Sem dúvida, a pregação do Antigo Testamento passa por uma crise muito difundida hoje; conseqüentemente, a pregação de Cristo com base no Antigo Testamento está na mesma situação. Prega-se cada vez menos sermões a respeito dessa parte da Bíblia, e aqueles que são pregados não parecem exigir o mesmo interesse ou respeito que os sermões do Novo Testamento exigem.
Várias pesquisas têm constatado que apenas 20% dos sermões cristãos dizem respeito ao Antigo Testamento. Michael Duduit, editor da revistaPreaching (Pregação), lamentou o fato de receber “anualmente centenas de manuscritos de sermões de ministros de várias denominações protestantes… e menos de um décimo dos sermões enviados à Preaching se baseia em textos do Antigo Testamento”.1 Os relativamente poucos sermões do Antigo Testamento pregados são, com frequência, tópicos em vez de textuais ou contextuais.
Esse desequilíbrio na dieta espiritual da maioria dos cristãos é uma das principais razões dos problemas espirituais da igreja moderna e do cristão moderno. Uma pergunta desafiadora foi apresentada por Gleason Archer: “Como os pastores cristãos esperam alimentar seu rebanho com uma dieta espiritual balanceada, se negligenciam completamente os 39 livros das Escrituras Sagradas dos quais Cristo e todos os autores do Novo Testamento receberam sua própria nutrição espiritual?”2
Consideraremos brevemente oito razões que estão por trás desse infortúnio.
1. Liberalismo
Em primeiro lugar, o Antigo Testamento tem sido alvo de prolongado e contínuo ataque crítico da parte de eruditos liberais. Isso tem abalado a confiança tanto de pregadores como de ouvintes quanto a essa parte das Escrituras Sagradas.
2. Ignorância
É quase impossível pregar sobre passagens extensas do Antigo Testamento sem um conhecimento do contexto histórico e do ambiente geográfico. Contudo, houve um tempo em que esse conhecimento era difundido em muitas igrejas, mas agora muitos ouvintes sabem pouco ou nada sobre história bíblica, e os pregadores acham difícil torná-la interessante para seus ouvintes.
3. Relevância
Além disso, os detalhes históricos e geográficos parecem distanciar o pregador e o ouvinte da realidade moderna. O fato é que estamos a aproximadamente 6.000 anos do acontecimento mais antigo registrado no Antigo Testamento e a mais de 2.000 anos de seu acontecimento mais recente. Isso abre um “intervalo de relevância” na mente de muitos pregadores e ouvintes da atualidade. Tal situação é intensificada pelo fato de o Novo Testamento deixar claro que muitas práticas do Antigo Testamento acabaram. Então, por que estudá-las?
4. Dispensacionalismo
A teologia dispensacionalista, com sua divisão rígida das Escrituras em eras e métodos de salvação diferentes, tende a relegar o Antigo Testamento a um papel inferior na vida da igreja e do cristão individual. Entretanto, é surpreendente quantos pregadores mesmo nos círculos reformados possuem um dispensacionalismo latente, que se torna óbvio em sua opinião confusa e inconsistente da salvação no Antigo Testamento – contendo idéias que vão desde a salvação por obras, bem como a salvação pela fé nos ritos sacrificiais, até à salvação mediante uma fé geral em Deus acompanhada de uma tentativa sincera de obedecer à sua lei. Essas opiniões legalistas da salvação no Antigo Testamento produzem inevitavelmente menos pregação dessa parte das Escrituras e, certamente, menos pregação de Cristo e da sua graça com base no Antigo Testamento.
5. Prática Ruim
Temos de admitir que uma das razões por que tantas pessoas, até em igrejas reformadas e evangélicas, minimizam a Cristo no Antigo Testamento é que elas têm visto muitos maus exemplos de pregação sobre o Salvador alicerçada em textos do Antigo Testamento – exemplos que expõem toda a prática da proclamação da Palavra ao ridículo justo de um mundo zombeteiro e cínico. Contudo, a prática ruim de alguns não deveria levar à falta de prática de outros.
