O trecho abaixo foi retirado com permissão do livro Deus, tecnologia e a vida cristã, de Tony Reinke, Editora Fiel
Tecnologia em Babel
O projeto foi brilhantemente calculado
A torre que os babelitas tentaram construir era provavelmente um zigurate, uma pilha agigantada de Lego, construída com tijolos cozidos, não com pedras brutas. Seus tijolos eram uma novidade tecnológica. Os tijolos cozidos no fogo têm menos probabilidade de lascar ou rachar. Eles resistem bem, especialmente nas condições climáticas mais adversas. Eles são estáveis, fortes e feitos para durar eras. E os tijolos cozidos foram colados com piche — betume. Hoje apreciamos a riqueza das reservas de petróleo no Oriente Médio. Mas, muito antes que as plataformas de petróleo e perfuratrizes inflamassem a indústria do petróleo e trouxessem riquezas incalculáveis aos herdeiros das terras de Babel, essa mesma terra vazava petróleo bruto na superfície. Era apenas uma questão de tempo até que as profundezas dessas reservas fossem descobertas, perfuradas, sifonadas e despejadas em barris para fornecer energia ao mundo moderno com uma riqueza e um poder que os construtores originais de Babel jamais poderiam ter imaginado. A história do petróleo do Oriente Médio começa aqui, no betume de Babel.
Mas os estudiosos propõem que esse piche foi uma falha de engenharia, uma incompatibilidade, como construir um arranha-céu de vigas de aço, mas conectando essas vigas com fita adesiva em vez de parafusos. Por um lado, os tijolos cozidos simbolizam “permanência e estabilidade”. Mas o piche, somos informados, “dificilmente é uma argamassa adequada”, tão inferior que estamos vendo aqui uma “falha no projeto”, diz um teólogo.
Pelo contrário, penso que o projeto foi brilhantemente calculado. Historicamente, apenas um século e meio separam o dilúvio e Babel. Então o povo de Babel se lembrou da arca de Noé. O dilúvio era de conhecimento público, não muito distante da memória coletiva. Isso significa duas coisas.
Em primeiro lugar, os únicos sobreviventes do dilúvio foram Noé, sua família, dois animais de cada tipo e a própria arca — a conquista tecnológica mais incrível da história da humanidade até aquele momento, uma junção de todas as tecnologias de construção anteriores ao dilúvio — transportada e preservada para uma nova era. A arca ajudou a inspirar os avanços tecnológicos que levariam ao desejado zigurate de Babel. Ela trazia mais proezas de engenharia do que apenas a construção naval (como veremos em breve). Mas a colossal arca por si só deve ter enchido a humanidade de sonhos para a engenharia.
Em segundo lugar, o conhecimento do dilúvio significava que todas as pessoas depois dele sabiam que Deus julgava os pecadores que o rejeitavam e se rebelavam contra sua vontade. Todo mundo sabia. Portanto, se você vai construir uma torre para destronar Deus e se libertar dele, é melhor estar preparado. Preparado para quê? Para o juízo. Preparado para a fúria de Deus cair mais uma vez dos céus em uma inundação catastrófica. Por isso você endurece seus tijolos com fogo e os cola com piche. Você torna sua torre impermeável. E só então você fica no topo do telhado, olha para o céu azul, levanta o punho e diz: “Boa sorte em nos inundar agora!”
Expulsos (de vez)
Toda essa engenharia humana tinha o objetivo de frustrar Deus, ou assim pensavam os babelitas. Obviamente, Deus os julgou. Ele os destronou ao confundir sua única língua e dispersá-los pelo globo. O que é mais uma parte curiosa da história, porque realmente não importa como você chama um tijolo cozido ou um balde de betume. Chame do que você quiser; você consegue continuar construindo. “Traga-me isso”; “Deixe isso aqui”; “Cole com isso”. Você não precisa do vocabulário total de Shakespeare para terminar uma cidade semiconstruída. Você pode se comunicar apontando com seus dedos. Portanto, não é como se Deus tivesse paralisado o trabalho fazendo com que todos usassem diferentes nomenclaturas para betume e tijolo. Algo mais estava acontecendo ali.
