quarta-feira, 11 de dezembro
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O triunfo do último Adão

Conflitos têm, frequentemente, raízes que são profundas na história. Se você ler notícias sobre guerras, batalhas e conflitos que estão acontecendo em determinado dia, descobrirá que esses eventos raramente se materializam a partir de nada. Às vezes, a origem dos conflitos retrocedem a séculos ou mais.

Assim foi com Jesus e Satanás. Quando Jesus enfrentou e venceu o grande Acusador no deserto, o encontro foi um momento culminante na história que se entendia por milênios e que envolve toda a humanidade. Na verdade, foi o começo do fim desse conflito. Por séculos, Satanás se opusera a Deus e a seus planos no mundo, mas na tentação ele ficou face a face com quem o venceu – e de maneira decisiva. É verdade que Satanás sabia quem era Jesus; duas das tentações foram dirigidas especialmente à identidade de Jesus como Filho de Deus. Mesmo sabendo disso, Satanás ainda acreditava que, de alguma maneira, poderia levar Jesus ao pecado. E por que não? Todos os outros seres humanos na história haviam caído. Por que não desta vez? Talvez Deus tivesse cometido um erro em tornar-se humano, em assumir a carne, a fraqueza e as limitações humanas. Talvez Deus tinha, finalmente, se tornado… vencível.

No fim daquele primeiro encontro com Jesus, Satanás deve ter compreendido que tinha uma esperança vazia. De fato, vendo que as melhores táticas de Satanás o levaram à derrota, podemos nos perguntar se ele não saiu dali sabendo que o fim estava próximo. Devemos nos perguntar se ele não lembrou a voz de Deus prometendo-lhe, vários milênios antes: “Quando o Rei vier, tu lhe ferirás o calcanhar, mas ele te ferirá a cabeça”.1

O confronto deve tê-lo feito anelar pelos dias em que a guerra contra Deus pareceria estar indo melhor.

Ele queria destronar a Deus

A Bíblia não gasta muito tempo falando sobre Satanás. Seu foco está em Deus, no seu relacionamento com os seres humanos, na rebelião e pecado dos homens contra Deus e no plano divino para resgatá-los e perdoá-los. Mas, apesar disso, Satanás está ali, o Tentador e Acusador da humanidade, o maior Inimigo de Deus e de seus planos. Não sabemos muito de sua origem, mas a Bíblia cotem sugestões a respeito de onde ele veio. Acima de tudo, a Bíblia é clara em mostrar que Satanás não é, de modo algum, um tipo de antiDeus, igual em poder, mas apenas oposto em caráter ao próprio Deus. Em outras palavras, Satanás nunca é apresentado como o yang para o yin de Deus.

Na verdade, os profetas do Antigo Testamento indicam que originalmente Satanás era um anjo criado por Deus, para servi-lo como todos os outros anjos. Eis como Ezequiel o descreve:

Tu és o sinete da perfeição, cheio de sabedoria e formosura.

Estavas no Éden, jardim de Deus; de todas as pedras preciosas te cobrias: o sárdio, o topázio, o diamante, o berilo, o ônix, o jaspe, a safira, o carbúnculo e a esmeralda; de ouro se te fizeram os engastes e os ornamentos; no dia em que foste criado, foram eles preparados.

Tu eras querubim da guarda ungido, e te estabeleci; permanecias no monte santo de Deus, no brilho das pedras andavas.

Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado até que se achou iniquidade em ti.2

Quando você lê o livro de Ezequiel, observa que esta afirmação é pronunciada mais diretamente sobre o rei de uma cidade chamada Tiro. Todo o assunto é prefaciado pela ordem de Deus a Ezequiel: “Levanta uma lamentação contra o rei de Tiro”.3 Mas, outra vez, as profecias do Antigo Testamento são mensagens admiravelmente misteriosas, e às vezes há mais se passando do que apenas o que aparece à primeira vista. Isso é o que acontece aqui. Desde as primeiras palavras desta mensagem, é claro que Ezequiel não estava falando apenas sobre o rei de Tiro. Afinal de contas, o que significaria dizer que esse homem – o governante de uma cidade litorânea rica, mas ainda relativamente obscura no antigo Oriente Próximo – estava no Éden, que era um querubim da guarda ungido e permanecia no monte santo de Deus? Não faria sentido, de modo algum; seria exagero ao ponto de absurdo e fracasso poético.

