A obediência é mesmo um caminho estreito. A desobediência, por outro lado, tem uma vasta gama de opções. Por sermos como os fariseus, nós achamos fácil converter a lei de Deus em diversos pecados de omissão. Somos muito melhores em não fazer o que não devemos fazer do que em fazer o que devemos fazer. Assim, nós reduzimos o sabá a todas aquelas coisas que não nos é permitido fazer. Nós trabalhamos para esmiuçar a definição de “trabalho” de modo a nos certificarmos de não o fazermos no sabá. Ao agir assim, como é de costume, nós erramos o alvo. Se tivéssemos de dividir os Dez Mandamentos não entre os deveres para com Deus e os deveres para com os homens, como muitos fazem, mas, em vez disso, se os classificássemos em proibições e ordenanças positivas, o mandamento do sabá estaria entre as ordenanças positivas. Ele diz menos respeito ao que somos proibidos de fazer e mais ao que somos ordenados a fazer.
Primeiro, acredite ou não, o mandamento do sabá nos ordena a trabalhar. “Seis dias trabalharás” não é um interessante prelúdio planejado para meramente apresentar o contexto do mandamento que está por vir. É um mandamento em si mesmo. Nós devemos estar ocupados com o trabalho que está posto diante de nós. Devemos estar avidamente buscando o reino de Deus. Devemos reconhecer que vivemos no “ainda não” do reino. Nem todos os inimigos foram postos debaixo de seus pés ainda. Nós ainda não exercemos completamente o domínio sobre a criação. O reino de Jesus ainda não é universalmente reconhecido. O Breve Catecismo de Westminster pergunta: “Como exerce Cristo as funções de rei?”, e sua resposta é: “Cristo exerce as funções de rei, sujeitando-nos a si mesmo, governando-nos e protegendo-nos, contendo e subjugando todos os seus e os nossos inimigos”. Enquanto reinamos com ele e debaixo da autoridade dele, este é o trabalho a que somos chamados: buscar o seu reino, tornar manifesto o seu domínio.
Segundo, quando o mandamento do sabá passa a tratar do dia de observância, ele não ordena que evitemos trabalhar – é muito mais profundo: somos ordenados a descansar. Nós pensamos estar guardando o mandamento se corajosamente nos recusamos a fazer todo o trabalho que está acumulado e que tira o nosso sono à noite. Ao invés disso, nós estamos pecando. Descansar não é simplesmente cessar de trabalhar; é também cessar de se preocupar. Isso não é fácil. Com efeito, por assim dizer, descansar, especialmente cessar de se preocupar, é um trabalho árduo. É preciso disciplina e firmeza para se livrar de tudo o que nos deixa preocupados.
Nós não estamos sendo bem-sucedidos ainda que nossas preocupações sejam mais piedosas. Isto é, nós não estamos falhando em guardar o sabá apenas quando nos preocupamos com aquela importante reunião de trabalho na segunda-feira, mas também quando nos preocupamos com a nossa persistente falha em mortificar aquele pecado específico que tanto nos perturba. Preocupação é preocupação e isso não tem lugar na nossa celebração no sabá. O Dia do Senhor é um dia festivo e deve ser tratado como tal.
Nós nos alegramos e deixamos de lado nossas preocupações quando chegamos a compreender que o Dia do Senhor é aquele tempo em que deixamos o “ainda não” do reino e entramos no “já”. Não é certo que o elemento definidor da eternidade é a bênção de se aproximar do Deus vivo? Quando nos banqueteamos na Mesa do Senhor, não está ele declarando a sua bênção sobre nós? Não está ele nos abençoando e guardando, fazendo resplandecer o seu rosto sobre nós, tendo misericórdia de nós? Não está ele levantando o seu rosto sobre nós? Não está ele nos dando paz?
Quando nos preocupamos com coisas mais ordinárias, falhamos em atender ao chamado de Jesus, no Sermão do Monte, para deixarmos de lado nossas preocupações e não sermos como os gentios. Somos chamados a, em vez disso, buscar primeiro o reino de Deus e a sua justiça. Quando nos preocupamos com coisas mais espirituais, especialmente com nossos próprios pecados, perdemos de vista o próprio coração de toda a pregação do Dia do Senhor – nós, os que nos arrependemos, somos perdoados em Cristo. Nós, por sua graça soberana, terminamos a nossa busca – já recebemos a sua justiça.
O sabá, então, é shalom, e shalom é sabá. Nós temos descanso porque temos paz. Temos paz porque temos descanso. Temos essas duas coisas porque Jesus é não apenas o Senhor do sabá e o Príncipe da paz, mas é também o nosso Sabá, a nossa Paz.
Há um modo correto de guardar o sabá em nosso contexto. Há uma resposta certa para a questão que nos divide. No final, contudo, seja qual for a posição que tenhamos acerca do sabá – quer creiamos que essa lei foi revogada na nova aliança, quer creiamos que ela foi modificada na nova aliança, quer mantenhamos o ávido compromisso de nossos pais puritanos –, a questão principal diz respeito ao evangelho: estamos nós descansando na obra consumada de Cristo? Aquele que guarda mais fielmente o sabá é, no fim das contas, aquele que guarda mais alegremente o sabá. O sabá, enfim, não é simplesmente algo a ser observado, mas algo a ser celebrado. E nós celebramos não simplesmente um dia longe do trabalho. Nós celebramos a vitória do nosso Rei. Nós estamos cheios de alegria, pois ele venceu o mundo. E nós reinamos com ele.
Nota:
[1] N.E.: Sabá é a transliteração em português do termo em hebraico. Alguns textos usam sábado ou sabbath (transliteração em inglês). Optamos por sabá por ser um termo em português e distinto do dia da semana. Contudo, não se deve confundir com a rainha de Sabá de 1 Reis 10:4.Observação:
Este artigo é parte da série “Sabá: O Debate Incansável”, na qual serão publicados artigos defendendo diferentes posições para que nosso leitor tenha uma compreensão mais abrangente sobre o assunto. Sendo assim, a postagem de uma posição específica não indica o posicionamento oficial deste ministério. Veja a lista de artigos sobre o assunto:
1) Sabá: Definindo o Debate
2) O Sabá do Sétimo Dia
3) O Sabá Puritano
4) O Sabá Luterano
4) O Sabá Realizado
5) Sabá: um Chamado para Descansar em Cristo