Era para ser um dia inesquecível. No início de setembro, levamos Barbara de nossa casa, perto da Filadélfia, até a Dickinson College, na cidade de Carlisle, na parte central da Pensilvânia. Eu dirigia, Rose Marie ao meu lado, e Barbara no banco de trás.
Pouco foi dito. A frieza pessoal entre nós três me fez apreciar a beleza do final do verão. Muitas vezes, na parte central da Pensilvânia, o céu de verão é coberto por uma neblina leitosa, uma condição climática abafada que pode se prolongar até setembro. Mas, naquele dia, o céu azul parecia ter sido pintado recentemente. O sol brilhava com calor agradável.
Sob a orientação de Barbara, encontramos o caminho pelas ruas arborizadas de Carlisle até seu dormitório de caloura. “Este é meu dormitório”, disse ela com seu primeiro sinal de entusiasmo do dia. Suspeitei que, no fundo, ela estava nervosa e ansiosa.
Depois de colocar suas malas na entrada do prédio estilo colonial, uma senhora decorosa me informou que estávamos no lugar certo. “Mas”, acrescentou ela com autoridade, “as meninas do primeiro ano não podem ocupar seus quartos antes das cinco da tarde”.
Depois de um apelo meu, ela concordou em permitir que as malas fossem depositadas no quarto da Barbara antes das cinco. A lei falou, mas também cedeu um pouquinho.
Enquanto as malas eram levadas ao quarto, Rose Marie e eu nos apresentamos a um casal distinto que havia acabado de aparecer no hall de entrada. Eles estavam acompanhados por sua filha loira e alta. Todos estavam um pouco inseguros. Como a nossa filha, a garota loira tentava parecer confiante e adulta.
Depois de conversar um pouco, nós três pedimos licença e fomos passear de carro. Finalmente chegamos a uma estrada que levava a uma área parecida com um parque, não distante de Carlisle. A estrada de terra seguia paralela a um riacho tranquilo, assombreado por bordos e carvalhos antigos, decorados aqui e ali por cornisos. Através de aberturas entre as árvores, o sol da tarde se derramava sobre a floresta e formava piscinas de luz dourada brilhante na estrada, nas folhas e na superfície do riacho.
Parei o carro por alguns minutos para apreciar a beleza ao meu redor. Sou do Oregon, por origem, e os oregonianos são observadores. Parte do esnobismo do nosso estado é que nos orgulhamos de ser espectadores, ao contrário dos californianos, que imaginamos ser ativistas que não tiram tempo para apreciar o mundo natural. Naquele dia, desci até o riacho e depois caminhei entre os bordos imensos. Lancei algumas pedras no riacho. Que mundo magnífico!
Para mim, a criação de Deus é um lembrete contínuo para manter os problemas humanos na perspectiva correta, e encorajo outros a fazerem o mesmo. Mas naquele dia ninguém estava ouvindo. Os tempos antigos haviam passado. Ninguém queria ouvir sobre a graça da luz sobre as trevas ou escutar o som do riacho. Somente eu apreciava a natureza, somente eu dava atenção a esses sentimentos. Sem dúvida nenhuma, Rose Marie e Barbara pensavam que eu estava sendo uma Pollyanna. Provavelmente eu estava. Pois, embora soubesse que havia profundas tensões, não vi quão próximas da superfície elas realmente estavam.
Antes de ir para a faculdade, os relacionamentos de Barbara com seus amigos haviam causado conflitos crescentes entre ela e Rose Marie. Eu não ajudei muito ao visitar um de seus amigos e apontar de forma gentil, mas claramente, que o hedonismo daquela pessoa estava atraindo Barbara para um modo de vida destrutivo. Nem meu esforço nem o de Rose Marie produziram qualquer coisa além de mais ressentimento e autocomiseração em Barbara, que agora se sentia revoltada com nossa “perseguição”.