Evidentemente, algo mais está acontecendo aqui, e o efeito é quase cinemático. É como se a face do perverso rei de Tiro estivesse expressando outra face – a face daquele que estava por trás do mal de Tiro, aquele que o impelia e o encorajava, cujo caráter o refletia. Você entende o que Ezequiel estava fazendo nesta profecia? Como uma forma de acentuar o poder de sua profecia contra o rei de Tiro, Ezequiel estava nos dando um vislumbre daquele que, acima de tudo, incorpora rebelião contra Deus – Satanás. Por isso, Ezequiel prosseguiu e descreveu a queda de Satanás de sua posição elevada: “Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; lancei-te por terra, diante dos reis te pus, para que te contemplem”.4Outro profeta, Isaías, descreveu o pecado de Satanás nestes termos: “Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu que debilitavas as nações! Tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono… subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo”.5

Mais do que qualquer outra coisa, o pecado de Satanás foi orgulho. Apesar de todo seu esplendor e beleza, ele não se contentou em ser o que Deus o criara para ser. Ele quis mais. E quis ser, como Isaías disse, “semelhante ao Altíssimo”. Satanás queria destronar a Deus.

Há alguma surpresa no fato de que, ao decidir atacar os seres humanos, tentá-los a se rebelar contra Deus e seguir seu próprio caminho, Satanás o fez por prometer-lhes que, se rejeitassem a autoridade de Deus, poderiam também ser como Deus?

Um lembrete vivo de que Deus é Rei

A história retorna ao próprio começo da Bíblia, no livro de Gênesis, e logo fica claro por que a humanidade precisa de Jesus. Por tentar com sucesso os primeiros humanos a pecar, Satanás deu um golpe que ele achou arruinaria toda a humanidade e a deixaria além de qualquer recuperação e, ao mesmo tempo, atingiria não somente o coração de Deus, mas também o próprio fundamento de seu trono.

A palavra gênesis significa começo; e isso é exatamente o que o livro descreve. Nos primeiros capítulos, Gênesis nos diz como Deus criou todo o mundo – a terra, o mar, os pássaros, os animais e os peixes – apenas por falar, para trazê-los à existência. E fica claro que, ao terminar a sua obra, a sua criação era boa. Também nos diz como Deus coroou sua obra criadora por fazer os seres humanos. O primeiro homem não era apenas outro animal. Era especial, criado por Deus “à sua imagem”, diz a Bíblia, e colocado evidentemente acima do resto da criação. A humanidade tinha um lugar especial no coração de Deus e em seu plano. Eis como Gênesis descreve a criação do primeiro homem: “Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”.6 A palavra hebraica que está por trás da expressão “o homem” é adam, que se torna naturalmente o nome do homem – Adão.

Deus foi bondoso para com Adão desde o princípio. Ele o colocou em uma área especial da terra chamada Éden, na qual Deus plantou um jardim. Além disso, no centro do jardim, ele colocou duas árvores especiais, árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal. A vida de Adão no jardim era boa, mas até essa altura ele era incompleto. Adão precisava de uma companheira, e Deus sabia disso: “Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea”. Assim, Deus fez o que qualquer um de nós faria naturalmente nesse momento: fez Adão dar nomes a todos os animais!7

Ora, se você está se perguntando o que estava acontecendo ali, não está sozinho! Essa mudança no enredo da história tem deixado muitas pessoas em dificuldade para entendê-la. A maioria das pessoas, embora sejam cristãs há muito tempo, veem-na apenas como uma bela e ótima inserção de história infantil, um tipo de intervalo comercial antes de a história ser retomada com a criação de Eva. Mas, se você quer entender a Bíblia, um princípio importante que deve ser lembrado é que os relatos bíblicos não são aleatórios. O relato de Adão dando nome aos animais cumpre dois propósitos realmente importantes. Primeiramente, Deus está dando a Adão uma importante lição objetiva. À medida que todos os animais, pássaros, peixes e insetos passam por ele, e Adão profere palavras como “tigre”, “rinoceronte” e “mosquito”, chega à compreensão de que nenhuma daquelas criaturas funcionará como uma companhia apropria para ele. Nenhuma é semelhante a ele.