Deus avaliou a torre e espalhou os seres humanos pelo globo. Este julgamento trouxe duas mudanças sísmicas. Primeiro, ao multiplicar as línguas e espalhar a humanidade pelo mundo, Deus introduziu novas redes e tecnologias globais de comunicação, viagens e correspondências. Essas indústrias agora seriam inevitáveis. Segundo, ao multiplicar as línguas e espalhar a humanidade pelo mundo, ele introduziu novas tensões globais entre os humanos que ajudariam a nos proteger de nossas futuras inovações tecnológicas. Deixe-me explicar.
Se você adora aprender idiomas, sabe que um idioma é mais do que um dicionário. Cada idioma tem uma lógica interna relacionada à cultura. Cosmovisões inteiras se refletem em um dialeto. Cada cultura produz seus próprios sons musicais e sua própria forma de pão. Diferentes línguas representam culturas diferentes e maneiras únicas de projetar cidades, torres e casas. “Muitos antropólogos dizem que se você realmente deseja aprender sobre um grupo de pessoas, você só precisa aprender sua língua, e isso lhe dirá tudo o que você precisa saber. Então, ao confundir as línguas, Deus estava essencialmente reprogramando a identidade, as conexões relacionais e como eles viam o mundo”. Simultaneamente à miríade de novas línguas, vemos evidências de que Deus introduziu centenas de novas maneiras de pensar sobre o mundo. Esses novos pensamentos produziram uma multiplicação de novas religiões. Quando as pessoas que almejavam derrubar Deus foram dispersas, elas produziram ídolos concorrentes e divindades tribais à sua própria imagem. Babel marca até mesmo a gênese da animosidade étnica.
Mas aqui está o ponto principal em relação à tecnologia. Na multiplicação das línguas em Babel, “Deus impede que o homem forme uma verdade válida para todos os homens. Doravante, a verdade do homem será apenas parcial e contestada”. E essa desarmonia de cosmovisão se traduz em como uma determinada cultura cria e usa (ou rejeita) certas inovações. Assim, em Babel, em vez de uma forma unificada de projetar uma torre e uma cidade, surgiram centenas de opiniões sobre como fazer da melhor forma. Há muito tempo os teólogos dizem que essa multiplicação de línguas está na origem de todas as culturas do mundo. O que devemos acrescentar à discussão é um ponto sobre tecnologia. Ao multiplicar as culturas, Deus codificou no drama da humanidade diferentes maneiras de pensar e se relacionar com o mundo. Essas diferenças são tão potentes que nos impedirão de adotar qualquer tecnologia única para o mundo todo.
Babel não foi um acidente. Babel foi o produto da aspiração e da inovação do homem, que Deus desde o início pretendia hackear para criar todas as culturas da terra e estabelecer uma subversão global que quebraria a aspiração humana e minaria a adoção universal de uma só tecnologia no futuro.
As boas novas da desunião
A partir de Babel, o consenso universal se tornou impossível. E isso é uma boa notícia. Aqui está um exemplo moderno da razão. No outono de 2019, a Delta Airlines começou a usar o reconhecimento facial nos Estados Unidos em dezenas de portões domésticos e para todos os voos internacionais. Essa tática foi possível porque nossos dados biométricos, o vetor único das características faciais de cada pessoa, são mantidos em um banco de dados do governo, ao qual a Delta teve acesso. O embarque biométrico — usando uma leitura facial, não um cartão de embarque — é mais rápido, fácil e, de acordo com a Delta, mais popular entre os clientes. O reconhecimento facial é amplamente adotado no país. Por quê? Conveniência pessoal.
