambientes de trabalho têm diferentes padrões de uma linguagem apropriada. Fora de contexto, é difícil prever exatamente o que será considerado ofensivo e qual será o grau da ofensa.

As palavras são consideradas obscenas ou vulgares porque a sociedade, de forma geral, entende assim. São palavras que comunicam o desejo de chocar ou ofender. Quem as usa comunica algo sobre a maneira como deseja ser reconhecido.

Finalmente, quando uma subcultura dentro de uma sociedade se deteriora, tornando-se cada vez mais envolvida com atividades pecaminosas, sua linguagem tende a se tornar cada vez mais suja. Tenho um amigo que foi preso por fazer um protesto em uma clínica de aborto. Ele ficou preso por quatro noites em uma cadeia da cidade. Ele me contou que, durante a noite, ouvia a voz dos prisioneiros ecoando pela cadeia, e tudo o que ele ouvia era sempre cheio de vulgaridade sexual e palavras de latrina. A vida cada vez mais degenerada pelo pecado dos prisioneiros fazia com que eles tivessem uma linguagem igualmente degenerada e vulgar.

Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Ética Cristâ, de Wayne Grudem, Editora Fiel (em breve).

CLIQUE AQUI para ler mais artigos que são trechos deste livro.


[1] Alguns judeus nem mesmo dizem o nome de Deus. Eles se referem a ele de maneira vaga como “o Todo-Poderoso”, “o Altíssimo” ou “Hashem”, que é “o Nome” em hebraico. Veja Rabbi Baruch S. Davidson, “Why Don’t Jews Say G-d’s Name”, http://www.chabad.org/library/articlecdo/aid/1443443/jewish/Why-Dont-Jews-Say-Gds-Name.htm. Além disso, alguns judeus praticantes evitam escrever o nome de Deus porque temem que o nome escrito seja posteriormente desfigurado, apagado ou destruído sem querer. Veja “Jewish Concepts: The Name of God”, http:// www.jewishvirtuallibrary.org/the-name-of-god. A Bíblia não dá suporte para esse tipo de ideia, uma vez que o nome de Deus é utilizado milhares de vezes, mas podemos apreciar os esforços dos judeus para serem reverentes.

[2] Veja Wayne Grudem, Systematic Theology: An Introduction to Biblical Doctrine, 2ª ed. (Londres: Inter-Varsity; Grand Rapids: Zondervan, 2020), p. 567-75 [edição em português: Teologia Sistemática: Completa e Atual, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova, 2022)].

[3] Não pretendo falar aqui sobre todas as formas de linguagem pecaminosa, pois a discussão teria de ser muito mais extensa. Outros tipos de linguagem pecaminosa incluem a fofoca, a calúnia, o incentivo ao crime, a defesa de falsas religiões, as palavras rudes e cruéis, o ato de amaldiçoar as pessoas e a mentira. Tiago diz: “Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo” (Tg 3.2).

[4] N.E.: O autor literalmente diz: “Por exemplo, alguém poderia dizer ‘Oh, my gosh’ em vez de ‘Oh, my God’”. Gosh é uma alteração eufemística de God, que significa “Deus”.

[5] Judas também indica que nem os anjos podem proferir maldições contra espíritos tão malignos quanto os demônios, pois ele diz: “Contudo, o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo e disputava a respeito do corpo de Moisés, não se atreveu a proferir juízo infamatório contra ele; pelo contrário, disse: O Senhor te repreenda!” (Jd 9).

[6] Essa ideia é parecida com a orientação de Paulo em Romanos 12.19 (“Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira”), quando se combina essa ideia com Romanos 13.4, que diz que o governo civil “é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal”. Quanto aos cristãos que são seriamente prejudicados por um crime, embora sejam proibidos de buscar a vingança pessoal, Paulo encoraja-os a buscar que os malfeitores sejam castigados pelo governo civil.

[7] Veja a mensagem de e-mail que escrevi para o meu amigo John Piper sobre esse assunto em https://www .desiring god .org /articles/wayne-grudem-on-offensive-language.


Autor: Wayne Grudem

É professor pesquisador de Teologia e Bíblia no Phoenix Seminary. É bacharel em ciências humanas (Harvard), mestre e doutor em teologia (Westminster Seminary, Philadelphia) e PhD em Novo Testamento (University of Cambridge). Foi tradutor da Bíblia English Standard Version, editor geral da ESV Study Bible e presidente da Evangelical Theological Society. Publicou mais de vinte livros, entre eles Ética Cristâ, publicado pela Editora Fiel.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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