6. Preguiça
Pregar Cristo com base no Antigo Testamento é mais exigente do que fazê-lo com base no Novo Testamento. Preparar e apresentar sermões do Antigo Testamento centrados em Cristo, de maneira compreensível e atrativa, requer mais trabalho mental e espiritual – especialmente quando não temos prática na arte. Para um pastor ocupado na preparação de dois ou três sermões por semana, os caminhos já bem trilhados do Novo Testamento parecem mais convidativos do que Levítico, 2 Crônicas ou Naum!
7. Falta de Exemplos
Muitos pastores sinceros e dedicados querem pregar sobre textos do Antigo Testamento e sentem-se culpados por sua falha em fazê-lo. Entretanto, quando olham ao seu redor, procurando modelos de pregação que possam seguir, eles encontram poucos homens de cuja prática podem aprender. Então, na falta da prática estimulante, eles procuram princípios de interpretação que lhes ensine a prática; mas isso também está faltando.
8. Credibilidade Acadêmica
Finalmente, existe nos círculos acadêmicos (até entre os reformados e evangélicos) uma tendência de minimizar o lugar do Filho de Deus no Antigo Testamento. Cristo está sendo excluído das muitas passagens do Antigo Testamento, com a aprovação da comunidade erudita. E poucos são bastante corajosos para correr o risco e questionar essa tendência. Pouco nos surpreende o fato de que pregadores se afastam do Antigo Testamento e se dirigem ao Novo Testamento a fim de “encontrar Jesus” e “pregar a Cristo crucificado”.
Então, qual é a solução para essa crise na pregação do Antigo testamento? Como podemos lutar contra essas tendências e até invertê-las? Bem, temos de atacar em todas as frentes. Devemos combater os liberais, ensinar às nossas congregações história e geografia bíblicas, ao mesmo tempo que demonstramos a relevância permanente do Antigo Testamento. Devemos resistir tanto ao dispensacionalismo patente quanto ao latente. Temos de identificar e evitar a prática ruim, embora ela pareça bastante convidativa. Devemos estar dispostos a gastar horas, suor, trabalho árduo e lágrimas, enquanto abrimos essa terra dura e não lavrada. Temos de procurar bons modelos de pregação, valorizá-los e aprender com eles. E, na ausência desses modelos, devemos buscar princípios bíblicos de interpretação que guiem nossa prática. Finalmente, devemos, com fé, manter-nos de pé diante do tanque de guerra da comunidade acadêmica e recusar-nos a deixá-los tirar Cristo do Antigo Testamento.
No entanto, o primeiro passo é estabelecer um alicerce forte de pressuposições bíblicas para apoiar todos os nossos sermões do Antigo Testamento. E devemos começar voltando-nos ao Novo Testamento. Ora, talvez pareça estranho começar um artigo sobre “Pregando a Cristo com base no Antigo Testamento” por voltar-nos ao Novo Testamento. Entretanto, começar com o Novo Testamento é o passo mais importante de todos, se queremos pregar corretamente a Cristo com base no Antigo Testamento. Deixar de fazer isso é uma das principais razões, ou talvez a principal razão, por que temos hoje tantos sermões sobre o Antigo Testamento nos quais Cristo não é mencionado.
Muitos vêem Cristo simplesmente como o “ponto final” do Antigo Testamento, o destino do Antigo Testamento. E, de fato, Ele é isso. Contudo, Ele também é o “ponto de partida” do Antigo Testamento, Aquele com quem devemos começar quando analisamos o Antigo Testamento. Com isso, estamos dizendo que devemos começar com o ponto de vista de Cristo sobre o Antigo Testamento. Neste artigo, seguiremos o seu exemplo por considerarmos as suas palavras na estrada de Emaús (Lc 24.25-32).
