Em que situações você luta com o sexo? É semelhante ao que acontece com a ira, a autojustiça e a ansiedade; de uma ou outra forma somos todos desviados. Algumas formas de desvios e distorções sexuais parecem apenas um pequeno passo além do normal. Olhos que vagueiam? Atração romântica e obsessão cega? Um calafrio cauteloso na presença de uma pessoa flertadora, agressiva ou levemente exibicionista? E as formas mais sérias de desvios e perigos nunca estão muito longe. Quase não conseguimos dar um nome no que algumas pessoas fazem ou no que acontece com algumas pessoas. Teria a sua sexualidade se tornado desligada, distorcida, mal direcionada, enegrecida ou ameaçada?
Os desviados e os feridos
Você já se tornou ativamente desviado? Os pecados sexuais estão entre as coisas tenebrosas que jorram de dentro de nosso coração. Quando Jesus indica claramente uma grande lista de males (Marcos 7.21–23), ele cita uma ampla gama de erros sexuais: imoralidades sexuais, adultérios, comportamento licencioso. Nomeia também outras categorias gerais que podem incluir questões sexuais: maus pensamentos, cobiça, engano, estultícia moral. Esse mesmo Jesus oferece misericórdia de alto preço aos arrependidos. Quando você lava a roupa suja no sangue do Cordeiro, você sai limpinho, sem mancha.
Será que a sua sexualidade foi traída por outra pessoa? As pessoas predadoras violam os outros de modo a causar dor por toda a vida. Jesus condena ferozmente os que vitimizam o inocente: os sedutores, os que usam outras pessoas, os enganadores, os que tratam mal aos outros, abusadores, tentadores (Mateus 18.6–7). Os males influentes podem ser sutis como também severos: vestimenta provocante, falas ou modos sugestivos. Ter sido transgredido pode trazer medo, desgosto e vergonha quanto a todos os aspectos sexuais. Jesus oferece aos aflitos um toque de misericórdia e refúgio seguro. Deus enxugará toda lágrima de nossos olhos. Todo medo, ansiedade e vergonha, um dia não existirão mais.
Ou a sua sexualidade foi duplamente maculada, tanto por seus próprios desejos transgressores quanto pelas aflições e tentações causadas em você pelos outros? Como é o caso da maioria das lutas humanas, frequentemente há uma dança complicada entre o que surge de dentro de nós e aquilo que nos assalta e seduz do lado de fora. Sim, um usuário de pornografia escolhe por sua própria vontade a imoralidade sexual. Mas a inundação de todo dia de estímulos sugestivos e a disponibilidade fácil de imagens eróticas tornam a tentação uma forma de poluição atmosférica. Uma menina ou um menino que foi abusado é vítima inocente da sexualidade traiçoeira e maliciosa de outra pessoa. Mas se essa mesma criança mais tarde se torna adulto promíscuo, ele ou ela é culpado desse comportamento. A vida é complicada. Estamos enredados em realidades perturbadoras. Assim, a graça de Cristo se dispõe a fazer algo mais multifacetado do que simplesmente mudar a culpa nada ambígua e resgatar o não ambiguamente inocente. Com simpatia Jesus entra na totalidade da experiência humana. Ele toca em todos os nossos pecados e em todas as nossas aflições.
As misericórdias de Jesus tornam novas todas as coisas. A sua graça é o mais versátil removedor de manchas. Ele redime tanto o desviado quanto o ferido. A sua sabedoria coloca o sexo em sua perspectiva correta. Ele passa a trabalhar em nós. Ele opera em nós pelo tempo que for necessário. Ele não desiste. Jesus não vai desistir de você.
Onde você se encontra em tudo isso? Na arte luminosa da colcha de retalhos ou no trapo gordurento? Em uma complexa escuridão ou em um jardim de deleites puros? Qual retrato representa melhor a você, e por quê?
Pare e pense nisso por um momento.
Realmente essa não é uma pergunta justa! É provável que você não consiga responder uma coisa ou outra, porque provavelmente você se encontra em algum lugar no meio, como eu. Somos pessoas em processo. Isso é importante. Este livro trata de identificar onde nós estamos. Trata de saber para onde estamos nos dirigindo. E, sobre pedir ajuda. Preocupa-se em ajudá-lo a dar passos adiante, na direção certa. Este livro não é sobre perfeição. Mas, é sobre tornar em novo, sobre restaurar as alegrias aos alquebrados e lavar aqueles que estão sujos. Em outras palavras, trata do processo que se desdobra em tornar-nos sábios e amorosos. Trata de andar numa trajetória que se afasta das trevas e vai em direção à luz.