Quando a lição é aprendida, Deus o faz cair em sono profundo e, tomando uma de suas costelas, cria a primeira mulher, que será a companheira de Adão. Imagine a empolgação de Adão quando acorda e a vê diante de si! Ela era perfeita! Especialmente depois de ver quão terrivelmente a baleia azul, a girafa e a joaninha teriam falhado como companheiras, Adão exclamou: “Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada”.8 Isso é uma parte da razão por que Deus fez Adão dar nomes a todos aqueles animais. Ele queria que Adão soubesse, sem qualquer antecipação, que a mulher fora criada especialmente para ele e, de maneira mais íntima, a partir dele mesmo.

Havia outra coisa acontecendo no dar nomes aos animais. Deus deve ter se deleitado em ver Adão fazendo sua obra, mas aquilo não era brincadeira ou diversão. Era também a maneira de Deus comunicar a Adão que ele tinha um trabalho a fazer no mundo. Como a obra prima da criação – a única criatura feita à imagem de Deus – Adão deveria governar o mundo de Deus. Dar nome a alguma coisa é uma maneira de exercer autoridade sobre ela, como um pai e uma mãe têm o privilégio de dar nomes a seus filhos. Portanto, em dar nomes aos animais, Adão estava realmente exercendo autoridade sobre eles. Estava realizando seu trabalho como vice-regente da criação de Deus, sob a autoridade do próprio Deus.

Esse fato é significativo, também, quando observamos que, ao ver a mulher, imediatamente Adão lhe dá nome – “chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada” – e depois a Bíblia diz que ele lhe deu nome outra vez – “E deu o homem o nome de Eva a sua mulher”. Você pode ver o que Deus estava fazendo nessa ocasião. Estava instituindo todo o sistema de autoridade no qual Adão recebe autoridade sobre Eva, e os dois juntos, como marido e mulher, recebem autoridade sobre a criação. E tudo isso tem o propósito de refletir a realidade de que Deus está sentado no trono acima de tudo. Isso é a última parte do que Deus tencionava quando disse que criaria o homem e a mulher “à sua imagem”. Um imagem ou estátua era usada frequentemente por reis conquistadores para lembrar aos conquistados quem governava sobre eles. Colocada numa posição elevada para que fosse visível para quase todos os lugares da região, a imagem dizia ao povo “Este é o seu rei”. O mesmo aconteceu com Adão e Eva na criação. Independentemente de qualquer outra ideia incluída no fato de haverem sido criados à imagem de Deus, tal fato significava que os seres humanos deveriam estar no mundo como lembrete para todo o universo de que Deus é o Rei. Assim como os seres humanos deveriam ter autoridade sobre a criação, também deveriam fazer isso como os representantes do grande Rei, Deus mesmo.

E tudo isso deve ter irritado a Satanás totalmente.

A devastação foi quase total

O ataque de Satanás aos seres humanos foi excelentemente planejado para destruir tudo que Deus havia feito no jardim. Você percebe, ele não estava interessado apenas em conseguir que um pequeno ser humano cometesse um pequeno pecado contra Deus. Ele queria invalidar cada estrutura de autoridade, cada símbolo de reino e governo que Deus havia instituído. Ele queria que toda a estrutura da criação – de alto a baixo – fosse subvertida e que Deus fosse humilhado.

A Bíblia registra que Deus disse a Adão e Eva que eles eram livres para comer de qualquer árvore do Éden, exceto de uma – a árvore do conhecimento do bem e do mal. Essa árvore é significativa por várias razões. Por um lado, era um lembrete para os humanos de que sua autoridade sobre a criação era derivada e limitada; não era soberana. Quando Deus lhes disse que não comessem do fruto dessa árvore, não estava sendo caprichoso. Estava lembrando corretamente Adão e Eva de que era o seu Rei; que, embora tivessem sido honrados como vice-regentes da criação, ele era o Criador e Senhor. Foi por essa razão que o castigo prometido pela desobediência foi tão severo: “No dia em que dela comeres, certamente morrerás”.9 Desobedecer a essa ordem teria sido para Adão e Eva uma tentativa de rejeitar a autoridade de Deus – em essência, uma declaração de guerra contra seu Rei.

A árvore era significativa também por outra razão. Os primeiros leitores de Gênesis teriam compreendido imediatamente que “conhecer o bem e o mal” era o trabalho característico de um juiz em Israel. Significava que o juiz discerniria o bem do mal e, depois, prescreveria decisões que refletissem essas realidades. A árvore do conhecimento do bem e do mal era, portanto, um lugar de julgamento. Era o lugar onde Adão deveria ter exercido sua autoridade como protetor do jardim de Deus, garantindo que nenhuma coisa má entrasse no jardim e, se entrasse, que essa coisa má fosse julgada e excluída.