A situação era terrível. Do ponto de vista vantajoso que tenho hoje, sei que teria sido mais sábio se Rose Marie e eu tivéssemos mantido nossas preocupações para nós mesmos. Mas, na época, nós ainda tínhamos pelo menos uma ligeira esperança de que Barbara tivesse apenas escorregado para uma fase temporária e que as sombras logo se desvaneceriam de sua vida. Nós sentíamos que, se qualquer coisa pudesse ser feita para protegê-la da autodestruição, deveríamos fazê-la.
Naquele primeiro dia na faculdade, Barbara estava empenhada em nos enviar uma mensagem veemente, de tão determinada que estava para romper os laços do amor que nos unia. E isso aconteceu quando voltamos para Carlisle e estacionamos em frente ao seu dormitório. Eu nem me lembro do que foi dito. Provavelmente um de nós disse algo que a inflamou, mas, de qualquer forma, ela saiu do carro, bateu a porta com força e caminhou rapidamente para o dormitório sem se despedir.
Fiquei petrificado, com o coração partido e envergonhado. Percebi algo que nunca havia percebido em Barbara antes. Não foi algo que ela tivesse feito, nem mesmo bater a porta, mas toda a mensagem sutil de que ela se envergonhava de nós e do nosso Cristianismo. Suas entonações, sua frieza de atitudes, seu olhar superior — todas essas coisas me tornaram consciente de que ela estava nos dizendo: “Deixem-me em paz. Eu não gosto do seu estilo de vida e não quero ficar perto de vocês”.
Essa despedida foi muito mais difícil de lidar do que a porta batida em Cuernavaca. Em nosso caminho de volta para Jenkintown, Rose Marie e eu concordamos que havíamos sido alvos de um golpe devastador. Nossos cinco filhos — Roseann, Ruth, Paul, Barbara e Keren — nasceram nessa ordem. Como a mais nova dos primeiros quatro, e cinco anos mais velha do que Keren, Barbara sempre foi parte de um grupo familiar intensamente leal. Agora, Rose Marie e eu sentíamos que estávamos experimentando uma amputação, um corte violento de parte da nossa carne. E o rompimento não havia sido limpo – embora certamente tenha sido completo.
Eu estava irado e envergonhado. Pela primeira vez, estava preparado para admitir que fora ferido. Meus sentimentos clamavam: “Ingrata! Você não quer nada conosco! Bom, por que eu deveria querer qualquer coisa com você?”.
Esta era uma boa pergunta: “por que eu teria qualquer coisa mais a ver com Barbara?”. Teria sido completamente natural para mim rejeitá-la, guardar rancor ou me lançar à autopiedade. Nos meses seguintes, Barbara deixou cada vez mais claro que ela estava trancando a porta entre sua vida e a nossa, e jogando a chave fora. Ela começou a namorar um rapaz não cristão que claramente não simpatizava com nossos valores, e finalmente nos disse que havia feito uma profissão de fé falsa na Mechanicsville Chapel. Ela nunca fora cristã. Barbara renunciou à sua membresia na igreja e anunciou que finalmente era uma pessoa feliz e realizada.
Em meu torpor, me perguntei o que deveria aprender de Deus. Eu sabia que não devia rejeitar Barbara, e a tentação de fazê-lo logo se dissipou. Mas, o que deveria fazer agora? Por um lado, não havia muito o que pudesse fazer. Eu duvidava se uma chamada telefônica seria bem recebida.
Mas uma ideia me ocorreu, uma ideia que me forçou a um autoexame saudável. Era simplesmente isto: eu amava Barbara como ela realmente era — ou eu somente amava a minha ideia de Barbara? Eu sabia, por causa do meu próprio curso em aconselhamento, que membros da família muitas vezes não se amam por quem realmente são. Eles amam o ideal que criaram do outro. Eu sabia também que o amor que vem de Deus é mais resistente e lúcido. Ele ama as pessoas como elas realmente são. O amor de Deus é honesto a respeito das pessoas enquanto as segura firme até que as transforme.
