Poderia o surgimento dos “Nones” – aqueles que não reivindicam religião quando questionados por pesquisadores – ser bom para algumas igrejas? Essa é a postura de muitas igrejas históricas cujas fileiras foram mais atingidas por deserções. E elas podem até ter um argumento.
Entre as principais denominações históricas, nos Estados Unidos da América[i], estão a Igreja Episcopal, as Igrejas Batistas Americanas, a Igreja Metodista Unida, a Igreja Unida de Cristo, a Igreja Evangélica Luterana na América, a Igreja Presbiteriana (EUA) e a Igreja Cristã (Discípulos de Cristo). Essas denominações foram incapazes de conter sua perda de membros. A tendência remonta, em alguns casos, ao ápice dessas denominações históricas, na década de 1960. Em 1972, essas denominações representavam 28% de todos os americanos. Essa participação diminuiu para 12,2% até 2014. Diante desse cenário, você poderia esperar que essas igrejas estivessem em pânico. Mas e se elas, na verdade, estiverem tendo sucesso em sua missão enquanto vão diminuindo? E se essas denominações tivessem perdido seus bancos cheios para “ganhar o mundo”?
Muitas igrejas protestantes históricas, há muito tempo, abandonaram a pregação do Cristo crucificado em favor dos pecadores, para engajar-se nas mais recentes causas sociais. Suas igrejas se esvaziaram, no entanto, suas ideias floresceram. Algumas dessas causas, especialmente a defesa do aborto e dos direitos dos homossexuais, tornaram-se provas da aceitação na elite social, acadêmica e política da América. De acordo com muitos desses principais líderes, o declínio na membresia da igreja era necessário para purgar elementos reacionários que resistiam a essa visão social progressista. Você pode economizar muito tempo na igreja catequizando os jovens quando descobre que o mundo pode fazer isso por você.
As denominações evangélicas (que se mantiveram fiéis à Bíblia), enquanto isso, recuaram novamente para as margens da sociedade. Você não ousaria, como professor universitário, declarar sua oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Você não pensaria em fazer carreira no Partido Democrata enquanto lutasse contra o aborto. As empresas “educadas” não querem que você perturbe suas reuniões com conversas sobre mortalidade, julgamento e vida após a morte. Pode parecer, então, que os verdadeiros evangélicos perderam a longa batalha pela alma protestante da América. Você teria muitas evidências, pelo menos na política e na mídia, para apoiar sua preocupação. Mas e se ambos os lados realmente atingiram seus objetivos?
Os Nones desertaram das igrejas históricas para o mundo, que agora reflete suas principais prioridades. As denominações evangélicas fiéis não sofreram a mesma perda de membros, apesar de perderem posição no mundo. De acordo com uma pesquisa do “Pew Research Center” em 2014, as denominações evangélicas fiéis perderam menos de 1% de sua participação na população americana entre 2007 e 2014, enquanto os protestantes históricos perderam 3,4%. Perdas na Convenção Batista do Sul foram significativas, mas não tão severas quanto em outras grandes denominações. Enquanto isso, as Assembleias de Deus evangélicas / carismáticas continuam a crescer na quantidade de membros. Enquanto a linha histórica ganhou o mundo, os evangélicos fiéis à Bíblia ganharam a igreja.
No entanto há um problema real para ambos os lados. O mundo não vai, de repente, parar de mudar. E o mundo não precisa mais dos protestantes históricos. Eles estão fora de moda e em declínio em comparação com os jovens Nones que descartam o dogma. Enquanto isso, o mundo não deixará os evangélicos, que se mantém fiéis às Escrituras, em paz, porque os Nones se incomodam com qualquer influência persistente da religião organizada. A forma como os evangélicos fiéis respondem determinará se eles vão acompanhar as igrejas históricas no declínio de sua membresia.
Sem Ilusões
Pelo menos desde 1980, muitos evangélicos, que se mantêm fiéis às Escrituras, têm a ilusão de que representavam uma maioria silenciosa, mas dedicada, que estava comprometida em defender a moral bíblica nos Estados Unidos. Essa teoria começou a se desfazer em 2006, quando o presidente George W. Bush perdeu sua maioria no Congresso. E foi totalmente desfeita em 2016, quando a direita religiosa não pôde concordar com um certo candidato.
Se você mora em uma grande cidade, você provavelmente já tenha perdido a esperança em que o mundo apoie sua fé. Você nunca poderia contar com o apoio de vizinhos que não compartilham de suas crenças bíblicas. Em razão disso, então, você percebe o desencanto de alguns evangélicos que simplesmente se desapegam dessa preocupação.
“Era comum que tanto os crentes “dedicados” quanto os crentes “em cima do muro” – cristãos nominais, pessoas que se identificavam como cristãos, iam à igreja esporadicamente, pessoas que certamente respeitavam a Bíblia e o cristianismo – fossem a grande maioria das pessoas e que acabaram criando uma espécie de “Cultura da Cristandade”, disse Tim Keller, pastor da Igreja “Redeemer Presbyterian Church”, a um grupo de jornalistas em 2014. “O crente ‘em cima do muro’ costumava ser mais identificado com a devoção. Hoje está mais identificado com o secular, e nada mais”.