Foi exatamente neste lugar – na árvore de julgamento, que lembrava a Adão o governo supremo de Deus – que Satanás fez seu ataque. Tomando a forma de uma serpente, Satanás confrontou Eva com a sugestão de que ela transgredisse a ordem de Deus e comesse do fruto. Eis como Gênesis descreve o encontro:

Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o Senhor Deus tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais. Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu.10

O resultado foi trágico, e, pelo menos, naquele momento, uma vitória quase total para Satanás. Ele não somente convenceu os seres humanos amados de Deus a desobedecer-lhe – por prometer-lhes o que ele mesmo sempre quis, “ser como Deus!” – mas também fez o que planejara fazer desde o início: subverteu toda a estrutura de autoridade da criação.

Eis como: você já se perguntou por que Satanás se dirigiu a Eva e não a Adão? Embora Adão fosse quem havia recibo autoridade original, e embora o resto da Bíblia culpe Adão pelo pecado, Satanás dirigiu-se primeiramente a Eva. Por quê? Não foi porque Satanás pensasse que, de algum modo, Eva seria um alvo mais fácil. Não, foi porque o alvo de Satanás era humilhar a Deus e destruir sua autoridade. E Satanás queria fazer isso tão convincente e profundamente quanto possível. Portanto, ele não queria apenas que Adão pecasse contra Deus; queria que Eva corrompesse Adão e o levasse a rebelião contra Deus. Há, porém, ainda mais: você já se perguntou por que Satanás se dirigiu aos seres humanos na forma de uma serpente? Por que não o fez na forma de outro ser humano, ou, se tinha de ser um animal, por que não uma girafa ou um cachorro? A mesma razão: é porque Satanás queria que a subversão da autoridade de Deus fosse total e completa. Por isso, ele se dirigiu como um animal sobre o qual Adão e Eva tinham autoridade e também como (falando simbolicamente) o mais baixo dos animais, a serpente. Você percebe? As estruturas de autoridade parecem dominós. Um animal baixinho tentou a mulher, que corrompeu o homem, que declarou guerra contra Deus.

A devastação foi quase total. Adão falhou em suas tarefas de toda maneira imaginável. Em vez de julgar a serpente pelo seu mal na árvore do conhecimento do bem e do mal, ele se uniu na rebelião de Satanás contra Deus. Em vez de proteger o jardim e expulsar a serpente do jardim, Adão o entregou a Satanás. Em vez de crer na palavra de Deus e agir de acordo com essa crença, ele duvidou da palavra de Deus e deu sua confiança a Satanás. Em vez de se submeter a Deus e executar fielmente seu papel como vice-regente, Adão decidiu que queria tomar a coroa suprema para si mesmo. Assim como Satanás antes dele, Adão resolveu que queria ser “como Deus”.

Um mundo de aflição

Os resultados do pecado de Adão foram catastróficos. Com o mundo em rebelião contra o Criador, Deus executou justiça e amaldiçoou o homem e sua mulher, bem como aquele que os havia tentado. Para o homem e a mulher, Deus decretou a vida não mais seria um paraíso. Seria difícil, extenuante e penosa. O nascimento de filhos seria doloroso, o trabalho seria laborioso, e a terra seria mesquinha em seus frutos e bens. Pior de tudo, o relacionamento imediato que Adão e Eva haviam desfrutado com Deus estava rompido; eles foram expulsos do jardim do Éden para sempre. E o caminho de volta foi fechado e guardado por um anjo que tinha um espada refulgente. Esse foi o significado mais profundo da promessa de morte por desobediência, a promessa feita por Deus. Sim, no devido tempo, Adão e Eva morreriam fisicamente, porém a morte mais importante que eles sofreram foi a morte espiritual. Foram separados de Deus, o Autor da vida, e sua alma morreu sob o peso da sua desobediência.

