quinta-feira, 14 de agosto
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“semper reformanda”! o que isso significa?

Existem muitas frases familiares com as quais todos concordariam. “Seria bom eliminar a pobreza no mundo” é uma que vem à mente. Certamente é interessante que, embora haja acordo sobre o sentimento expresso, muitas vezes há divergências radicais quanto à forma como isso deva ser alcançado. Neste exemplo, alguns poderiam argumentar em prol de maior desregulamentação do comércio internacional, outros pelo aumento de auxílio, e outros por soluções educacionais específicas.

Há também algumas frases que ocorrem no contexto da igreja que são semelhantes em termos de acordo universal. Uma que é robusta e constante nos círculos evangélicos amplamente reformados é esta: “A igreja reformada necessita sempre se reformar”. Quem discordaria desse sentimento? Aparentemente, essa frase parece capturar algo da seriedade bíblica da Reforma. Rejeitá-la pareceria uma declaração complacente, se não positivamente farisaica, da perfeição do status quo. Pareceria também minar aquela ideia mais fundamental dentre as ideias da Reforma: a Igreja deve sempre estar se avaliando pelas Escrituras e, portanto, sempre buscando mudar de maneiras que tornem o seu testemunho mais fiel à revelação de Deus.

Contudo, infelizmente, a frase é um pouco sem conteúdo. Na última década, tornou-se o clamor de grupos influenciados pelo chamado movimento da igreja emergente. Para eles, isso significava que a igreja precisava se empenhar em uma reformulação fundamental, e geralmente contínua, de sua doutrina e, de fato, de sua compreensão do que é a doutrina e de como ela deve operar. Assim, doutrinas como a justificação, a inerrância e até mesmo a ideia das Escrituras somente precisavam ser repensadas no contexto de uma mentalidade pós-moderna.

Podemos dizer que quando usada dessa maneira, a frase “a igreja reformada necessita sempre estar se reformando” era menos um princípio metodológico básico e mais um princípio estético. O que eu quero dizer é isso: vivemos em um mundo onde a ideia de verdade como fixa e estável é impopular e até mesmo considerada perigosa e opressiva por muitos. Em vez disso, as pessoas preferem um mundo onde a verdade está sempre mudando, onde ela é negociável, onde, pode-se dizer, em última análise, ela não faz exigências absolutas a ninguém.

Assim, essa frase tem apelo, pois parece fazer da verdade uma questão de negociação e mudança contínua. Alguns dizem: “A igreja afirma que Jesus é Deus? Bem, isso pode ter sido verdade em Calcedônia em 451, mas precisamos de um modelo diferente para entender isso hoje. A igreja nega a legitimidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo? Novamente, essa ideia pode ter funcionado em uma época em que a homofobia era dominante — na verdade, pode ter ajudado a exatamente manter essa homofobia —, mas precisamos reformar nossa compreensão do casamento e do sexo à luz das necessidades e demandas contemporâneas.” O fluxo, a mudança e a incerteza dominam, e disfarçá-las com a frase “a igreja reformada necessita sempre estar se reformando” dá a essa estética pós-moderna uma aparência ilusoriamente ortodoxa.

De fato, a frase é boa, mas somente quando é entendida como refletindo o princípio bíblico fundamental da Igreja Reformada.

Existem dois fundamentos necessários para compreender o significado apropriado da frase. Primeiramente, a Escritura é a fonte final e autoritativa para a vida e doutrina da igreja. Tudo o que a igreja diz ou faz deve ser consistente com a Palavra de Deus e deve ser regulado pela Palavra de Deus. Uma implicação disso é que tudo o que a igreja diz e faz por causa das inferências extraídas da Escritura deve ser examinado com muito cuidado à luz da Escritura. Há sempre um potencial de aperfeiçoamento, por exemplo.

Por exemplo, no século terceiro, a maioria dos teólogos afirmava alguma forma do que é tecnicamente conhecido como subordinacionismo, a saber, que Cristo não era completamente Deus, e que somente Deus, o Pai, era plenamente Deus. Isso ocorreu apenas durante um período, uma vez que essa ideia foi submetida ao escrutínio bíblico, de modo que as fraquezas dessa perspectiva e as falhas tornaram-se claras e a igreja precisou aperfeiçoar a sua formulação da doutrina de Deus, a fim de excluir essa teologia inadequada. A igreja estava sendo reformada — estava reformando o seu ensino — à luz da Escritura.