Gradualmente, entendi que era desse tipo de amor honesto que eu precisava. Depois de tanto desgaste mútuo, não ficou imediatamente claro como alcançar esse tipo de amor, mas foi um ótimo progresso ver que era disso que eu precisava. E eu sabia que Deus o daria a mim se eu realmente procurasse.
Nos meses seguintes, Rose Marie e eu começamos a dar os nossos primeiros passos cambaleantes exercendo esse tipo de amor semelhante ao de Cristo, amor que é capaz de olhar através da dura carapaça externa e enxergar a pessoa desesperadamente necessitada no interior. Para melhor praticar esse tipo de amor incondicional, nós fizemos três coisas:
1. Nós aceitamos a nova autoidentificação de Barbara. Ela não era cristã e devia ser aceita como tal. Fazer o contrário seria suprimir a verdade e colocar obstáculos a qualquer novo interesse na fé cristã.
2. Nós pedimos perdão a ela por termos agido de forma errada como pais. Barbara nos informou que ela tivera cinco pais durante seu crescimento — Papai, Mamãe, Roseann, Ruth e Paul. Todos nós pedimos perdão por nossas teimosias e atitudes condescendentes para com ela. Ela pareceu ter aceitado os pedidos de perdão.
3. Nós não tentamos mais regular ou controlar seu comportamento. Nós decidimos especificamente não comentar novamente a escolha de amigos dela. Essa última decisão específica precisou de muita graça, que só pode ser alcançada por meio de oração.
O que exatamente nós havíamos feito? Creio que pode ser colocado desta maneira: nós não estávamos apenas desistindo de controlar a vida da Barbara; nós estávamos também reconhecendo que precisávamos desistir dos nossos esforços de exercer influência sobre as escolhas básicas dela. É aí que realmente dói para o pai e a mãe zelosos — recuar, e a luta para fazê-lo pode ser intensa. Por quê? Porque todos os pais dignos do nome de mãe e pai estão absolutamente convencidos de que sabem melhor do que o filho como dirigir sua vida. Mas a pressão dessa convicção frequentemente oprime ou confunde a pessoa que é jovem. Em certo ponto, apesar das atitudes erradas e rebeldes, um jovem adulto compreende corretamente que deve começar a tomar decisões por si mesmo. As tentativas dos pais de exercer influência sobre a vida do filho crescido simplesmente impedem que este chegue à maturidade por meio da exposição aos golpes da vida experimentados fora do ninho dos pais.
Para os pais que são moralmente sensíveis, isso pode ser como uma sentença de morte. Eles podem até mesmo chegar a sentir ódio do filho ou ser consumidos pelo temor de “todas as coisas que podem acontecer” a uma pessoa jovem ingênua. Mas, para cristãos como eu e Rose Marie, esse tipo de morte continha uma ressurreição oculta. Pois essa é a maneira como a fé cristã funciona. Ela possui em si um lado que é o da morte e outro, que é o da ressurreição. Foi morte para os nossos sonhos quando Barbara se identificou como não cristã; foi outra morte admitir que ela havia recebido instrução demais de Rose Marie, dos três filhos mais velhos e de mim; e foi a morte máxima reconhecer que nós não podíamos mais, nem deveríamos, tentar influenciar suas escolhas. Mas com aquela sentença de morte, nós estávamos sendo progressivamente libertos para conhecer a Deus como o “Deus que ressuscita os mortos” (2Co 1.9). No próximo capítulo, essa ressurreição começa a acontecer.
