Todos conhecem bem o fato de que o futuro ministério pastoral e a pregação de alguém depende da maneira como ele mesmo se desenvolve nos anos posteriores. Isso explica a advertência de Paulo a Timóteo: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Continua nestes deveres; porque, fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes” (1 Tm 4.16). Esse cuidado deveria durar por toda a vida; deveria assegurar um desenvolvimento adequado, ao invés de um desenvolvimento corrompido; deveria envolver todos os aspectos da vida, isto é, a vida espiritual, física, emocional, intelectual e doméstica. Um pregador não é um espírito destituído de seu corpo. Uma vez que o pregador seja afetado em suas faculdades físicas, todo o seu ser, inclusive o seu espírito, será também afetado. Portanto, é responsabilidade de todo pastor assegurar-se de que toda a sua humanidade redimida está passando por um desenvolvimento positivo que envolve toda a sua vida.
No entanto, afeições descontroladas, ou seja, um coração deturpado é um dos maiores inimigos desse desenvolvimento completo. Se um pastor deseja exercer um ministério eficiente e próspero, ele terá de lidar regularmente com o assunto de sua própria santificação. Ele tem de seguir a pureza pastoral, em uma medida sempre crescente. Essa é a razão por que este assunto é tão vital.
Temos de abordá-lo volvendo nossa atenção à incumbência que o apóstolo Paulo deu a Timóteo: “Exorto-te, perante Deus, que preserva a vida de todas as coisas, e perante Cristo Jesus, que diante de Pôncio Pilatos, fez a boa confissão, que guardes o mandato imaculado, irrepreensível, até à manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo; a qual, em suas épocas determinadas, há de ser revelada pelo bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos Senhores; o único que possui a imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver. A ele honra e poder eterno. Amém!” (1 Tm 6.13-16)
Nossa primeira tarefa consiste em determinar o mandato que Timóteo foi encarregado de guardar “imaculado, irrepreensível, até à manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo”. Uma das normas elementares da interpretação bíblica deveria ser suficiente para nos ajudar nisso, ou seja, a norma do contexto. No contexto desses versículos, a preocupação do apóstolo Paulo se concentrava no fato de que Timóteo, como homem de Deus, tinha de ser notavelmente diferente dos outros por meio de uma piedade caracterizada por contentamento. Enquanto outras pessoas diligenciavam por obter ganhos financeiros, tendo-o como um objetivo de vida (1 Tm 6.9-10), Timóteo deveria seguir a piedade com um coração sincero (1 Tm 6.11-12). Paulo deixou claro que isso não era um aviso opcional, que Timóteo poderia aceitar ou rejeitar, e sim uma ordem que ele deveria obedecer até ao fim. Fazia parte de seus deveres como “homem de Deus”. Por conseguinte, o mandato é que Timóteo deveria seguir a piedade com um coração sincero.
Embora os pastores do Novo Testamento não sejam sacerdotes de maneira tão exclusiva como os sacerdotes do Antigo Testamento, o papel deles na igreja lhes outorga responsabilidades igualmente privilegiadas. Por exemplo, os sacerdotes do Antigo Testamento tinham o encargo do templo, a fim de assegurarem que os padrões bíblicos fossem mantidos na adoração divina. Essa foi a razão por que, no livro de Malaquias, Deus pôs sobre os sacerdotes a culpa pelo declínio da espiritualidade. Essa era também uma responsabilidade dos pastores do Novo Testamento e a razão por que 1 Timóteo foi escrita por Paulo ao seu filho na fé. Paulo disse: “Escrevo-te estas coisas, esperando ir ver-te em breve; para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade” (1 Tm 3.14-15). É responsabilidade dos pastores garantir que a adoração esteja sendo realizada de uma maneira que honre a Deus.
