sexta-feira, 22 de novembro
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O zelo de Richard Baxter

Esboçarei a vida de Richard Baxter e, em seguida, destacarei o seu zelo, expresso em sua extraordinária obra pastoral, em Kidderminster, e em seu clássico The Reformed Pastor (O Pastor Aprovado).

Um esboço de sua vida

Richard Baxter nasceu em 1615. Diferentemente da maioria dos famosos ministros puritanos, Baxter não desfrutou de estudos nas universidades de Oxford ou Cambridge. Ele estudou na modesta Escola Pública Donnington. Depois, foi um autodidata. Leitor ávido, Baxter estudou amplamente vários assuntos. Deste modo, tornou-se um homem de excepcional conhecimento e habilidade para debates. Foi ordenado diácono pelo bispo de Worcester, em 1638. Por breve tempo (1641-1642), Baxter trabalhou como preletor e co-pastor em Kidderminster. Em 1642, o país se envolveu em guerra civil. Baxter serviu como capelão no Exército do Parlamento até 1647, retornando a Kidderminster como pastor. Ali, ele trabalhou até 1661. Estes 14 anos, em que teve a idade de 32 a 46 anos, foram notáveis por causa da transformação espiritual operada na cidade. Aquele município foi tão abençoado que se tornou um referencial na história evangélica da Inglaterra.

Quase no fim de seu ministério em Kidderminster, uma viúva chamada Mary Hanmer veio morar na cidade, a fim de obter benefícios do ministério de Baxter. Ela estava acompanhada de sua filha Margaret, que tinha 16 anos de idade, e que era mundana e indiferente ao evangelho. Nos quatro anos seguintes, Margaret foi afetada pelo ministério de Baxter e aos 20 anos foi convertida. Durante este tempo, ela se apaixonou por Baxter, que considerava o celibato ideal para um ministro. Ele proclamava isto com entusiasmo — um ponto de vista que consistia um grande contraste com os puritanos ingleses, os quais afirmavam, com vigor, a doutrina bíblica do casamento e da família. Richard Baxter deixou Kidderminster, para viver em Londres, onde ele usou toda influência possível a fim de obter um tratamento justo para os puritanos. Mary e Margaret o seguiram e passaram a morar perto dele. O Ato de Uniformidade, sancionado pelo Parlamento, em 1662, era rígido e severamente contrário à consciência dos puritanos.

O Ato de Uniformidade levou os puritanos a deixarem a Igreja Anglicana. Cerca de 2.000 ministros puritanos sofreram a perda de seu sustento, naquilo que, na História, ficou conhecido como a Grande Expulsão. É claro que isto incluiu Baxter. Sua vida foi arruinada: fora cruelmente despojado de sua razão de ser. Ele era pastor por natureza, agora sem igreja; um pregador nato, sem púlpito. A sua justificativa para o celibato desapareceu. Baxter se casou com Margaret em 19 de setembro de 1662. Ela estaria sempre com ele, confortando-o, prestando-lhe cuidado nas freqüentes enfermidades, apoiando todos os interesses práticos de sua vida. Viver com Margaret foi a maior consolação desfrutada por ele durante os anos difíceis que vieram depois. O restante da vida de Baxter foi marcado por aflições. Em 1669, ficou preso por mais de uma semana em Clerkenwell e por 21 meses em Southwark (1685-1686). Ele nunca teve uma saúde robusta e precisou lutar contra graves surtos de enfermidade.

Em novembro de 1672, Baxter pregou publicamente pela primeira vez em dez anos. Margaret (1636-1681) empregou, com generosidade, parte considerável de sua herança para garantir que Richard Baxter exercesse um ministério público eficiente. Ela alugou um salão público, onde cabiam 800 pessoas, em uma das áreas mais carentes de Londres e contratou algumas pessoas para ajudarem Baxter em seu ministério.

Durante o tempo de exclusão do ministério público, Richard Baxter usou seu tempo para escrever. Seus escritos excederam, em quantidade, os de John Owen. Diferentemente de John Owen, que talvez seja o melhor teólogo de língua inglesa, Richard Baxter era neonomiano e amiraldiano. Infelizmente, isto produziu confusão teológica nas duas gerações seguintes. Os leitores dos três clássicos de Baxter — O Descanso Eterno dos Santos (“The Saints’ Ever- lasting Rest”), uma explicação a respeito do céu; Um Apelo ao Não-convertido (“A Call to the Unconverted”) e O Pastor Aprovado (“The Reformed Pastor”) — não perceberão estes erros. É mais fácil ler Baxter que Owen. A sua obra mais extensa intitula-se Diretório Cristão (“Christian Directory”) e aborda cada aspecto da vida cristã sob um ponto de vista prático. É na aplicação prática das Escrituras que vemos o melhor de Baxter. Ele possuía um poderoso dom de constranger e levar a consciência à obediência.

