segunda-feira, 23 de dezembro
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Santidade: imitação barata

Quando falamos em ser santos, no que, exatamente, estamos procurando nos tornar? Deus nos salvou para sermos santos – entendi. Precisamos ser santos como Deus é santo – confere. Fomos separados para servir a Deus – gostei. Mas com o que a santidade se parece? Vamos procurar retirar isso da estratosfera teológica e trazê-la no nível do chão, onde nós adoramos, trabalhamos e nos divertimos. Vou começar com vários exemplos do que santidade não é.

Santidade Não é Mero Obedecer a Regras

A palavra “mero”, aqui, é de extrema importância. Santidade não é menos do que obedecer mandamentos. Afinal, Jesus não disse “Se vocês me amarem, vocês desistirão de obedecer a regras e religião e farão o que bem entenderem”. Ele disse: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (João 14.15). Assim sendo, gente santa obedece, mas isto não é um simples guardar de normas. Piedade é mais que simples moralidade e escrupulosidade. Os fariseus eram externamente morais, mas o coração deles, frequentemente, estava longe de Deus (Marcos 7.7). Neville Chamberlain foi escrupuloso ao praticar a chamada “política de apaziguamento” com Hitler, mas dificilmente alguém consideraria Chamberlain um dos heróis da história. Não me entenda mal, levando tudo em conta, prefiro ser uma pessoa educada, que planta árvores, paga seus impostos, assiste a filmes proibidos para menores de 14 anos quando chegam nos cinemas, a ser um eremita beberrão que aposta em briga de galo e se veste como se estivesse antiquado para as típicas [1] Feiras da Renascença. Mas santidade vai além de valores de família típicos da classe média.

É simples demais transformar a batalha de fé numa santificação-por-lista-a-ser-ticada. Livrar-se de alguns maus hábitos, desenvolver alguns bons hábitos e está tudo resolvido. Mas uma lista de checagem moral não leva em conta os ídolos do coração. Talvez nem sequer tenha o Evangelho como parte da equação. E, inevitavelmente, espiritualidade baseada em lista de checagem costuma ser altamente seletiva. Por isso você acaba se sentindo bem sucedido quanto à santificação porque conseguiu se manter longe das drogas, perdeu peso, trabalhou no sopão distribuído pela igreja e deixou de usar produtos feitos de isopor. Mas acabou negligenciando a bondade, humildade, alegria e pureza sexual. Deus nem chegou perto de seu coração. Eu provavelmente poderia vender muitos livros se exigisse dos cristãos que lessem a Bíblia duas horas por dia, jogassem fora a televisão, vendessem o que possuem, adotassem três órfãos e fossem viver em comunidade. Nós gostamos dessas listas. Alguns até gostam de ser surrados por coisas assim e aí serem informados sobre o que precisam fazer para se tornarem verdadeiros gigantes espirituais. Esse tipo de exortação pode, a princípio, soar promissora, mas com o tempo se mostra ineficaz. O simples guardar de normas não é a resposta, porque santidade não pode ser reduzida a uma simples e pequena restauração ética.

Santidade Não é Imitação Geracional

Já que sou uma pessoa jovem escrevendo (“tipo”) de forma que desafia gente jovem (entre outros), seria tentador para cristãos mais velhos presumir que este livro diz respeito a quão melhor as coisas costumavam ser. Mas, como Billy Joel cantou (viram só, não sou tão jovem!): “Os bons e velhos tempos não eram sempre bons e o amanhã não é tão ruim como parece”. A busca da santidade não é um esforço quixotesco para recriar os idos dos anos 50, para não dizer os idos de 1590.