É importante entender que o pecado de Adão e Eva não afetou somente a eles. Afetou também todos os seus descendentes. Por isso, os capítulos seguintes da Bíblia mostram como o pecado se desenvolveu entre os seres humanos enquanto as gerações passavam. Caim, o filho de Adão e Eva, matou seu irmão Abel motivado por orgulho e inveja, e a partir daí o pecado começa a ter um domínio mais forte no coração dos homens. Os descendentes de Caim fazem progressos culturais – edificam uma cidade e conseguem avançar tecnológica e artisticamente – mas a história bíblica é clara em mostrar que os seres humanos se tornam cada vez mais endurecidos em seu pecado, cada vez mais comprometidos com rebelião contra Deus, em imoralidade e violência. Um dos descendentes de Caim até se orgulha de haver matado um homem apenas porque este o feriu e se vangloria de que se vingará setenta vezes sete de todo aquele ousar prejudicá-lo. O pecado criou um mundo de aflição.11

Ao mesmo tempo, os efeitos físicos da sentença de morte decretada por Deus contra Adão e Eva – que seus corpos retornariam à terra como pó – estavam sendo executados não somente contra eles, mas… contra toda a humanidade. Há um capítulo em Gênesis que apresenta uma lista dos descendentes de Adão e relata quanto eles viveram. O que é admirável neste capítulo – além do fato de que as pessoas tiveram uma vida muito longa – é o modo como termina o registro da vida de cada pessoa. Vez após vez, o registro da vida das pessoas termina com a expressão “e morreu”. Adão viveu 930 anos e morreu. Sete viveu 912 anos e morreu. Enos… morreu. Cainã… morreu. Maalalel, Jarede e Metusalém… todos morreram. Como Deus havia dito, a morte estava reinando entre os seres humanos.12

Você percebe a importância disso? Quando Adão pecou, não o fez apenas como um indivíduo – nem sofreu as consequências de seu pecado apenas como um indivíduo. Quando Adão ele pecou, ele o fez como representante de todos aqueles que viriam depois dele. Foi por essa razão que Paulo disse no Novo Testamento que, “por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação” e que, “pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores”.13 Adão representava todos nós, agiu por todos nós, rebelou-se por todos nós.

Essa realidade impacta frequentemente as pessoas como sendo injusta. “Prefiro ser eu mesmo”, elas dizem, “a ser representado por outra pessoa”. Admiravelmente, parece que essa realidade não impactou qualquer dos filhos de Adão dessa maneira. Talvez porque, em parte, eles sabiam que, se Deus tivesse deixado cada um representar a si mesmo, não teriam feito nada melhor do que Adão fizera. Mas é também porque sabiam que sua única esperança de serem salvos era que Deus enviasse outra pessoa – outro representante, outro Adão, por assim dizer – que ficaria no lugar deles novamente e os salvaria. Adão havia representado a humanidade em submissão a Satanás e em rebelião contra Deus; o que era necessário a partir de então era outra pessoa para representar a humanidade em obediência a Deus e vitória sobre Satanás.

Tudo se resume nisto

E isto foi exatamente o que Deus prometeu fazer.

Quase imediatamente, na sequência do pecado de Adão e Eva, Deus prometeu que agiria para salvar a humanidade por enviar outro Representante, outro Adão para ficar no lugar dos homens e, desta vez, ganhar salvação para eles. Quando Deus faz essa promessa, esse é um momento de esperança maravilhoso, porque é a promessa feita no momento mais obscuro possível, quando Deus está executando juízo contra a serpente que tentou Adão e Eva ao pecado. Eis como Gênesis registra o que Deus disse:

Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida. Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.14

Você pode ver a promessa no final? Um dia, Deus enviaria um Homem que feriria a cabeça da serpente de um vez por todas. Em outras palavras, este Homem faria o que Adão deveria ter feito como representante da humanidade, e, ao fazer isso, salvaria os homens do desastre que seu pecado trouxera para eles mesmos e todo o mundo.

Desse ponto em diante, a promessa de outro representante – outro Adão – se tornou a grande esperança da humanidade. Uma geração após outra aguardava o dia em que Deus cumpriria a sua promessa, e de tempos em tempos os homens se perguntavam se esta ou aquela pessoa seria o Redentor prometido. Por isso, quando Noé nasceu, seu pai, Lameque, exclamou com esperança: “Este nos consolará… nesta terra que o Senhor amaldiçoou”.15 Mas é claro que ele não consolaria. Sim, como Adão, Noé se tornou o representante da raça humana, mas quase imediatamente depois de sair da arca, ele mostrou que também era um pecador. Este segundo Adão defeituoso falhou como o primeiro; e ficou claro que o grande Redentor ainda não chegara.

No decorrer dos séculos e principalmente por meio da história de Israel, as esperanças das pessoas quanto ao cumprimento das promessas de Deus repousaram num representante após outro. Moisés, Josué, Davi, Salomão, os juízes, os reis – cada geração esperava que este ou aquele fosse o Redentor, mas as esperanças deles se revelaram vazias.