Richard Baxter era sempre zeloso no que se refere à obra missionária. Ele foi um dos principais motivadores do estabelecimento da Sociedade de Propagação do Evangelho. John Eliot, famoso como “o apóstolo dos índios americanos”, encontrou em Baxter um excelente auxiliador. Durante a sua última enfermidade, em 1691, Baxter leu A Vida de Eliot e escreveu ao seu autor, Increase Mather: “Pensei que morreria por volta das 12 horas, na cama, mas o seu livro vivificou-me. Conheço muitas das opiniões do Sr. Eliot, por meio das várias cartas que recebi dele. Não houve na terra um homem que honrei mais do que ele. A obra evangélica de Eliot é a sucessão apostólica pela qual eu mesmo suplico”.

Evangelismo zeloso em Kidderminster

Na qualidade de pastor, Richard Baxter era excepcional. O sucesso do evangelho em Kidderminster, sob a liderança dele, foi singular. Não podemos encontrar na história evangélica da Inglaterra algo que se compare com este sucesso.

A cidade tinha aproximadamente 800 casas e uma população entre 2.000 e 4.000 pessoas. Baxter percebeu que eles eram “ignorantes, rudes e festeiros”. Uma notável mudança ocorreu. “Quando comecei meus trabalhos, tive cuidado especial por todos os que eram humildes, reformados ou convertidos. Mas, quando já havia trabalhado por bom tempo, aprouve a Deus que os convertidos fossem tantos, que não pude me dar ao luxo de gastar tempo com observações particulares; famílias e considerável número de pessoas vieram de uma só vez, amadureceram e cresceram, de um modo que não sei explicar”. O método de Baxter consistia em visitar casa por casa e ser bastante direto no assunto de conhecer a Deus com fé salvadora.

No prédio da igreja cabiam 1.000 pessoas. Cinco galerias foram acrescentadas para acomodar a congregação.Quando Baxter chegou a esta pobre cidade, onde a tecelagem era a principal atividade, ela era um deserto espiritual. Quando ele deixou Kidderminster, era um jardim belo e promissor. “No Dia do Senhor, qualquer um que caminhasse pelas ruas poderia ouvir centenas de famílias cantando salmos e repetindo sermões. Quando cheguei ali, somente uma família, em cada rua, adorava a Deus e invocava o seu nome. Quando saí, havia algumas ruas em que não havia nem uma família que não confessasse uma piedade séria, que nos dava esperança quanto à sinceridade deles.”

Posteriormente, Baxter escreveu: “Embora eu tenha estado ausente deles por quase seis anos e tenham sido assaltados por ameaças, calúnias e difamações a respeito da pregação, eles permanecem firmes e mantêm a sua integridade. Muitos deles estão com o Senhor. Alguns foram expulsos; alguns estão presos. Mas nenhum deles, sobre os quais tenho ouvido, caiu ou abandonou a sua retidão”. Quando, em dezembro de 1743, George Whitefield visitou Kidderminster, ele escreveu a um amigo: “Fui grandemente revigorado ao ver que o agradável aroma da boa doutrina, da obra e da disciplina do Sr. Baxter permanece até hoje”.

A principal diferença entre Baxter e a maioria dos pastores, do passado e do presente, é que ele combinava a pregação com o testemunho pessoal direto, pessoa a pessoa. Com muita freqüência, os pastores contentam-se em confinar seu testemunho do evangelho ao púlpito. A atitude e a prática de Baxter se revelam com clareza em seu livro O Pastor Aprovado (“The Reformed Pastor”).

Richard Baxter e “O Pastor Aprovado”

Os membros da Associação de Worcester, a fraternidade de clérigos que tinha Baxter como espírito propulsor, se comprometeram a adotar o método de catequese paroquial sistemática, conforme o método de Baxter. Eles estabeleceram um dia de jejum e oração, para buscarem a bênção de Deus sobre este empreendimento e pediram a Baxter que pregasse naquele dia. Entretando, quando o dia chegou, Baxter se encontrava muito doente para estar presente; por isso, em 1656, ele publicou o material que havia preparado, uma exposição completa de Atos 20.28. Esse material recebeu o título de O Pastor Aprovado (“The Reformed Pastor”). Este livro tornou-se famoso, e tem sido usado em todas as gerações, até ao presente. Por exemplo, a edição da Banner of Truth, com a excelente introdução de J. I. Packer, surgiu em 1974; e edições posteriores foram realizadas em 1979, 1983, 1989, 1994, 1997, 1999 e 2001.

A palavra Aprovado (Reformed), no título, não significa calvinista em doutrina, e sim renovado em suas práticas. Este tratado é uma dinamite espiritual, e foi reconhecido assim desde a sua criação. Um mês depois de sua publicação, um leitor escreveu: “Ó homem grandemente abençoado! O Senhor revelou suas coisas secretas para você, pelas quais muitas almas na Inglaterra se levantarão e bendirão a Deus por você”.