É claro que há muito que podemos aprender de gerações que nos antecederam. É comum eu procurar exemplos teológicos ou éticos dentre os Puritanos, os Reformadores ou mesmo na geração de meus avós. Mas aprender dos Puritanos não implica em que tenhamos de falar como eles, vestir como eles, ou abolir o Natal como alguns deles fizeram. Não há atalhos para a santificação ao tentarmos reviver os anos dourados de alguma era longínqua. “Se tão somente as coisas pudessem ser como costumavam ser”. Bom, talvez isso ajude se o padrão de decência sexual for o padrão da sociedade, o padrão público, mas os anos dourados não foram tão dourados assim no que diz respeito ao relacionamento entre as raças. Toda geração tem seus pontos altos como tem seus pontos cegos. Aprender do que foi bom e evitar o que foi ruim requer sabedoria. Mas sim, eu penso que cristãos em geral costumavam estar mais preocupados com santidade pessoal, em certas áreas. Mas será que Deus quer que recriemos o mundo deles ou reintroduzamos toda a restrição acerca do jogar cartas ou de proibições etílicas? Duvido.

Santidade Não É Espiritualidade Genérica

Será que já surgiu uma frase mais competente no contrabandear de confusão doutrinária e frouxidão moral que o chavão “espiritual não religioso”? Dando o desconto, para alguns, isso significa “eu desejo um relacionamento pessoal, transformador de vida com Deus, e não me satisfazer com a simples presença na igreja”. Mas com grande frequência a expressão implica em um desgostar de padrões teológicos, absolutos morais e religião organizada. Ser espiritual no jargão moderno significa estar aberto a mistério e ter interesse em coisas “espirituais” como oração, cura, paz interior e um sentido abstrato de amor.

Verdadeira espiritualidade significa ser transformado pelo Espírito através da comunhão com o Pai e com o Filho. Se você se interessa por espiritualidade, sua prioridade deveria ser crescer em santidade que procede do Espírito. Justiça é o alvo do discipulado cristão. “No mundo cristão contemporâneo, tal afirmativa poderá soar radical”, observa R. C. Sproul. “Muitos têm me abordado acerca de serem éticos, morais, espirituais e até piedosos. Mas ninguém parece estar interessando em falar de justiça”. [2] Ser salvo pela graça convertedora do Espírito, ser selado com a garantia absoluta do Espírito, e ser santificado pelo poder interior do Espírito – é isso que significa ser espiritual.

Santidade Não É “Encontrar Meu Verdadeiro Eu”

Na sociedade ocidental secular, a pessoa verdadeiramente boa é a que aprendeu a ser genuína consigo mesma. Anna Quindlen, por exemplo (que já escreveu para o New York Times e para a revista Newsweek), disse o seguinte a um grupo de formandos:

Cada um de vocês é tão diferente quanto suas digitais. Porque seguirem os outros sem pensar? Nosso apego a esse seguir os outros sem pensar é nossa maior maldição, a fonte de tudo que nos atormenta. É a fonte de toda homofobia, xenofobia, racismo, sexismo, terrorismo, intolerância de toda espécie e matiz, porque nos diz que há uma única forma certa de se fazer as coisas, de se olhar, de se comportar, de sentir, quando a única forma correta de sentir é seu coração reclamando e parar para ouvir o que seus timbales têm a dizer. [3]

Parece que a Quindlen está dando bastante crédito a meu pequeno timbale interior. E se seu timbale for homofóbico, xenofóbico, racista ou sexista? Ou será que todos os seus vícios podem ser atribuídos a seguir os outros sem pensar – afinal, toda gente ruim não segue os outros e toda gente boa não faz o que lhe dá na telha? E se você seguir o conselho de Quindlen e rejeitar a lista de intolerâncias que ela menciona? Será que isso faz de você um perdedor que segue os outros? Você consegue ouvir seus timbales e a paraninfa da turma ao mesmo tempo? Penso ser um credo central do pós-modernismo que você pode marchar ao ritmo de seu próprio timbale, desde que ele toque no compasso do meu.