Por que estou estabelecendo esse paralelo? Simplesmente porque, assim como os sacerdotes do Antigo Testamento eram chamados à santidade, isso também é verdade no que se refere aos pastores do Novo Testamento. No Antigo Testamento, os sacerdotes vestiam uma coroa sagrada feita de ouro puro, e nela havia uma inscrição que dizia: “Santidade ao Senhor” (ver Êx 39.30). Além disso, Deus se mostrava tão preocupado com a santidade, que não permitiu aos levitas que caíram na idolatria voltarem a servi-Lo, conforme faziam antes de servirem os ídolos. Através de Ezequiel, Deus afirmou: “Os levitas, porém, que se apartaram para longe de mim, quando Israel andava errado, que andavam transviados, desviados de mim, para irem atrás dos seus ídolos, bem levarão sobre si a sua iniqüidade. Contudo, eles servirão no meu santuário como guardas nas portas do templo e ministros dele; eles imolarão o holocausto e o sacrifício para o povo e estarão perante este para lhe servir. Porque lhe ministraram diante dos seus ídolos e serviram à casa de Israel de tropeço de maldade; por isso, levantando a mão, jurei a respeito deles, diz o Senhor Deus, que eles levarão sobre si a sua iniqüidade. Não se chegarão a mim, para me servirem no sacerdócio, nem se chegarão a nenhuma de todas as minhas coisas sagradas, que são santíssimas, mas levarão sobre si a sua vergonha e as suas abominações que cometeram. Contudo, eu os encarregarei da guarda do templo, e de todo o serviço, e de tudo o que se fizer nele. Mas os sacerdotes levitas, os filhos de Zadoque, que cumpriram as prescrições do meu santuário, quando os filhos de Israel se extraviaram de mim, eles se chegarão a mim, para me servirem, e estarão diante de mim, para me oferecerem a gordura e o sangue, diz o Senhor Deus. Eles entrarão no meu santuário, e se chegarão à minha mesa, para me servirem, e cumprirão as minhas prescrições” (Ez 44.10-16). Os sacerdotes também eram chamados à inteireza de saúde; o que é simbolizado pelo fato de que seriam excluídos do serviço no altar se tivessem qualquer defeito físico (Lv 21.17). Tudo isso era necessário porque os sacerdotes, mais do que as outras pessoas, eram convidados ao mais íntimo contato possível com o Deus de Israel.
Com certeza, se Deus era tão zeloso a respeito da santidade nos dias em que, em sua maior parte, a adoração consistia de símbolos, e não das próprias realidades, ele tem de ser ainda mais zeloso a respeito da santidade em nossos dias. Portanto, os pastores têm de ser homens de piedade pessoal elevada. Em 1 Timóteo 4.7, Paulo exortou um jovem pastor a exercitar-se na piedade. De maneira semelhante, em 2 Timóteo 2.20-22, ele disse: “Numa grande casa não há somente utensílios de ouro e de prata; há também de madeira e de barro. Alguns, para honra; outros, porém, para desonra. Assim, pois, se alguém a si mesmo se purificar destes erros, será utensílio para honra, santificado e útil ao seu possuidor, estando preparado para toda boa obra. Foge, outrossim, das paixões da mocidade. Segue a justiça, a fé, o amor e a paz com os que, de coração puro, invocam o Senhor”. Qualquer pessoa que lê essas palavras logo perceberá que o ofício do pastor é principalmente uma chamada à santidade. Isso não acontece apenas para ser aceito diante de Deus, mas também porque o ministério pastoral possui tal natureza, ou seja, nosso poder espiritual está vinculado ao nosso andar com Deus. Atanásio disse com muita exatidão: “Você não pode corrigir-nos outros aquilo que em você mesmo se encontra errado”. Falar com um tom de urgência e de unção que não pode ser falsificado exige que cultivemos continuamente a nossa vida interior.
A necessidade de guardar o coração
A primeira responsabilidade no seguir com diligência a piedade é guardar o nosso coração. O homem sábio falou muito bem, quando disse: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Pv 4.23). O coração do pastor é o âmago do seu ministério. Estejam certos disto: “A boca fala do que está cheio o coração”. Manter puros os olhos, o coração, o espírito e a consciência é o futuro do ministério de um servo de Cristo. Portanto, acautelem-se dos pecados do coração — orgulho, inveja, ciúme, cobiça, ira, lascívia e preguiça. Não nos admiremos de que a História os tenha apelidado de “os sete pecados mortais”! Muito tempo antes de uma pessoa arruinar de maneira visível a sua vida, ela permitiu que seu coração se tornasse uma habitação para o pecado. Novamente, dizemos: “Guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida”.
Essa é a grande batalha que você estará sempre enfrentando em sua vida e seu ministério. Todos nós podemos fugir do adultério e do roubo. Mas quantos ministros do evangelho têm reduzido os seus ministérios a espetáculos egocêntricos que não têm absolutamente nada relacionado com a glória de Deus? Quantos homens com ministérios antes poderosos foram destruídos, porque invejaram os ministérios de outros? Quantos pastores bons foram levados, pela inveja, a praticar aquilo que os chineses chamam de “matar uma mosca na testa de um amigo utilizando uma machadinha”? E o que podemos dizer a respeito daqueles olhos que não conseguem olhar uma pessoa do sexo oposto, sem pensar na cama? Quantos pastores estão agora trabalhando fora da vontade de Deus, porque almejaram um ministério mais lucrativo? A lista é interminável. Irmãos, esses são os pecados que matam a espiritualidade e o poder de nosso ministério, antes mesmo de quaisquer pecados se tornarem visíveis ao nosso povo. Não há dúvida de que, para manter seu ministério vivo e estimulado, ano após ano, você tem de treinar a si mesmo em uma vida de piedade.