O ponto de vista de Cristo sobre o Antigo Testamento
Juntemo-nos aos dois discípulos na estrada de Emaús (Lc 24.25-32) e observemos três pontos:
- Tolice e Ignorância
- Interpretação Plena
- Discernimento da Fé
1. Tolice e Ignorância
Você já deve estar familiarizado com o contexto desse encontro na estrada de Emaús. Cristo foi crucificado numa sexta-feira. No domingo seguinte, dois homens do seu círculo de discípulos mais amplo decidiram deixar Jerusalém e viajar para Emaús, que ficava a cerca de onze quilômetros de Jerusalém. À media que conversavam “a respeito de todas as coisas sucedidas” (v. 14) e “discutiam, o próprio Jesus se aproximou e ia com eles” (v. 15). Todavia, eles foram impedidos por Deus de reconhecê-lo naquele momento (v. 16). Jesus observou a postura deprimida e o rosto entristecido deles e perguntou-lhes qual era a causa de sua tristeza (v. 17). Eles prosseguiram fazendo um relato sobre a vida e o caráter de Cristo (v. 19), os seus sofrimentos e a sua morte (v. 20), o conseqüente desapontamento deles com Jesus (v. 21) e, devido à falta de evidências físicas, o ceticismo deles quanto aos rumores de uma ressurreição (v. 21).
Havendo escutado pacientemente a história deles até esse ponto, Cristo interveio com uma repreensão da ignorância e da descrença deles: “Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória?” (Lc 24.25-26). Jesus lhes disse que o relato deles sobre a vida e a morte de Cristo igualava-se exatamente às predições dos profetas do Antigo Testamento. Eles acreditavam em alguns escritos dos profetas – as partes que falavam da glória do Messias. Entretanto, não acreditavam em tudo que os profetas haviam falado – especialmente, os trechos referentes aos sofrimentos e à morte do Messias. Portanto, Jesus os repreendeu por sua tolice e ignorância. A palavra grega traduzida por “néscio” é anoetos, denotando um indivíduo que vê coisas a partir de um ponto de vista distorcido. Em seguida, Jesus passou a expor o ponto de vista divino sobre a sua própria morte, ao mostrar, com base nas Escrituras do Antigo Testamento, que o Messias tinha de sofrer tais coisas e, somente depois disso, entrar em sua glória.
Quanta tolice – acreditar apenas numa parte do que Deus revelou pelos profetas! Quanta ignorância – desconhecer a necessidade dos sofrimentos do Messias, apesar de tudo que foi revelado no Antigo Testamento! Matthew Henry disse:
Jesus não os culpa tanto pela lentidão deles em acreditar no testemunho das mulheres e dos anjos, como os culpa por aquilo que causava isso: a lentidão deles em acreditar nos profetas; pois, se houvessem dado aos profetas do Antigo Testamento a devida importância e consideração, estariam tão certos da ressurreição de Cristo dentre os mortos naquela manhã (sendo o terceiro dia após sua morte) como estavam certos do nascer do sol.3
Eles esperavam outra redenção gloriosa semelhante à de Êxodo, mas ignoravam o sacrifício do Cordeiro Pascal que precedeu aquela redenção. Esperavam o glorioso e final reino davídico, mas ignoravam a perseguição homicida sofrida por Davi que precedeu o reino. Esperavam o rei profetizado em Isaías 53.12, que seria vitorioso e repartiria os despojos com os poderosos, mas haviam esquecido o Servo que sofreria e levaria o pecado, em precedência a essa vitória.
2. Interpretação Plena
Havendo repreendido a tolice e a ignorância dos dois discípulos, Cristo lhes deu uma interpretação completa do Antigo Testamento à luz dos acontecimentos recentes. Observe isso! É absolutamente decisivo. Cristo usou a luz do Novo Testamento para interpretar as Escrituras do Antigo Testamento. Em outras palavras, contrariando muitas das teorias humanistas da hermenêutica e da homilética moderna, Cristo viu a si mesmo no Antigo Testamento. Ele usou a luz dos acontecimentos do Novo Testamento para pregar sobre o Antigo Testamento. Veremos isso em detalhes.