Mas, então, veio Jesus, o último Adão, que seria o representante da humanidade e faria o que o primeiro Adão não fez. Essa é a razão por que o confronto entre Jesus e Satanás no deserto foi tão importante. Jesus estava ali não somente como o campeão de Israel – o rei da linhagem de Davi – mas também como o Campeão da humanidade, aquele que venceria onde o primeiro Adão havia falhado.

Você lembra as três tentações que Satanás usou contra Jesus no deserto? Foram os três famosos fracassos de Israel, mas foram também a essência do que Satanás tentara Eva a fazer no jardim do Éden. Não é difícil ouvir os ecos:

Transforme as pedras em pães, Jesus; você está com fome, satisfaça-se agora.

Olhe para aquele fruto, Adão; é agradável aos olhos, coma-o agora.

Deus cumpre realmente suas promessas Jesus? Bem, eu digo que não. Por que não fazê-lo provar isso?

Deus realmente disse que você morrerá, Adão? Bem, eu digo que você não morrerá. Vamos provar a Deus e ver o que acontece.

Prostre-se e me adore, Jesus, e eu lhe darei todos os reinos do mundo.

Obedeça-me, Adão. Adore-me, e eu o farei semelhante a Deus!

A batalha de Jesus contra Satanás naquele dia não foi apenas uma batalha pessoal. Sim, ele estava experimentando tentações a fim de ser capaz de simpatizar com seu povo, mas estava também fazendo algo que seu povo nunca seria capaz de fazer – resistindo à tentação até ao fim de sua força, exaurindo-a, derrotando-a. E, no processo, enquanto ele travava a batalha em favor de seu povo contra o seu inimigo mortal, estava fazendo o que eles deveriam ter feito desde o início. Jesus estava obedecendo a Deus, honrando-o e adorando-o por eles, como seu Rei, Representante e Campeão.

Mas ainda não estava terminado. Embora Satanás tenha sido derrotado, a maldição – “certamente morrereis” – ainda permanece sobre a cabeça da humanidade, como uma espada. Por isso, embora o rei Jesus tivesse vencido a Satanás, suportando suas tentações até ao fim e, de fato, vivendo um vida inteira de justiça perfeita diante de Deus, a justiça ainda estava sendo executada para que o pecado do seu povo não fosse ignorado ou deixado de lado. Eles haviam se rebelado contra Deus, cada um deles, e a justiça exigia que nada menos do que a sentença que Deus pronunciara contra eles – morte espiritual, separação de Deus e até ira divina – fosse executada totalmente. Qualquer coisa menos do que isso teria colocado em dúvida o caráter de Deus.

Você percebe, se o rei Jesus teria de salvar o seu povo dos pecados deles, não bastava apenas derrotar seu grande inimigo. Afinal de contas, Satanás apenas os havia tentado ao pecado; eles mesmos fizeram a escolha de se rebelar contra Deus. Isso significava que a sentença de morte era merecida e ainda estava em vigência. A fim de salvar seu povo, Jesus teria de exaurir essa maldição. Teria de deixar que a sentença de morte da parte de Deus – sua ira justa contra pecadores – caísse sobre si mesmo, em lugar de seu povo. Teria de ser o Substituto deles não somente na vida, mas também na morte.

Tudo se resume nisto: se o seu povo deveria viver, o Campeão teria de morrer.

Notas:

1 – Gn 3.15.
2 – Ez 28.12-15.
3 – Ez 28.12.
4 – Ez 28.17.
5 – Is 14.12-14.
6 – Gn 1.17; 2.7.
7 – Gn 2.8-10, 18.
8 – Gn 2.23.
9 – Gn 2.17.
10 – Gn 3.1-6.
11 – Gn 4.17-24.
12 – Gênesis 5.
13 – Rm 5.18-19.
14 – Gn 3.14-15.
15 – Gn 5.29.

 

Fonte: trecho do livro “Quem é Jesus Cristo?”, de Greg Gilbert, lançamento de julho de 2015 da Editora Fiel.


Autor: Greg Gilbert

Greg Gilbert é o pastor principal da ­Third Avenue Baptist Church, em Louisville (Kentucky). É formado pela universidade de Yale e obteve seu mestrado em teologia pelo Southern Theological Seminary. É preletor de conferências teológicas e escreve frequentemente para o Ministério 9 Marcas.

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