O editor de religião, de longa data, da “Newsweek”, Kenneth L. Woodward, diz que não vê uma corrida em grande escala em direção ao secularismo nesse declínio. Ele não espera que os Estados Unidos adotem o secularismo da mesma forma que foi adotado pela Europa, isso porque o número de americanos religiosamente devotos teve apenas um ligeiro declínio ao longo das décadas. “A explicação mais provável é que a religião institucional esteja experimentando um efeito tardio de uma limpeza”, escreve Woodward. Se esta teoria estiver correta, então os evangélicos perderam uma coisa que na verdade não significa nada – a ilusão de que exerciam uma grande influência. No entanto, eles perderam algo mais que poderia importar muito – a proteção dos aliados de suas convicções teológicas. Essas alianças alertavam os governos contra a restrição da liberdade religiosa de cristãos, igrejas e organizações sem fins lucrativos. Essas alianças mantinham juntas a primazia do núcleo familiar – um homem e uma mulher casados e dedicados ao bem-estar de seus filhos. Em um nível pessoal, isso significava que você geralmente conhecia os valores dos vizinhos no seu quarteirão, mesmo se você tivesse ouvido um sermão diferente no domingo.
Os evangélicos sobreviverão a essas mudanças, mas precisaremos de coragem e convicção para manter nossa própria casa em ordem quando não pudermos contar com reforços de fora da nossa família de fé. Não será fácil, mas temos todos os motivos para acreditar que Deus será fiel.
Pureza e Dignidade
A fé evangélica deve estar bem equipada para prosperar mesmo em tal situação. Não é completamente diferente do mundo mediterrâneo multicultural do Novo Testamento, onde a jurisprudência romana, a filosofia grega e várias escolas de pensamento judaicas competiam por influência. O apóstolo Pedro expõe dois elementos-chave da próspera fé evangélica em sua primeira epístola: “Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma, mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação”. (1Pe 2.11–12).
Pedro recomenda a pureza dentro da igreja e a dignidade fora da igreja. Você não verá Pedro explicando ou revisando a ética sexual intransigente do Antigo Testamento. As paixões da carne fazem guerra contra as nossas almas e não devemos nos render. Tal resistência requer maiores recursos espirituais do que o protestantismo histórico “em cima do muro” poderia reunir. Os pais não podem esperar que a mídia, as escolas públicas ou o governo façam seu trabalho difícil catequizando seus filhos, ou os pais catequizam os filhos ou o mundo os estará catequizando para você.
No verão passado, eu estava conversando com uma colega jornalista, sobre a perda da liberdade religiosa em meio à ascensão do secularismo e ao declínio do “em cima do muro”. Eu disse que não estava preocupado com restrições ao discurso ou com as assembleias nas igrejas locais, em parte porque as coalizões políticas e as complicações da imposição tornariam isso impossível. Eu admiti, porém, que estou preocupado com nossos filhos. Nós conversamos apenas um mês depois que o governo Obama anunciou que todas as escolas públicas devem permitir que as crianças usem banheiros que correspondam à sua “identidade de gênero” e não ao sexo em sua certidão de nascimento. Que tragédia seria se nossos filhos crescessem, em relação à moralidade bíblica, como uma ameaça à sociedade americana. Então minha colega jornalista detonou uma bomba.
“E se forem os nossos próprios filhos os que finalmente se voltarão contra nós?” Ela perguntou.
Eu tinha que admitir a plausibilidade de sua preocupação. Não foi esse o padrão nas tentativas anteriores de extinguir a igreja? Mas mesmo esse cenário apocalíptico não estava fora do alcance de Pedro. Não podemos controlar nem mesmo os pensamentos e valores de nossos filhos. Ao criá-los na disciplina e admoestação do Senhor (Ef 6. 4), nós estamos nos comportando com honra. Mesmo que nossos próprios filhos se levantem para nos chamar de malfeitores, Pedro diz que eles verão nossas boas ações e glorificarão a Deus no dia da visitação.
Significado e Senso de pertencer
A ascensão dos “Nones” e do secularismo, ao longo do declínio do “Evangelho em cima do muro”, representa um desafio que muitos evangélicos americanos nunca haviam enfrentado. Em uma cultura que reforçava amplamente os valores cristãos, a pureza não precisava distinguir a igreja. E se não nos considerássemos estranhos à cultura, não precisaríamos refletir, tampouco, sobre como nosso comportamento digno nos diferenciaria.
O mundo realmente se afastou da igreja, mas ainda não descobriu alternativas melhores ou respostas definitivas. “Sem sequer valores sem consistência para guiá-los, os jovens se perderão na busca de sentido e identidade”. Woodward explica.
Em vez de se definirem por meio de relacionamentos formados em família, vizinhança, igrejas, escolas e professores, os jovens imaginam – e são culturalmente encorajados a acreditar – que a forma de crescer é descobrir, nutrir e expressar um resultado originado internamente, autêntico, independente de relacionamentos institucionalmente estruturados.
Os valores protestantes, das denominações históricas, ajudaram a produzir um mundo que acredita que não precisa da igreja. Mas esse mundo ainda não encontrou nada fora de si mesmo que proporcione significado ou senso de pertencer. Que oportunidade incrível, então, para a igreja evangélica fiel se tornar um refúgio para os órfãos da modernidade.
Nas boas novas da morte e ressurreição de Jesus, os pecadores de todos os tempos, lugares e gerações encontram comunhão com Deus em Cristo e comunhão com seu corpo, a igreja. Se perdermos o “crente em cima do muro”, mas recuperarmos o nosso testemunho profético, a próxima geração ainda poderá produzir os anos mais frutíferos da igreja americana.
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[i] N.E.: Este texto foi publicado pelo autor considerando o contexto americano, porém nós, do Voltemos ao Evangelho, cremos que seu ensino geral é importante tambémpara o nosso contexto.
Tradução: Paulo Reiss Junior.
Revisão: Filipe Castelo Branco.
Fonte: Opportunity amid Secularism.