O livro “The Alternative” por Mauricio L. Miller, foi recomendado a mim recentemente como sendo um “divisor de águas”. Teria que ser muito especial para bater o “When Helping Hurts” de Brian Fikkert, mas de qualquer forma resolvi lhe dar uma chance.
O que basicamente temos aqui é uma crítica dos Serviços Sociais dos Estados Unidos por um profissional de quase 3 décadas. Mauricio é filho de uma imigrante mexicana que, tragicamente, atirou na própria cabeça em um hotel em Las Vegas, diante de dívidas fora de controle com contas médicas. Um livro que é uma homenagem ao trabalho árduo e esforços monumentais de sua mãe para garantir que ele tivesse uma boa educação ao estudar na Berkeley University.
Desde o início, o autor ataca as tendências e abordagens atuais para lidar com a pobreza nos EUA. Ele fala constantemente sobre ter uma abordagem alternativa para tratar e lidar com aqueles que lutam com suas dificuldades financeiras. Na verdade, ele vai além disso e acusa os que têm ideologias liberais (e algumas conservadoras) de agravar a pobreza, muitas vezes por causa de seus próprios interesses de trabalho. Logo no início ele cita MLK Jr, afirmando:
“A compreensão superficial das pessoas de boa vontade é mais frustrante do que a incompreensão absoluta das pessoas de má vontade.” (p. 3)
Um dos grandes desafios do livro é a prática dos chamados voluntários e assistentes sociais (em todos os aspectos) desse setor, que promovem a negatividade das comunidades pobres para manter seu financiamento, manter seus empregos ou criar emprego para si mesmos. Esse foco negativo, afirma ele, minimiza os pontos fortes e talentos das pessoas das comunidades pobres. Nós faríamos bem, como plantadores de igrejas e angariadores de fundos, em tomar conhecimento do conselho de Mauricio aqui. Devemos garantir que em nossas apresentações das necessidades de nossas comunidades não estejamos “colocando ovo demais no pudim” quando se trata de citar estatísticas de crimes e problemas de drogas etc. Eles existem, mas também existem pessoas maravilhosas que dedicam suas vidas às comunidades que estamos procurando alcançar. Não é tudo desgraça e tristeza. O problema é muitas vezes os financiadores que querem ouvir todas as estatísticas sangrentas e nós, que acabamos exagerando para podermos provar quão carentes e ruins são nossas áreas antes que elas consigam o dinheiro.
Ele explica isso em detalhes em um de seus capítulos.
“Para se qualificar para meus programas, as pessoas tinham que destacar suas fraquezas, suas deficiências. Quanto mais impotente você se apresentasse, mais elegível você seria para os serviços”. (p. 5)
Ele então cita o exemplo de dois jovens membros de gangues que estavam tentando sair de sua difícil situação. Um dos rapazes cometeu um assalto e o outro não tinha antecedentes criminais. Por causa das restrições de seu financiamento, ele só podia aceitar o rapaz com antecedentes criminais porque se qualificava como “o mais necessitado”. O outro rapaz não foi aceito porque sua “falta de violação da lei” significava que ele não se enquadrava em seus “parâmetros carentes”. O rapaz com antecedentes estava na realidade, ele diz, sendo recompensado pelo seu comportamento criminoso. Paralelamente, em sua experiência, quanto mais necessitado ele pudesse “pintar” uma comunidade, mais financiamento ele conseguia. Quanto mais fundos ele tivesse, mais pessoas ele poderia empregar para “ajudar” essas pessoas necessitadas. “Cafetões da Pobreza” é o que ele chama, e eles são abundantes entre as agências que procuram ajudar os pobres e necessitados.
Uma de suas grandes afirmações é que o sistema de bem-estar não ajuda as pessoas a escaparem da pobreza (financeira). O problema está no fato de que,
“Os benefícios são reduzidos à medida que sua renda sobe e quase desaparece quando você ganha mais do que a renda da linha de pobreza”. (p. 36)
Claro que ele está certo. Acontece o mesmo nas comunidades carentes da Escócia. Assim, por exemplo, um jovem casal com três filhos recebe, do estado, o aluguel e taxas pagos por sua moradia. Eles também recebem benefícios para as crianças e JSA (Job Seeker’s’s Allowance)[i]. Para que eles vivam no mesmo nível que vivem atualmente sob esse sistema, eles precisam estar ganhando perto de £ 1800 (por volta de 9 mil Reais) por mês livre dos impostos. Quando ambos são mal alfabetizados e não qualificados, isso nunca vai acontecer. Mesmo que um deles tenha um emprego mal remunerado, isso afeta seus benefícios de forma tão drástica que acabam perdendo dinheiro quando trabalham. Portanto, eles não têm motivação para conseguir um emprego. Não é questão de preguiça para eles. É sobre matemática econômica simples. Eles não estão sugando o sistema. Eles estão presos por isso.