Portanto, este livro é sobre você na sua jornada para o jardim de luz.
Existe um caminho melhor
Reconheço, claro, que muitas pessoas ainda não estão nessa jornada que descrevo. E, a coisa mais fácil é nos envolvermos voluntariamente na lama da escuridão sexual. O que Deus chama de “mal” as pessoas que decidem transgredir chamam de “bem”, tanto para tranquilizar a sua consciência quanto para convencer a outras pessoas. O que Deus mostra como sendo escravidão, elas exaltam como se fosse liberdade. Pessoas que defendem fazer o que é errado provavelmente não terão pegado este livro ou continuado a ler até aqui. Elas não estão pedindo ajuda, não procuram o perdão nem querem ser transformadas em algo que é correto. Seu estilo de vida escolhido e questão de preferência pessoal e convicção declarada.
Mas, se você estiver emaranhado voluntariamente em pecados sexuais e leu até aqui, tenho minhas suspeitas de que é porque uma calma voz está lhe dizendo: “Deve haver um caminho melhor. Algo está errado com o modo de vida que estou levando”. Espero que você continue lendo. Espero que você descubra que aquilo que você quer para si mesmo começa a mudar, que você comece a ver as coisas sob outra luz, uma luz diferente, e que a aparente liberdade de ser quem você é, na verdade é uma escravidão e autodestruição. Espero que você veja que as coisas que “todo mundo faz” não devem ser feitas, e aquilo que lhe parece uma identidade para ser orgulhosamente afirmada é uma falsidade para se rejeitar. Existe um caminho melhor.
Em sua misericórdia, Jesus Cristo atrai para si os transgressores. Deus vê as nossas escolhas instintivas e opiniões próprias como sendo erradas.
Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que fazem da escuridade luz e da luz, escuridade; põem o amargo por doce e o doce, por amargo!
Ai dos que são sábios a seus próprios olhos e prudentes em seu próprio conceito! (Isaías 5.20-21)
Isso não trata apenas de sexo. Fala sobre tudo que é importante, incluindo o sexo. Eis a realidade de base: “Assim, pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus” (Romanos 14.12). Deus e mais do que justo — ele também é misericordioso. Na verdade, é justo dizer que Jesus Cristo em sua misericórdia é injusto! “Não nos trata segundo os nossos pecados, nem nos retribui consoante as nossas iniquidades” (Salmos 103.10). O Filho de Deus veio ao mundo para salvar os pecadores. Você não precisa ter medo de dizer a verdade sobre si mesmo. Ele já sabe. Ele veio suportar nossos desvios e nossas angústias para que voltássemos para ele, encontrando nele nova vida cheia de bondade.
As vítimas, também, não estão automaticamente numa jornada de renovação como a que estou descrevendo. Em sua misericórdia, Jesus atrai aqueles que foram sofridamente prejudicados. As vítimas de traição e ataques muitas vezes estão atoladas em uma espécie diferente de escuridão sexual. Presas em um mundo de ameaças, vergonha e desespero; elas não sabem para onde ir nem como prosseguir. Elas desconhecem um jardim de vida protegido por dentro da treliça. Elas não conseguem imaginar um lugar tão bom assim. Ignoram que haja uma identidade mais verdadeira e muito melhor do que a de ser apenas “sobrevivente”; que existe segurança mais verdadeira do que os limites autoimpostos; que tentar reconstruir a vida com autoconfiança, autoafirmação, autoproteção, e autoassertividade não é o jeito de recuperar-se do desespero da violação traumática.
Se isso o descreve e você leu até aqui, presumo que seja porque você não está satisfeito com os diagnósticos que tem recebido e as soluções que lhe foram oferecidas. Não conduzem você o suficientemente longe. Não são verdadeiros o suficiente. Não trazem luz suficiente. Espero que você continue a ler. Quando Jesus diz: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mateus 11.28), ele fala sério.
Portanto, Jesus convida tanto os sexualmente imorais quanto os que foram sexualmente traídos a vir em sua direção. Existe um mistério no coração de todos nós que o buscamos. Jesus disse: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora… Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer… E serão todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a mim” (João 6.37, 44, 45). Há um mistério por trás do que começamos a ver e do porque começamos a enxergar sob uma luz diferente.
Mas pode ter certeza de uma coisa: se você o buscar, ele será encontrado. Ele está chamando por você.
