domingo, 17 de novembro
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Pensando a vocação do plantador de igrejas

Ter uma boa orientação sobre o que fazer na vida e como proceder em diversos momentos é fundamental. No entanto, quando a necessidade de se conhecer a maneira de fazer as coisas é substituída pelo pragmatismo, então perdemos o âmago, o que é central na vida. Ao pensar a vocação de uma pessoa chamada por Deus para ser um plantador de igrejas, devemos voltar aos princípios mais elementares da vida vocacional. O Pastor David Hansen diz:

“Quando comecei meu ministério pastoral, tinha muitos livros de receitas específicas – os chamados livros de como fazer. Tinha livros sobre como pregar, como administrar uma igreja, como fazer aconselhamento pastoral e como liderar pequenos grupos. Não me ajudaram. Os autores presumiam muita coisa. Presumiam que eu já sabia qual era o meu alvo. Que eu já sabia porque eu deveria fazer as coisas sobre as quais me ensinavam. Mas eu não sabia o que eu era, ou quem eu era, ou porque eu deveria fazer as coisas que era o meu dever fazer. E eu não sabia como qualquer destas coisas que se esperava que eu fizesse, se juntava uma à outra, uma compreensão coerente de meu chamado de Deus para ser pastor. Então eu parei de ler livros de como fazer. Em vez disso, li teologia, estudos bíblicos e história da igreja. Alternava entre essas disciplinas. Esses livros das disciplinas clássicas de teologia não me ensinaram como realizar um ministério pastoral, mas me auxiliaram imensamente em minhas obrigações regulares”. [1]

Desta forma, ao tratarmos sobre vocação, percebe-se que precisamos compreender nossos pensamentos sobre o conceito primário de vocação. Quem não sabe para o que foi chamado e tem dúvidas sobre quem ele é nesta missão, não poderá conduzir apropriadamente a sua vida ministerial, e muito menos liderar outros. Vocação vem do latim voco, “eu chamo”. A palavra é usada para descrever o chamado de Deus ao seu povo, tanto individual quanto coletivamente.[2] No Antigo Testamento, a expressão “chamar pelo nome” significa muitas vezes uma eleição, uma vocação para uma determinada função (Ex 31.2; Is 43.1; 45.3).[3] Mas a vocação também é tratada no Novo Testamento como uma missão dos cristãos que devem seguir a Cristo como uma vocação santa (2Tm 2.19, Rm 1.7, 1Co 1.2). O conceito de vocação no Novo Testamento aparece também em sentido mais restrito e técnico para se referir ao chamado de Deus para a obra do ministério cristão.[4]

O plantador precisa entender que o ministério pastoral é uma vida, não um empreendimento qualquer, como se fosse um estudo despretensioso de aplicação das melhores técnicas em áreas específicas da vida espiritual das pessoas. O plantador é chamado para viver uma vida vocacional, de serviço a Cristo. Como plantador, ele busca ver nascer uma igreja para a glória de Deus. O Dr. John Stott escreve: “Que a igreja deve ser um agente do evangelho isto é algo que surge de sua vida interna. A igreja que recebe a Palavra também deve anunciá-la (1Ts 1.5-8). A igreja que encarna a mensagem visivelmente também deve declará-la verbalmente.”[5]

Darrin Patrick[6] afirma que um plantador deve observar o seu chamado sob três aspectos específicos. Primeiro, a confirmação do coração, quando ele deseja servir a Deus, como afirma Paulo em 1 Timóteo 3.1, e também o profundo envolvimento emocional com o desafio do campo, como percebemos em Neemias 1. A segunda confirmação é a da mente, quando o plantador não entra no campo apenas pela “emoção”, mas com uma elaboração clara e consciente da sua área de atuação no campo e com uma percepção específica de seu chamado. E finalmente, a terceira área é a confirmação por suas habilidades. Neste sentido, o plantador precisa demonstrar no campo sua capacidade de mobilizar, liderar e inspirar pessoas a seguir a visão missionária da Igreja.