O capítulo 3 do livro é, novamente, outra crítica devastadora sobre como a classe média encara os pobres.
“Há uma vantagem embutida desfrutada por pessoas que são criadas em um mundo onde não precisam se preocupar constantemente com dinheiro. Os privilegiados têm acesso a escolhas, redes de apoio e oportunidades que eu não imaginava”. (p.38)
Eu vejo isso agora mesmo em meus próprios filhos. Minha filha mais velha se senta e fala abertamente sobre a universidade para a qual ela gostaria de ir. Isso é incrível para mim. Esse tipo de conversa nunca aconteceu em meus (assim chamados) lares onde cresci. O melhor que eu poderia esperar para depois da escola era um trabalho com meu pai em algum lugar ou em uma das fábricas locais. A universidade não era para gente como nós (como meu pai costumava dizer). Mas minha garota não apenas pode falar sobre universidades como também pode sonhar em ir para outro país. Isso é um privilégio e ela nem percebe isso! Mauricio escreve:
“A educação é, naturalmente, uma das estratégias que nosso país emprega para criar ascensão social. Mas enquanto há programas para ajudar crianças de famílias pobres a entrar na faculdade, há poucas formas de ajudá-las a sobreviver quando admitidas”. (p. 41).
A classe trabalhadora e a classe média vivem em dois mundos diferentes e isso se torna óbvio em lugares de ensino superior. Mas, você diz, ainda há oportunidades para se chegar a esses lugares. Aqui está o ponto de Mauricio, e eu acho que é bom.
“Oportunidades são para o excepcional – o garoto sem teto inteligente o suficiente para ser o primeiro da classe em Harvard, ou o garoto sobrecarregado com problemas que se torna uma história de sucesso do programa. Ser normal (e pobre) não o torna um candidato a oportunidades ou trabalho”. (p. 65)
É um livro que tem muitas perguntas e sugestões pelo caminho que leva até o que ele chama de alternativa. E a alternativa, quando chegamos lá, é basicamente investir em relacionamentos comunitários. Ele acha que deveria ser gasto menos dinheiro na contratação de profissionais para ajudar os pobres e mais nas famílias locais. É um livro com uma visão unidimensional da pobreza (falta material e falta de oportunidades) e nem finge ser espiritual. As respostas que ele oferece são bastante óbvias. Deixe os pobres decidirem por si mesmos o que precisam, criar um vácuo de liderança e deixá-los preenchê-lo. Mas isso não tem efeito no dano real e duradouro que o estado social causou às nossas comunidades. Ele nega, mas há uma subclasse que não tem interesse em trabalhar e que vai sugar tudo o que puder do estado. Sua alternativa vai cair em ouvidos surdos aqui. Mas ainda há mérito real no livro. Ele acha que a resposta para os pobres é capacitá-los para a autorrealização. Acho que a resposta é capacitá-los, apresentando-os ao evangelho de Jesus e ajudando-os a crescer em uma igreja local.
Concordo com ele que profissionalizar os serviços sociais apenas acentua e perpetua a divisão de classes entre a classe média e os pobres. Eu vejo isso na abordagem do ministério de misericórdia da igreja o tempo todo. Quando tudo o que fazemos do ministério para as áreas carentes é enviar doações e fazermos nós mesmos o trabalho, em vez de estabelecermos parcerias e relacionamentos reais, perpetuamos a mentalidade de “eles e nós” e reforçamos a divisão de classes. Muitas vezes queremos ajudar as pessoas por pena. Mas a pena, na realidade, enfraquece os pobres. Fazemos por eles o que deveríamos ajudá-los a fazer por si mesmos ou ajudá-los a alcançar seus amigos e familiares mais distantes. Afinal, como eles sobreviveram até que nós chegássemos em nossos cavalos brancos? Não há respostas fáceis para essas perguntas. Mas há esperança no evangelho. Agora, mais do que nunca, os pobres da Escócia precisam da esperança das igrejas evangélicas. Pecadores transformados que vivem vidas transformadas transformam comunidades.
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[i] N.T.: Um tipo de Seguro Desemprego.
Nota do Editor: Este texto foi publicado pelo autor considerando o contexto europeu, porém nós, do Voltemos ao Evangelho, cremos que essas informações sejam importantes também para o nosso contexto.
Tradução: Paulo Reiss Junior.
Revisão: Filipe Castelo Branco.