O trecho abaixo foi retirado com permissão do livro O Rei crucificado, de Jeremy R. Treat, Editora Fiel
A realeza de Cristo na Cruz
Jesus foi declarado Rei em seu nascimento (Mt 2.2); ungido como Rei e capacitado pelo Espírito para sua missão régia em seu batismo (Mt 3.13-17); reconhecido como Rei, em seu ministério, por seus discípulos (Jo 1.49; 6.15) e por seus inimigos (Jo 19.14), o que ele mesmo disse a seu respeito (Lc 23.2); e finalmente entrou em Jerusalém para morrer na cruz com a aclamação: “Eis aí te vem o teu Rei” (Mt 21.5). Durante seu julgamento, Jesus falou do “meu reino” (Jo 18.36); recebeu uma coroa de espinhos (Jo 19.2); e foi apresentado para crucificação com o anúncio: “Eis aqui o vosso rei!” (Jo 19.14). Embora ridicularizado como rei pelos soldados e fariseus, o sinal acima de sua cabeça — “O Rei dos Judeus” (Mc 15.26) ironicamente expressava uma verdade reconhecida pelo criminoso ao seu lado (Lc 23.42) e pelo centurião diante da cruz (Mc 15.39). Jesus ressuscitou dos mortos, sendo declarado Rei de uma criação caída (Rm 1.3-4) e inaugurando seu reino como as primícias da nova criação (1Co 15.20-25). Ele subiu ao céu, onde se sentou à direita de Deus, demonstrando a conclusão de sua tarefa terrena (Sl 110.1; Hb 10.11-12) e continuando seu reinado na terra por meio de seu Espírito (At 2.33).
Ao longo de sua encarnação, vida, morte, ressurreição e ascensão, Jesus é Rei. No entanto, há ainda um processo de Jesus se tornar Rei, um desenvolvimento em seu reinado. A fim de explorar ainda mais a realeza de Jesus, duas áreas devem ser abordadas: a distinção entre a realeza divina e a realeza humana de Jesus e o processo do Antigo Testamento de se tornar rei.
Jesus, o Rei
Como o divino Filho de Deus, Jesus é Rei — ontem, hoje e para sempre. “Entronização”, diz Webster, “não pode significar adquirir uma honra ou jurisdição não possuída anteriormente; de fato, o governo régio do Filho não é algum status acidental ou papel externo ao seu ser, antes, é o que ele é: ele é Rei”.1 No entanto, como Deus prometeu a Davi, aquele que estabeleceria o reino seria um Filho de Deus e um descendente de Davi (2Sm 7.12-14). Como um humano, um Segundo Adão, um descendente de Davi, Jesus veio em semelhança de carne pecaminosa com a tarefa de restaurar a vice-gerência humana sobre toda a terra. Portanto, embora Jesus seja Rei como o divino Filho de Deus, sua realeza humana é um processo de estabelecimento do trono de seu Pai assim na terra como no céu. Assim, sua realeza humana está fundamentada em sua realeza divina.
O Antigo Testamento fornece o pano de fundo adequado para o processo de se tornar um rei. Nos tempos bíblicos, tornar-se rei era um processo, cujos pontos altos eram a unção e a entronização (ou estabelecer o trono do rei com vitória).2 No Antigo Testamento, “a unção real é parte do ato mais abrangente de entronização […] com várias partes”.3 A unção, no entanto, “é o mais importante ou o mais distintivo dos atos individuais”.4 A razão pela qual a unção é o ato distintivo no processo de entronização é que ela afeta a identidade do ungido.5 Ser ungido como rei é ser autorizado por Deus como o governante escolhido, provocando uma “mudança de status”6 (altamente significativa para uma discussão sobre os estados de Cristo). No entanto, essa nova identidade como rei tem um propósito, isto é, “uma comissão específica é dada ao rei com sua unção”.7 Em outras palavras, ungir o rei serve ao propósito maior de estabelecer seu reino.
Esse pano de fundo revela várias características da realeza humana de Cristo. Antes de mais nada, o batismo de Jesus é sua unção pública ao reinado. Jesus é declarado o Filho amado de Deus, o ungido de Salmos 2. Embora seu governo seja incompreendido, rejeitado e até escondido, desse ponto em diante Jesus é Rei. Além disso, como no Antigo Testamento, a unção de Jesus para a realeza traz consigo uma comissão. No batismo, Jesus não é apenas declarado o Filho régio de Deus, ele também é capacitado pelo Espírito Santo para realizar sua missão messiânica de estabelecer o reino de Deus (Mc 1.9-11; cf. 2Sm 7.12-14; Sl 2; Is 42.1). Jesus, portanto, aproximou-se da cruz como Rei buscando estabelecer seu reino. Como Horton diz: “Jesus abraçou a cruz exatamente como um rei abraça um cetro”.8 Embora Jesus seja Rei antes da cruz, ainda resta algo a ser feito em relação a sua realeza. Como o Segundo Adão, enviado para restaurar o reinado mediador de Deus na terra, Jesus deve destronar o rei injusto da criação caída a fim de estabelecer seu trono sobre a nova criação. Como argumentei acima, a cruz é o momento decisivo em que Jesus estabeleceu o reino de Deus na terra “por causa” e “por meio do sofrimento” (Hb 2.9-10). Concluo, então, como vimos em Marcos, que o batismo de Jesus é sua unção à realeza, e sua crucificação é sua entronização sobre a nova criação.
Em suma, antes da cruz Jesus é Rei em pelo menos dois sentidos: (1) como o divino Filho de Deus em união com o Pai; e (2) como o humano ungido publicamente como Rei em seu batismo. No entanto, antes da cruz, Jesus não é rei nos dois sentidos: (1) ele ainda tem que derrotar definitivamente Satanás e estabelecer o reino de Deus; e (2) ele ainda tem que restaurar a vice-gerência humana. A maneira pela qual propus entender essas diferentes facetas da realeza de Jesus é argumentando que Jesus se aproxima da cruz como Rei buscando estabelecer seu reino. Há uma qualidade “já e ainda não” em sua realeza. Antes da cruz, ele já é Rei, mas ainda não estabeleceu seu reino.
REFERÊNCIA:
1 John Webster, “One who is Son: theological reflections on the exordium to the Epistle to the Hebrews”, in: Richard Bauckham et al., orgs., The Epistle to the Hebrews and Christian theology (Grand Rapids: Eerdmans, 2009), p. 91; cf. p. 82, 92.
2 Veja discussão anterior sobre “estabelecer” o reino, p. 139-140.
3 Franz Hesse, “ָמשׁחַ andָמשַׁחיִ in the Old Testament”, in: TDNT, 9:498.
4 Ibid., 9:498; cf. Tryggve Mettinger, King and Messiah: the civil and sacral legitimation of the Israelite kings (Lund: Gleerup, 1976), p. 185.
5 Ser ungido é ser ungido rei (“e ungiram ali Davi rei”, 2Sm 2.4; 5.3).
6 John Walton; Victor Matthews; Mark Chavalas, orgs., The IVP Bible background commentary: Old Testament (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2000), p. 327; cf. p. 305.
7 Franz Hesse, “ָמשׁחַ andָמשַׁחיִ in the Old Testament”, in: TDNT, 9:499.
8 Michael Horton, Lord and servant: a covenant Christology (Louisville: Westminster John KnoX, 2005), p. 254.
Por: Jeremy Treat. ©️Ministério Fiel. Website: ministeriofiel.com.br. Traduzido com permissão. Fonte: O rei crucificado. Editor e revisor: Renata Gandolfo.