 

A Reforma foi, de muitas formas, o maior exemplo disso. A igreja medieval preservou muito do que era verdade: as doutrinas da Trindade e da encarnação são talvez as mais óbvias. Mas o seu ensino sobre a graça, a justificação e os sacramentos (dentre outros) se afastou muito do ensino de Paulo e dos apóstolos. Os reformadores não abandonaram tudo o que a igreja havia ensinado nos séculos anteriores e começaram a reconstruí-la de baixo para cima. Em vez disso, submeteram o ensino da igreja ao escrutínio da Escritura e abandonaram aquelas partes que não se adequavam ao ensino das Escrituras, aperfeiçoaram aquelas partes que careciam de precisão escriturística e mantiveram aquelas partes que eram fiéis à Bíblia.

O segundo fundamento para entender o significado adequado do termo “sempre se reformando” é o conhecimento de que os seres humanos são falíveis — na verdade, não apenas falíveis, mas pecaminosos. Assim, cometemos erros, mesmo quando tentamos interpretar e aplicar a Palavra de Deus. Mais do que isso, como pecadores, temos interesse em interpretar e aplicar a Escritura incorretamente quando isso se adequa aos nossos propósitos egoístas.

Vemos isso o tempo todo. Alguns tentam suavizar o ensino bíblico sobre o pecado, a fim de que se pareçam menos maus. Alguns alteram o ensino da Bíblia sobre a natureza penal da morte de Cristo, a fim de evitar o fato terrível de que Deus está irado contra o pecado.

Talvez possamos trazer isso para “mais perto de casa”: as igrejas reformadas, às vezes, usam as Escrituras para justificar coisas como o racismo (por exemplo, nos Estados Unidos e na África do Sul). O ponto é que todos nós, como pecadores, somos vulneráveis ??a usar a Palavra de Deus de maneira pecaminosa e, portanto, precisamos sempre “ser reformados” à luz da Escritura. Assim, a igreja precisa estar constantemente vigilante e demonstrar na prática aquele espírito bereano de examinar as Escrituras para ver se as coisas que a igreja ensina realmente são assim (Atos 17.10-11). Isso é o que significa “sempre se reformando”: sempre retornando às Escrituras para examinar o testemunho da igreja à luz do que as Escrituras ensinam.

Quando comparamos os dois modos pelos quais a frase é usada, a diferença é clara. No primeiro uso — o da igreja emergente e dos pós-modernos — a suposição é que a verdade é flexível, que depende do contexto e das circunstâncias, tão maleável e adaptável quanto o contexto social no qual ela é encontrada. Se for assim, é realmente difícil determinar o que constituiria um erro, pois a verdade é tão indefinida que é inexistente de acordo com qualquer compreensão tradicional de verdade. Talvez o erro seja simplesmente o que não funciona em uma circunstância particular. A chave para a reforma é encontrar o que funciona. Isso certamente explicaria a direção mística e pragmática que a igreja emergente acabou tomando.

No último uso, o pressuposto é que, para emprestar uma frase, “a verdade está lá fora” nas Escrituras e é realmente acessível. Sim, os seres humanos podem cometer erros de interpretação por causa da incompetência intelectual e moral, mas são erros precisamente porque a Escritura contém a verdade, e tem um significado fixo e verdadeiro contra o qual o erro pode ser julgado. Deus falou, sua Palavra é a verdade, e é responsabilidade da igreja regular a sua fala à luz da fala de Deus. Isso é reforma contínua. O verdadeiro significado da frase é que nós somos constantemente chamados a voltar à Escritura como o fundamento autoritativo final sobre o qual devemos edificar a nossa teologia e a nossa prática.

 

Tradução: Camila Rebeca Teixeira

Revisão: André Aloísio Oliveira da Silva

Original: What Semper Reformanda Is and Isn’t


Autor: Carl Trueman

Carl R. Trueman é teólogo cristão, historiador da igreja e professor de Teologia Histórica e História da Igreja, ocupando a cadeira dessa matéria no Westminster Theological Seminary. Trueman estudou na St Catharine's College, Cambridge, e na University of Aberdeen. Antes de ensinar no seminário de Westminster, Trueman foi professor de Teologia na Universidade de Nottingham de 1993 a 1998, e professor de História da Igreja na Universidade de Aberdeen entre 1998 e 2001. Foi editor de Themelios de 1998 a 2007, e é membro conselheiro da Alliance of Confessing Evangelicals.

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