O sermão que Cristo apresentou nessa ocasião, com base no Antigo Testamento, poderia ser intitulado Fatos Concernentes a Ele Mesmo. Tinha dois pontos principais: os sofrimentos de Cristo e a glória de Cristo. Nesses pontos, observe três estágios de desenvolvimento: “Começando por Moisés”, Ele discorreu por “todos os profetas” e expôs “todas as Escrituras” (v. 27). Um pouco depois (v. 44), Lucas mencionou um incidente semelhante em que Cristo interpretou o Antigo Testamento com o benefício da luz do Novo Testamento, usando mais uma vez esses três estágios.
Entretanto, retornemos aos dois pontos principais deste sermão em que Cristo prega Fatos Concernentes a Ele Mesmo com base no Antigo Testamento – seus sofrimentos e sua glória. Como amaríamos ter esse sermão preservado para nós nas Escrituras! Que textos específicos Ele aplicou a si mesmo? Que tipos Ele explicou? O texto bíblico não nos diz. Por que o Espírito Santo omitiu deliberadamente esses detalhes? Bem, alguns estudiosos nos dizem que só devemos pregar tipos do Antigo Testamento que são especificamente identificados como tais pelo Novo Testamento. Essa restrição severa e racionalista, criada por homens, teria sido aplicada também a esse incidente, se alguns dos detalhes do sermão de Cristo nos houvessem sido revelados. Seríamos proibidos de pregar com base em qualquer versículo do Antigo Testamento que não tivesse sido especificamente mencionado por Cristo nessa ocasião. Em vez disso, o silêncio permite que a fé medite sobre o possível conteúdo das três partes do Antigo Testamento: a Lei, os Profetas e os Escritos.
a. Os sofrimentos de Cristo
Se houve uma característica suprema do Antigo Testamento, essa foi o sangue – especificamente, o sangue de sacrifícios. As alianças com Adão, Noé, Abraão e Moisés foram todas inauguradas com sangue de sacrifícios. A aliança com Davi foi inaugurada com advertências de derramamento de sangue para os transgressores (2 Sm 7.14). Os ritos e as cerimônias religiosas do Antigo Testamento eram fartas de sangue sacrificial. O tabernáculo e o templo eram ensopados de sangue sacrificial. Se as Escrituras do Antigo Testamento eram proféticas, como realmente eram, quem poderia imaginar que o cumprimento encarnado desses tipos seria sem sangue?
Outro tema de grande importância no Antigo Testamento era o padrão de “sofrimento antes do triunfo” nos seus principais personagens: Noé, Abraão, Jacó, Moisés, Davi, Jonas. Quem vê esse padrão repetido na vida dos santos piedosos do Antigo Testamento, alguns dos quais existiram especificamente como tipos do Messias (por exemplo: Moisés, Davi), e não conclui que a vida do Messias seguiria um padrão semelhante?
Além disso, quantos salmos – o próprio enredo da vida espiritual de Israel – apresentam o ciclo de chorar durante a noite, antes de a alegria vir pela manhã (por exemplo: Salmos 22; 52-60; 69)?
Não admiramos que Cristo tenha perguntado: “Não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória?” (Lc 24.26).
b. A glória de Cristo
Cristo não teve de convencer os discípulos de que o Messias seria glorificado. Contudo, eles diferiam de Jesus em seu ponto de vista sobre o que constituía a “glória”. Não há dúvida de que a glória do Messias foi apresentada no Antigo Testamento por meio de emblemas e símbolos de glória terrena: coroas, cetros, mantos, tronos, oficiais, servos, louvor, poder militar, etc. Não havia nenhuma dessas coisas quando Cristo caminhava na estrada para Emaús. No entanto, Ele sugeriu, conforme lemos no versículo 26, que já havia entrado em “sua glória”. Portanto, grande parte do sermão de Cristo, nessa ocasião, deve ter envolvido a explicação de realidades espirituais que estavam por trás do simbolismo terreno, a fim de mostrar que seu reino não era “deste mundo”, que sua glória era primariamente espiritual e celestial, que seu trono estava “dentro deles” e suas armas mais poderosas eram a Palavra e o Espírito Santo.