Mas e se seu bongô estiver em descompasso com o Deus do universo? Estão nos dizendo que existe um lado bom em todos nós. Milhares de filmes têm procurado retratar que o propósito da vida é encontrar seu verdadeiro eu. Aprendemos de incontáveis programas de televisão que nosso mais alto chamamento é acreditar em nossas possibilidades. O mundo insiste em santidade. Não permita que lhe convençam do contrário. Mas a santidade do mundo não se encontra em ser fiel a Deus; encontra-se no ser fiel a si mesmo. E ser fiel a si mesmo invariavelmente significa ser fiel à definição de tolerância e diversidade de outra pessoa.

Santidade Não É O Jeitão do Mundo

Jamais progrediremos em nossa santidade se estivermos aguardando que o mundo festeje nossa piedade. Com certeza, de vez em quando, valores culturais irão se sobrepor a valores bíblicos. No ocidente, racismo explícito não é tolerado. Em países muçulmanos, franze-se a sobrancelha diante do homossexualismo. No chamado Bible Belt norte americano, encoraja-se a frequência à igreja. Mas “mundo” não é outra forma de referir-se às “pessoas que nos rodeiam”. O padrão do “mundo” é o defender tudo que se opõe à vontade de Deus. Na forma mais simples, isso equivale ao texto que fala sobre “a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação dos bens”(1 João 2.16). Ou, em outras palavras, mundanismo é aquilo que faz o pecado parecer normal, e o que é correto parecer estranho. [4] Algumas nações e culturas são melhores que outras, mas em toda sociedade há um princípio de Babilônia que guerreia contra os filhos de Deus (Apocalipse 17-18).

Mundanismo é problema sério. A Bíblia declara que “Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele” (1 João 2.15). Os cristãos costumavam falar sobre mundanismo e temer sua influência rastejadora. Hoje, entretanto, se você fala em se vestir de maneira mundana, ou gastar dinheiro de forma mundana ou buscar entretenimento mundano, tudo que é provável que você ouça é uma risada contida. Mundanismo é aquilo que incomodava nossos avós. Temos um planeta a salvar e não temos tempo para nos preocupar com trivialidades. Nós simplesmente não acreditamos mais que amizade com o mundo é inimizade contra Deus (Tiago 4.4).

Muitos cristãos têm a noção equivocada de que se simplesmente formos cristãos melhores, todos nos aplaudirão. Não percebem que santidade paga um certo pedágio. É claro que podemos nos concentrar nas virtudes que o mundo aprecia. Mas se você levar a sério a verdadeira religião que cuida dos órfãos e promove pureza (Tiago 1.27), você perderá amigos que lutou tanto para conquistar. Tornar-se sacrifício vivo, santo e aceitável a Deus exige que você resista ao mundo que deseja conformá-lo a seu molde (Rm 12.1-2). Guardar-se puro para o casamento, ficar sóbrio numa 6ª feira à noite, abrir mão de uma promoção só para poder continuar frequentando a igreja, recusar-se a dizer palavras parecidas com palavrões, desligar a televisão – esse é o tipo de coisa que o mundo não entende. Não espere que entendam. O mundo não fornece incentivadoras de torcida no caminho da santidade.

Notas:

[1] N.E: Essas feiras temáticas são bem comuns nos Estados Unidos da América.
[2] R. C. Sproul, A Santidade de Deus – A grandeza, a majestade e a glória de Deus (São Paulo, SP: Cultura Cristã, 1997).
[3] Citado em First Things (Agosto/Setembro, 2002): pág. 95
[4] David F. Wells, God in the Wasteland: The Reality of Truth in a World of Fading Dreams (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1994), pág. 29.

 

Fonte: Trecho do Livro “Brecha em Nossa Santidade”, lançamento de março da Editora Fiel.


Autor: Kevin DeYoung

kevin DeYoung é o pastor principal da University Reformed Church, em East Lansing (Michigan). Obteve sua graduação pelo Hope College e seu mestrado em teologia pelo Gordon-Conwell Teological Seminary. É preletor em conferências teológicas e mantém um blog na página do ministério ­ The Gospel Coalition.

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