O plantador, como vocacionado, deve entender que sua missão primeira é pregar o evangelho de Jesus Cristo. Esta pregação deve ser percebida com a mesma seriedade que Paulo. Ele sabia que havia sido chamado para levar o Evangelho aos povos e essa era sua preocupação básica ao pensar em plantação de uma nova igreja. Ele afirma em Romanos: “Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas!” (Rm 10.14-15).

Francis Schaeffer afirma que Paulo olhava para a pregação do evangelho como um devedor diante de Deus:

Paulo considera a si mesmo um devedor, tanto para os de boa formação quanto para os pouco preparados, para os sábios e para os ignorantes. Este modo de pensar contrasta com a postura da grande maioria dos cristãos. A maioria dos cristãos acha que está fazendo algo especial quando fala do evangelho aos outros. Já Paulo tinha consciência de que este tipo de testemunho não representa grande coisa, pois ele é devedor (Rm 1.14) ou um “servo” (Rm 1.1) do evangelho. Nós como Paulo, também devemos nos sentir no dever de pregar o evangelho a cada um. É um dever do qual jamais poderemos nos esquivar. Não existe qualquer neutralidade ou conveniência nele, pois temos o dever de pregar o evangelho.[7]

O plantador precisa olhar para seu chamado e vida pastoral dinâmica como um desafio à proclamação do Evangelho. Mark Dever ao escrever sobre as marcas de uma igreja saudável, estabelece de maneira clara que a prioridade deve ser a pregação. Dever afirma: “A primeira marca de uma igreja saudável é a pregação expositiva. Não é somente a primeira marca; é a mais importante de todas as marcas, porque, se você desenvolvê-la corretamente, todas as outras a seguirão”.[8]

Assim como o Pr. David Hansen, muitos estão no campo missionário, com o desafio de plantar uma igreja, mas reconhecem suas limitações e buscam uma fórmula, uma maneira de fazer com que as coisas aconteçam. Na verdade, o plantador precisa entender que o Deus que chama é o mesmo que capacita. É preciso ter paz no coração e trabalhar com o que é mais essencial: a pregação do evangelho. O plantador é pela natureza do chamado um pregador do evangelho de Jesus Cristo.

Quando o plantador de uma igreja reconhece sua vocação e entende seu chamado principal, que é o de pregar o evangelho para glória de Deus, então, a partir desse ponto, ele deverá se preocupar com “como” realizar melhor o seu ministério. Este “como” é resultado do “porquê”. O plantador que tem uma visão saudável de seu ministério é aquele que sabe por que foi chamado. Só então ele deve se preocupar na forma que irá realizar seu ministério. Igrejas precisam de lideres que têm convicção de seu chamado.


[1] HANSEN, David. A Arte de Pastorear. São Paulo: Shedd Publicações, 2001. p. 9-10.

[2] WHEATON, D.H (org.). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1984. Vol. III, p. 630.

[3] BORN, A. Van Den. Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. p.1567.

[4] WHEATON, D.H (org.). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1984. Vol. III, p. 630.

[5] STOTT, John R.W & MEEKING, Basil. Dialogo Sobre La Mision. Grand Rapids, MI: Eerdmans Publishing Company, 1988. p.62.

[6] PATRICK, Darrin. Church Planter. Wheaton, IL: Crossway, 2010.

[7] SCHAEFFER, Francis. A Obra Consumada de Cristo. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. p. 21.

[8] DEVER, Mark. Nove Marcas de Uma Igreja Saudável. São José dos Campos, SP: FIEL, 2007. p.40.

 


Autor: Leonardo Sahium

Leonardo Sahium é pastor da Igreja Presbiteriana da Gávea (Rio de Janeiro/RJ), presidente da Junta de Educação Teológica da Igreja Presbiteriana do Brasil e diretor do Centro de Treinamento para Plantadores de Igrejas (CTPI). É bacharel em teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em teologia (MDiv) pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper e doutor em teologia (DMin) pelo Reformed Theological Seminary (EUA). É casado com Cristiane, com quem tem dois filhos: Nathan e Amanda.

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Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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