“Você não quer terminar no lado errado da história”. Esse clichê tem obtido status de prognóstico em nossos dias, embora alguém poderia questionar apropriadamente sua veracidade fundamental. Ele reflete, no entanto, a atitude predominante da cultura ocidental, um pragmatismo que consagra no julgamento da “história” (seja lá o que for que isso signifique neste contexto) o árbitro final da moralidade, bondade e dignidade. Muitas vezes essa frase está sendo usada para instar a igreja para que “progrida” da oposição à homossexualidade ou para incentivar a redefinição do casamento.
Mas esse ditado também capta a atitude geral de uma grande parte da população de ambos os lados do Rio Tibre em relação à Reforma e à batalha contínua sobre as questões que lhe deram nascimento. Não é hora de seguir em frente? Não podemos deixar de lado nossas diferenças por um bem maior? Não somos uma minoria suficientemente pequena agora em meio a um tsunami de secularismo e à maré crescente do Islã? Não temos mais razões para buscarmos unidade do que para permanecermos separados?
Não ousamos desconsiderar o peso que essas questões retóricas têm em muitas congregações e mesmo entre os clérigos. Ao mesmo tempo, devemos reconhecer a nossa responsabilidade como herdeiros da grande luta que foi a Reforma. Podemos trair aqueles que vieram antes de nós? No que implicaria tal traição? Estamos realmente dispostos a afirmar que as grandes e importantes crenças pelas quais eles lutaram não são tão importantes como pensávamos?
A eleição de um novo bispo de Roma em 2013 lançou nova luz sobre o estado dessas questões na mente de muitos que professam ser “evangélicos” e “bíblicos” em sua fé e orientação. Um conhecido líder evangélico comunicou por meio eletrônico aos seus seguidores que devíamos orar para que Deus “orientasse” o processo de seleção de um novo papa. Na maioria dos locais, a objeção de que não há nada remotamente bíblico sobre um “pontífice supremo” que deve ser venerado como “vigário de Cristo na terra” ou “santo padre” encontrou pouca expressão fora daqueles cujos sentimentos mais fortes sobre o assunto são provenientes do preconceito e não da convicção. E uma vez que a seleção foi feita, muitos no campo evangélico expressaram prazer na seleção, por nenhuma outra razão senão que Francisco I tenha parecido significativamente mais, digamos, humano — ou no mínimo menos imperial — do que Bento XVI.
Porém, pouquíssimo da resposta pública foi motivada por um compromisso zeloso, por exemplo, com os solas da Reforma, ou por uma rejeição consciente e fundamentada da soteriologia de Roma em razão de um amor profundamente arraigado na doutrina da justificação pela graça somente, por meio da fé somente.
A Reforma deveria continuar a ocupar um lugar de importância na igreja que enfrenta uma oposição tão grande quanto a que vem do secularismo radical, que odeia o evangelho? Uma frente unida, livre de brigas partidárias, não ajudaria a causa de Cristo? A resposta precisa ser: “É claro que a Reforma continua importante e, de fato, seus esforços devem continuar em nossos dias e também no futuro”.
A razão não é difícil de perceber, ainda que pareça oculta a muitos em nossos dias. Termos maravilhosos e vagos como “a causa de Cristo” muitas vezes escondem a verdade: a causa de Cristo é a glorificação do Deus triúno através da redenção de um povo particular através da obra da cruz de Jesus Cristo, que é uma maneira puritana de dizer: “A causa de Cristo é o evangelho”. Cada uma das ênfases da Reforma, resumidas nos solas, está focada em proteger a integridade e a identidade do próprio evangelho. Sem a inspiração, autoridade, harmonia e suficiência da Escritura, não conhecemos o evangelho (sola Scriptura). Sem a gratuidade da graça e a plenitude da provisão da obra de Cristo, não temos nenhuma mensagem salvífica (sola fide). E assim por diante.
A Reforma lutou numa batalha que cada geração é chamada a lutar simplesmente porque cada geração é formada pelos filhos e filhas caídos de Adão e, portanto, sempre haverá aqueles que buscam diminuir a singular glória de Deus no evangelho por meio da adição da autoridade, mérito e soberania humanos. Não é este o sentido de semper reformanda, a igreja sempre se reformando, sempre buscando ouvir mais claramente e caminhar mais próxima do seu Senhor?
Com o fluxo e refluxo da história humana, as forças armadas contra a igreja e seu Senhor e a frente particular na qual a batalha está mais intensa mudarão. A teologia de Roma evoluiu e seus argumentos foram modificados, mas as questões permanecem as mesmas que eram quando Lutero e Eck lutaram em Leipzig, apenas modificadas e complicadas. O reino de Deus, a depravação do homem e a escravidão ao pecado, e o desejo insaciável dos pecadores de controlar a graça de Deus estarão sempre presentes. E hoje, a suficiência, clareza e autoridade das Escrituras estão na linha de frente, exatamente como estavam naquela época. A necessidade da Reforma terminará quando a igreja já não enfrentar inimigos em seu interior e exterior que buscam distorcer o seu propósito, missão, mensagem e autoridade. Até lá, semper reformanda.
Tradução: Camila Rebeca Teixeira
Revisão: André Aloísio Oliveira da Silva
Original: The Reformation Isn’t Over