3. Discernimento da Fé
É provável que nenhuma outra viagem tenha se passado tão rápido! Quando parecia que o companheiro de viagem daqueles discípulos estava para separar-se deles, nos limites de Emaús, não nos surpreendemos ao ler que o constrangeram a ficar com eles e continuar o estudo bíblico. Obtendo sucesso em persuadi-lo, sentaram-se para comer. Em seguida, “tomando ele [Jesus] o pão, abençoou-o e, tendo-o partido, lhes deu; então, se lhes abriram os olhos, e o reconheceram; mas ele desapareceu da presença deles” (vv. 30-31). Os discípulos olharam um para o outro, refletiram sobre sua viagem recente e disseram: “Porventura, não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras?” (v. 32). Consideremos os três estágios dessa “ardência espiritual no coração”.
a) Jesus abriu as Escrituras
O que Cristo encontra quando abre a porta de Gênesis; depois, de Êxodo, de Levítico…? Encontra a si mesmo! Matthew Henry disse: “O próprio Jesus Cristo é o melhor expositor das Escrituras, particularmente das Escrituras concernentes a Ele mesmo”.4 Se Ele nos diz que pode ser encontrado desde o primeiro livro das Escrituras, “começando por Moisés”, então, que o encontremos ali. Negar a sua presença nesses livros é fingir ser um exegeta das Escrituras melhor do que Aquele que as inspirou!
Nesse encontro em Emaús, aprendemos os princípios mais fundamentais de interpretação do Antigo Testamento: os acontecimentos anteriores e posteriores a Cristo têm o seu significado nEle. J. C. Ryle salientou isso em seu comentário sobre esses versículos:
Ao ler a Bíblia, devemos ter em nossa mente o firme princípio de que Cristo é o assunto central de todas as Escrituras. Enquanto O mantemos diante de nossos olhos, jamais cometeremos grandes erros em nossa busca por conhecimento espiritual. Se O perdermos de vista, acharemos a Bíblia inteira um livro obscuro e cheio de dificuldades. Jesus Cristo é a chave do conhecimento bíblico.5
Graeme Goldsworthy foi ainda mais incisivo ao escrever:
Quando chegamos a compreender o Novo Testamento à luz do que vem antes, no Antigo Testamento, entendemos que é a revelação mais plena e a palavra final de Deus em Cristo que dão significado a todas as coisas. Cristo e, portanto, o Novo Testamento interpretam o Antigo Testamento.6
O Novo Testamento nos ensina a examinar o Antigo Testamento com olhos cristãos, nos ensina a estudá-lo à luz do evangelho. Goldsworthy prossegue explicando como navegar nessa exegese “para-trás-e-para-frente”:
Não começamos em Gênesis 1 e continuamos para frente até descobrirmos aonde estamos sendo levados. Em vez disso, primeiro vamos a Cristo, e Ele nos direciona a estudar o Antigo Testamento à luz do evangelho. O evangelho interpretará o Antigo Testamento por mostrar-nos seu objetivo e significado. O Antigo Testamento aumentará nossa compreensão do evangelho por mostrar-nos o que Cristo cumpre.7
Desde o nosso ponto de partida com Cristo, movemo-nos para trás e para frente entre os dois Testamentos. Nosso entendimento do evangelho é aprimorado pela nossa compreensão de suas raízes no Antigo Testamento, e, ao mesmo tempo, o evangelho nos mostra o verdadeiro significado do Antigo Testamento. Seria difícil delinear essa inter-relação entre os dois Testamentos em uma teologia bíblica escrita. Contudo, devemos tentar fazer isso por enfatizarmos a Cristo tanto como nosso ponto de partida como o alvo em direção ao qual nos movemos. Cristo é o lugar onde começamos porque nos mostra com o que realmente se preocupa a mensagem revelada do Antigo Testamento.8
Vern Poythress é, também, um forte defensor desse movimento “Novo e Antigo” na interpretação do Antigo Testamento. Ele escreveu:
Se estou certo em pensar que o Novo Testamento completa a história que Deus iniciou no Antigo Testamento, é bastante oportuno que agora eu olhe para trás, à luz da história completa, e veja o que mais posso aprender com sua primeira metade.9
b) Jesus abriu os olhos deles
Os dois discípulos não eram cegos. Eles viram Cristo com seus olhos físicos. Potanto, essa ação de abrir os olhos não significa conceder visão física, e sim visão espiritual. Além de abrir as Escrituras para eles, Cristo abriu-lhes os olhos da fé, que estavam temporariamente fechados.