Andando à luz do dia
Presumo que a maioria dos que leram até aqui estejam em algum lugar dessa jornada, já atraídos pela luz, por mais bruxuleante e distante que ela possa parecer. Não desanime. Nenhuma treva remanescente será tão profunda a ponto de ser imune à luz. Talvez você tenha sido terrivelmente prejudicado sexualmente e tenha vivido um pesadelo. Mas anseia por luz. Esse anseio pela bondade e paz é uma flor de luz que o puxa na direção de maior luz. Kyrie eleison — Senhor, tem misericórdia; tu que saras os quebrantados de coração. Jesus abençoa aqueles que têm fome e sede de ver consertado tudo o que está errado.
Ou, quem sabe você tenha sido ferido sexualmente e passou a viver em uma obscena, nua e crua terra de fantasia. Talvez você se sinta cansado e enfermo, sujo e envergonhado. Uma culpa honesta e um anseio pelo bem anseiam brotar como flores de luz. Os seus pecados causam cada vez menos prazer; eles o afligem cada vez mais. Kyrie eleison — Senhor, tem misericórdia; tu, cujas misericórdias se renovam a cada manhã. Sempre que as pessoas sabem que precisam de ajuda do Salvador, já estão caminhando rumo à luz do dia, e não tropeçam em trevas.
Você está inclinado para a luz? Alguns leitores já terão caminhado longe. Espero que este livro faça justiça tanto ao que você já conseguiu quanto ao que ainda está lutando para conseguir. É uma grande alegria lembrar o que éramos outrora e considerar o que temos nos tornado; é bom saber onde estamos no momento, e ver que Jesus já começou em nós a sua boa obra. Talvez você já tenha prosseguido bastante no bom caminho. Talvez já tenha recebido muita luz no que diz respeito à vida sexual. Talvez o jardim de fiel autocontrole, de prazer fiel e fiel gratidão pelas misericórdias já esteja brotando ou mesmo florescendo em sua vida. Talvez a treliça já esteja colocada no lugar, uma treliça bem-trabalhada de amáveis restrições e proteções. Oh! A alegria plena de esperança de que muito já foi purificado! Gloria in excelsis Deo; glória a Deus nas alturas. Mas eu sei, e você também sabe, que ainda existem manchas sebosas e rachaduras visíveis na tessitura da vida de toda pessoa. Ainda temos de correr essa corrida de renovação.
Um hino contemporâneo tem a seguinte frase: “Em tudo o que faço, eu honro a ti”.1 Quando canto esse hino, penso: “Bem, eu quero honrar-te em tudo o que faço, Senhor, bem sabes, porém, que não é assim que eu faço”. A frase é verdadeira como uma declaração sincera de intenção e sucesso parcial, mas é falsa como uma declaração de fatos realizados com perfeição. Queremos o jardim, mas a sujeira ainda está grudada em nós. Agostinho descreveu de forma memorável sua longa luta contra o traiçoeiro desejo sexual:
Enquanto eu orava a ti, pedindo o dom da castidade, também eu tinha implorado, dá-me castidade e autocontrole, mas por favor, ainda não. Eu temia que me ouvisses e me curasses imediatamente da luxúria mórbida que mais tinha ansiedade por satisfazer do que apagar.[1]
Não é uma luta fácil, porque alguns dos inimigos da luz residem naquilo que mais anima o nosso coração.
Muitos santos menos conhecidos descreveram sua longa luta contra ter sido violado, orando segundo estas frases: “Senhor, livra-me das garras das lembranças e do terror por aquilo que aconteceu. Por quanto tempo terei de me lembrar? Tenho medo de que não me ouças, que não me cures dessa dor e vergonha das quais por tanto tempo tenho desejado ser liberto”. A luta não é fácil, porque alguns dos inimigos da luz residem justamente naquilo que mais aterroriza o nosso coração.
Queremos que a treliça nos proteja, mas entram e saem criaturas sombrias do nosso coração. Quando falamos de algo tão importante e perturbador quanto é o sexo, é imprescindível afirmar que o desejo por luz é o começo do surgimento da luz.
No último dia, tudo será luz. Os impulsos imprevistos não terão mais voz. Os fracassos do passado não serão mais um aguilhão. Os temores serão silenciados. As pessoas perigosas não mais existirão. Mas, no decorrer de nossa caminhada, como funciona essa redenção divina? Como prosseguimos nessa jornada? Nos próximos capítulos, consideraremos muitos aspectos da jornada e luta de fé. Primeiro, precisamos entender a abrangência dos problemas que precisam ser tratados.

O artigo acima é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Fazendo nova todas as coisas: restaurando a esperança para traumas sexuais, de David Powlison, Editora Fiel.
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[1] Agostinho, Conflssões, trad. Maria Boulding (Hyde Park, NY: New City, 1997), 198 (8.17).