Barbara
Com alívio, mas também com temor, saudei meu pequeno quarto do dormitório na Dickinson College, que tinha aparência estéril. Era mais fácil falar sobre a minha resolução no México de me distanciar da minha família e da comunidade cristã do que praticá-la. Em casa, minha mãe e eu entrávamos em conflito constantemente por questões triviais, mas adjacente a isso havia uma profunda fenda em nosso relacionamento. Eu continuava tentando me distanciar e eles continuavam tentando me deter. Eu esperava que a faculdade fosse o fim do controle deles sobre mim e, consequentemente, o cessar das hostilidades. Eu também estava petrificada com a expectativa de ter de fazer novos amigos. Tinha receio de que ninguém gostasse de mim e estava determinada a não ser prejudicada por qualquer ligação ao cristianismo.
Eu não sabia que meu pai se sentira rejeitado por meu desejo óbvio de livrar-me dele e da mamãe tão depressa quanto possível. Eu havia passado muito tempo com meus pais em novas situações e sabia que a qualquer minuto meu pai poderia começar a testemunhar de Jesus a uma das minhas colegas de quarto. Eu sentia que nem a garota judia rica de Nova Iorque (eu fiquei boquiaberta com seu armário lotado de roupas novas da loja do seu pai) nem a garota sulista quieta e polida (“eu tenho um namorado em Princeton”) se sentiriam confortáveis quando meu pai começasse a dar seu testemunho. Eu sabia que ficaria mortificada. Assim, eu os apressei para fora sem nem pensar em como eles se sentiriam.
Logo que meus pais partiram, comecei a buscar por um novo grupo de amigos. As calouras no Dickinson recebem muita atenção dos garotos veteranos e eu não era exceção. Lembro-me de frequentemente marcar três encontros numa mesma noite. Eu ia jantar com um, a uma festa com outro e então caminhava mais tarde da noite com outro. Eu fumava maconha e bebia regularmente durante a semana. Na maior parte do tempo, eu ia dormir tão tarde que tinha dificuldade em acordar na manhã seguinte para trabalhar no refeitório. Muitas vezes, meus amigos riam quando eu servia ovos mexidos enquanto ainda estava entorpecida de sono.
Os trabalhos escolares não eram minha prioridade. Na maioria das vezes, eu encontrava minha melhor amiga, Sally, antes da aula das dez, para tomar café e comer donuts. Invariavelmente, uma de nós sugeria matar aula e passear no carro laranja dela. Depois de certa argumentação, a outra concordava e nós saíamos pelas ruas de Carlisle ou em alta velocidade pelas lindas estradas do interior.
Ainda assim, embora eu parecesse não me importar com nada nessa vida, havia algo que me incomodava. As mentiras e enganos que eu pensei ter deixado para trás na Filadelfia acabaram se revelando uma parcela fundamental da minha personalidade. Eu mentia para meus novos amigos para parecer mais experiente e divertida do que eu realmente era. Minha consciência, a qual eu tentava ignorar, aflorava nos piores momentos. Certa vez eu estava em uma “festa do pijama” na casa de uma pessoa cujos pais estavam convenientemente ausentes. Nós todos estávamos drogados e nos deitamos no tapete oriental da enorme sala de estar, rindo e sendo patetas. Mas, mais tarde naquela noite, tive uma experiência de medo intenso e comecei a gritar por meu pai. Fiquei a maior parte da noite sentada na minha cama e tremendo. De manhã, ignorei o acontecido como se tivesse sido uma reação da maconha. Eu não queria que nada modificasse minha ideia do que era ser feliz. Qualquer coisa que contradissesse isso, eu simplesmente despejava para fora da minha mente. Eu estava resoluta em provar a mim mesma e aos meus pais que a minha decisão de deixar o cristianismo havia me tornado feliz.
Embora eu não percebesse isso naquele momento, havia uma ironia em minha vida naquela época. Eu não era mais uma não cristã infeliz fingindo ser uma cristã feliz. Agora eu fingia ser feliz ainda que, no fundo, eu tivesse todos os mesmos temores e inseguranças com os quais tinha lutado durante toda a minha vida. De fato, eu havia meramente trocado um conjunto de mentiras por outro.

Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Filhos desviados, de C. John Miller e Barbara Miller Juliani, Editora Fiel (em breve).
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