Esse abrir os olhos parece estar associado com o partir o pão e o dar graças. Embora esses dois homens “do círculo de discípulos mais amplo” provavelmente não estivessem no cenáculo quando a ceia do Senhor foi instituída, talvez os outros discípulos “do círculo mais restrito” lhes falaram sobre a Ceia. De repente, eles perceberam que estavam sentados à Ceia do Senhor, quando Ele partiu o pão. É possível que tenham reconhecido a maneira como Ele se portava à mesa, maneira com a qual estavam familiarizados. Contudo, é mais provável que tenham visto as marcas dos cravos nas mãos do Senhor, quando ele partiu o pão. Não temos certeza. Tudo que sabemos é que agora viam seu companheiro de refeição sob uma luz completamente nova. E isso era obra do Senhor.
c) Jesus abriu o coração deles
Eles não o viram por muito tempo antes de desaparecer. Mas foi tempo suficiente para mudar toda a visão deles quanto ao mundo e ao seu passado recente. Enquanto refletiam sobre os privilégios espirituais desfrutados nas horas recentes, começaram a reconhecer que a fé tivera seu início na estrada e florescera à mesa. Esses sentimentos estranhos, aquele afeto incomum, a empolgação espiritual que sentiram, à medida que Jesus expunha as Escrituras, na estrada, era a fé sendo alimentada, nutrida e despertada de seu estupor. Michael Barrett resumiu isso assim:
O problema era dureza de coração. A necessidade era um estudo cristocêntrico das Escrituras do Antigo Testamento.10
Agora, eles não comparavam mais observações, e sim corações, enquanto reconsideravam o sermão de Cristo na estrada. Seu coração frio fora aquecido. Seu coração sombrio havia sido iluminado. Seu coração embaçado começara a brilhar mais uma vez. Seus planos de passar a noite naquele lugar foram desfeitos. Precisavam contar aos outros, não no dia seguinte, e sim naquela mesma noite. Eles não se preocuparam com a escuridão, com o perigo, com a distância. Retornaram imediatamente a Jerusalém, com o coração ardente, proclamando: “O Senhor ressuscitou!” (Lc 24.34).
Princípios de Interpretação
- Cristo está presente, revelado e deve ser buscado em cada livro do Antigo Testamento, de Gênesis a Malaquias.
- Textos do Antigo Testamento devem ser interpretados pelo acontecimento definitivo do evangelho.
- Cristo é o ponto de partida para a interpretação do Antigo Testamento.
1 Duduit, M. The church’s need for Old Testament preaching. In: Klein, George L. (Ed.). Reclaiming the prophetic mantle. Nashville: Broadman, 1992. p. 10.
2 Archer, G. L. A new look at the Old Testament. Decision, Charlotte, p. 5, Aug. 1972.
3 Henry, M. Commentary on the whole Bible. Iowa: Word Bible Publisher, [19–]. p. 837.
4 Ibid. p. 838.
5 Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas. São José dos Campos, SP: Fiel, 2002. p. 388.
6 Goldsworthy, G. According to plan. Illinois: IVP, 1991. p. 52.
7 Ibid. p. 54-55.
8 Ibid. p. 76.
9 Poythress, V. The shadow of Christ in the law of Moses. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 1991. p. vii.
10 Barrett, M. Beginning at Moses. Greenville: Ambassador-Emerald, 2001. p. vii.
Tradução: Ana Paula Eusébio Pereira
Revisão: Pr. Wellington Ferreira
Do livro: Bright Shadows – Preaching Christ from the Old Testament no Puritan Reformed Journal. Com permissão de PRTS.