Simultaneamente, do outro lado do globo, manifestantes mascarados em Hong Kong empunhando serras sem fio derrubaram postes que supostamente carregavam câmeras de reconhecimento facial do governo, para protestar contra a falta de direitos humanos. Provavelmente nenhum país do mundo tem um banco de dados sobre seus cidadãos maior do que a China, um país há muito suspeito de usar dados privados para alimentar a coerção por meio de estratégias de inteligência artificial (IA). O reconhecimento facial é amplamente questionado na China. Por quê? Perigo pessoal.
Não estou sugerindo que sua opinião sobre o uso governamental de dados biométricos depende de você falar inglês ou cantonês. Essa ilustração mostra como multiplicar culturas gerou resistência à adoção de qualquer tecnologia. Em vez de permitir que a humanidade vivesse em um consenso global (como em Babel), Deus invadiu, confundiu as línguas e multiplicou as culturas. Ele codificou tensões internas e desarmonias no drama da humanidade, tensões que ajudarão a controlar e limitar a adoção de tecnologias em um mundo decaído. A rápida adoção de dados biométricos se restringe pelo medo da coerção do Estado.
Portanto, o julgamento de Deus em Babel introduziu uma centena de opiniões novas e conflitantes sobre a melhor maneira de construir uma cidade. Na verdade, é isso que os pesquisadores descobrem quando observam como a tecnologia se distribui pelo globo hoje. Preconceitos étnicos inegáveis ainda determinam quais avanços são adotados ou rejeitados em uma determinada cultura. Além disso, adicione a confusão vernacular e você terá uma noção da frustração em escala que trouxe um fim abrupto ao Projeto Babel.
Ao esmagar o consenso humano e gerar uma biodiversidade de culturas, Deus criou pela primeira vez uma tensão inerente à humanidade. Vemos isso em espiritualistas e tribos nativas da Nova Zelândia que estão na linha de frente para preservar a biodiversidade única do país, resistindo a modificações genéticas estrangeiras que são introduzidas no ecossistema por cientistas. Vemos isso na ascensão de personagens do tipo Elon Musk e na classe de pioneiros da tecnologia do Vale do Silício. E, ao mesmo tempo, vemos isso na ascensão de Wendell Berry e de comunidades resistentes à tecnologia como os Amish. Para Berry, o mundo se arruinou assim que o homem parou de se limitar aos poderes disponíveis em fontes animadas, mas pôde armazenar energia em baterias, tanques de combustível e reatores nucleares. Para Musk, todo o seu empreendimento se baseia no acúmulo de eletricidade em gigantescas fazendas de baterias de lítio e em foguetes SpaceX impulsionados por toneladas de querosene e metano denso para foguetes. Dominar a tecnologia, de acordo com Musk, é querer fazer mais dela. Dominar a tecnologia, de acordo com Berry, é aprender a ignorar a maior parte dela.
A mente imaginativa que visualiza uma nova tecnologia deve aprender a conviver com a mente que prevê e avisa sobre a tirania das grandes tecnologias. Ouça apenas as ambições de Musk ou leia apenas as advertências de Berry, e creio que você perderá a noção da realidade mais ampla. Somos mais saudáveis pela tensão cultural que existe entre eles, e essa tensão começou em Babel. Desde a dispersão em Babel até a derrota final da Babilônia, a inovação humana só pode se desenvolver dentro dessa tensão incessante. E isso é uma misericórdia do Senhor, especialmente quando as pressões aumentam agora para celebrarmos modificações genéticas e IA. Mas esta é uma misericórdia temporária (como veremos mais tarde).
Por enquanto, eu pergunto: qual é a relação de Deus com a inovação e a tecnologia humana? Em Noé, ele a ordenou. Na arca, Deus pegou a engenharia humana e a tecnologia e as inscreveu na grande história da redenção. Mas, em Babel, Deus a esmagou. Diante da vanglória humana, ele introduziu as tensões que frustraram totalmente a colaboração humana.
Por: Tony Reinke. ©️ Ministério Fiel. Website: ministeriofiel.com.br. Todos os direitos reservados. Editor e revisor: Renata Gandolfo.