Alcançando e mantendo a devoção
Uma pergunta importante precisa ser feita: como podemos seguir essa devoção sincera? Devemos nos lembrar que a verdadeira piedade nunca resulta simplesmente da resolução. Também precisa haver ação. Ora, enquanto os meios públicos da graça (tais como os cultos na igreja) podem trazer muitos benefícios para os outros crentes, os pastores têm de depender muito mais dos meios particulares da graça. Isso acontece porque, com freqüência, nós, os pastores, ficamos tão preocupados com os detalhes dos cultos em nossas igrejas, que perdemos de vista o benefício da exortação: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus”. Por conseguinte, para nós, a devoçãosincera terá de ser o fruto de uma alma que se retira para leitura bíblica, oração, meditação e utiliza outros meios particulares da graça. Sempre racionalizamos nossa ausência nesses exercícios que purificam a alma, utilizando nossos deveres como desculpas. E, com certeza, às vezes isso será inevitável. Mas, quando isso estiver acontecendo semana após semana, você estará em declínio, matando a vida interior de seu ministério. Deus nunca tencionou que fosse assim. Se o seu lugar de intimidade com Deus tem estado vazio por algum tempo, então, retorne o mais rápido possível aos seus exercícios devocionais! É no lugar de oração secreta que as verdades do homem de Deus se entretecem nas fibras de seu próprio ser. Ali, os assuntos concernentes à graça divina são mantidos em frescor. É para a sua própria ruína que você abandona o lugar secreto de oração.
Os inimigos da devoção
Sejamos honestos neste assunto. A razão por que muitos de nós falhamos em manter exercícios particulares disciplinados, para a nossa alma, não é o ignorarmos sua importância, e sim a falta de perseverarmos neles. Qualquer pessoa pode participar de uma corrida de cem metros, porque é uma distância curta; tudo o que precisa é dar o melhor de si e, antes que perceba, já alcançou a faixa de chegada. A maratona, porém, é bem diferente. Ela exige perseverança porque o percurso é muito longo. É na perseverança que se encontra a dificuldade no ministério pastoral. Muitos pastores começam bem, mas falham no meio do caminho, porque o percurso é longo. Essa era a preocupação de Paulo em relação a Timóteo. Ele desejava que Timóteo persistisse, continuasse, permanecesse na fé e na conduta cristã. Por isso, Paulo lhe disse: “Combate o bom combate da fé. Toma posse da vida eterna, para a qual foste chamado e de que fizeste a boa confissão perante muitas testemunhas. Exorto-te, perante Deus, que preserva a vida de todas as coisas, e perante Cristo Jesus, que, diante de Pôncio Pilatos, fez a boa confissão, que guardes o mandato imaculado, irrepreensível, até à manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Tm 6.12-14). Não basta dar alguns bons golpes no início do combate; você tem de permanecer na luta até ao fim. O mandato tem de ser guardado sem mácula e isento de coisas dignas de repreensão, “até à manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo”. Em outras palavras, até ao fim! No ministério pastoral, a tendência peculiar é a de nos tornarmos cansados e fatigados da devoção particular e dos padrões para a piedade pessoal, no meio do percurso. Pouco a pouco, começamos a andar por lugares que os anjos temem pisar. Você está mantendo a aparência exterior de seu ministério, mas há muito tempo perdeu, em seu íntimo, o poder e o amor que você tinha no início. Irmãos, isso não deve acontecer!
Excluindo a fadiga causada pela luta contra a carne (ou seja, a natureza caída que ainda habita em nós), outra fonte de fadiga é a má influência daqueles para os quais olhamos na obra de Deus. Por isso, se você tem de seguir uma devoção sincera a Deus, no ministério, acautele-se das companhias que mantém em sua vida ministerial. A advertência do apóstolo Paulo se aplica tanto aos membros quanto aos líderes da igreja: “Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes”. O conselho de Paulo a Timóteo a respeito desta questão é vital — “Sabe, porém, isto: nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis, pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo a forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder. Foge também destes” (2 Tm 3.1-5). No ministério pastoral, existem homens que se enquadram nessas descrições. Sempre que estamos na companhia deles, nos retiramos com o sentimento de frieza na alma, por causa da conversa e do comportamento deles. Fuja de tais homens. Faça isso, antes que o câncer deles afete você e se espalhe amplamente em sua alma!
Conclusão
Muitos pastores têm permanecido pouco tempo no ministério, porque não colocaram a devida ênfase neste dever pessoal. Guarde o seu coração, porque ele é a fonte da vida. O apóstolo Paulo certamente percebeu a seriedade dessa advertência, pois a transformou em um mandato a ser cumprido “perante Deus, que preserva a vida de todas as coisas, e perante Cristo Jesus”. Todos nós devemos utilizar os meios disponíveis para realizar este mandato. Falhar em cumpri-lo equivale a falhar em todos os outros aspectos do ministério. Que Deus nos conceda graça para combatermos vitoriosamente o bom combate, desde agora até o dia de nossa morte. Amém!