Isto provou estar correto. O livro de Baxter, O Pastor Aprovado, ainda é o melhor manual quanto aos deveres de um pastor. Nada tem excedido o seu poder e sua eficácia. É um imperativo para todo pastor.

Na edição da Banner of Truth, J. I. Packer sugere que o vigor e o poder evocativo do livro atravessam três séculos. Ele descreve três excelentes qualidades de O Pastor Aprovado.

A primeira é o seu vigor. “As palavras do livro têm mãos e pés.” Baxter possuía olhos perscrutadores e, certamente, tinha palavras perscrutadoras. “Seu livro arde com zelo sincero e ardente, com fervor evangelístico e sinceridade para convencer.”

A segunda qualidade é que o livro contém realidade. “É honesto e direto. Freqüentemente se diz, com exatidão, que qualquer cristão que ama o seu próximo e pensa seriamente que, sem Cristo, os homens estão perdidos não será capaz de descansar tranqüilamente com o pensamento de que todos ao seu redor estão indo para o inferno, mas se disporá, irrestritamente, a testemunhar, tendo isso como seu principal objetivo de vida. E qualquer crente que deixa de viver deste modo destrói a credibilidade de sua fé. Pois, se ele mesmo não pode, com seriedade, ter isso como norma de seu viver, quem mais pode ter? Nenhuma outra obra manifesta tanta solidez como O Pastor Aprovado. Nesta obra, encontramos um amor apaixonado e um crente terrivelmente honesto, sincero e correto pensando e falando sobre o perdido, com realismo perfeito, insistindo em que temos de aceitar alegremente qualquer grau de desconforto, pobreza, trabalho excessivo e perda de bens materiais, se almas forem salvas, e apresentando, em sua própria pessoa, um exemplo vívido do que está envolvido nesta obra.”

Terceira, o livro é um modelo de racionalidade. J. I. Packer diz que o livro expressa bom senso. A responsabilidade é ressaltada com clareza. “A graça entra por meio do entendimento.” Baxter insistia em que os ministros têm de pregar a respeito de assuntos eternos como homens que sentem o que falam e se mostram sérios a respeito do assunto de vida e morte eterna. Baxter também sustentava que a disciplina da igreja tem de ser praticada para mostrar que Deus não aceita o pecado.

Em sua exposição de Atos 20. 28, Baxter esclarece a exortação “atendei por vós”. Ele também explica o significado de atender por todas as ovelhas do rebanho. Começa com o não-convertido e os inclui em sua percepção. Ele exorta os pastores à supervisão cuidadosa das famílias e persiste em que temos de ser fiéis em admoestar os transgressores. No que diz respeito ao modo como deve ser administrada esta supervisão, ela tem de ser realizada com franqueza e simplicidade, com humildade e uma mistura de severidade e brandura, com seriedade e zelo, com ternura e amor para com as pessoas, com paciência e reverência, com espiritualidade e desejos sinceros de sucesso, com um profundo senso de nossa própria incapacidade. Finalmente, Baxter nos convoca a labutarmos unidos com outros ministros do evangelho, o que é sobremodo importante em nossos dias, quando divisões são mantidas por razões insignificantes e não-bíblicas.

O zelo de Richard Baxter resplandece em O Pastor Aprovado. As exortações de Baxter retinem com sinceridade porque ele vivia o que pregava. À semelhança de um oficial militar, Baxter leva os seus soldados à batalha. Ele não dá ordens a partir de uma zona de segurança.

A maneira como Baxter se dirigia à pessoas, quer em público, quer em particular, se reflete em Um Apelo ao Não-Convertido (“A Call to the Unconverted”), que vendeu 20.000 exemplares no seu primeiro ano de publicação e foi traduzido para vários idiomas. O versículo de abertura deste livro é Ezequiel 33.11: “Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que haveis de morrer, ó casa de Israel?” A compaixão expressa neste versículo de Ezequiel é muito semelhante ao zelo ardente que o Espírito Santo produziu em Richard Baxter.


Autor: Erroll Hulse

É editor da Revista Reformation Today. Conferencista internacional. Em 2001, pregou nas Filipinas, Burma, Singapura, Malásia e África do Sul. Promove conferências para famílias, pequenas igrejas e grandes conferências internacionais para líderes. É responsável pela Conferência Carey para pastores, que em janeiro desde ano reuniu 150 participantes de 22 países. É autor de vários livros, dentre os quais citamos: O Batismo do Espírito Santo, editado pela Editora Fiel, Quem são os Puritanos, A vida de Adoniram Judson e O Grande Convite. É membro do Comitê da Conferência de Westminster, onde apresentou vários artigos teológicos. Foi preletor da Conferência Fiel no Brasil, em 1993.

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Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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