Frances Lawrence — a viúva do professor que foi tragicamente assassinado, quando tentava socorrer um de seus alunos —, tendo sido recentemente entrevistada, admitiu: “Quando Philip morreu, todos imaginaram que eu havia perdoado aqueles que o assassinaram. Não posso dizer-lhes nada a respeito de perdão”. Eu me alegrei em ouvi-la dizer isso; pois, se existe uma palavra que as pessoas utilizam de maneira errada, tal palavra é “perdoar”.
No mundo cruel e violento em que vivemos, parece haver muitas oportunidades para os crentes demonstrarem perdão. No entanto, essas oportunidades não são apenas para os crentes. Após o último atentado terrorista ou de um insensível assassinato, o público parece estar esperando a resposta imediata de cada pessoa enlutada: “Eu perdôo aqueles que fizeram essa coisa terrível”. Isso é ecoado como um grande exemplo para todos nós, uma grande vitória. E, se tais pessoas se mostram in-capazes de evocar coragem emocional para pronunciar essas palavras santas, a sociedade estabelece que elas foram reprovadas no teste. A sociedade realmente não diz isso, mas deixa-o implícito por aplaudir aqueles que perdoam os criminosos.
Por sua vez, os crentes, temendo ser moralmente mal interpretados pelo mundo incrédulo no que se refere ao assunto do perdão (entre todos os outros), têm convencido a si mesmos de que o reconhecimento público do perdão é a melhor coisa a fazer. Em janeiro de 1999, quando Gladys Staines foi deixada sozinha com sua filha adolescente, após seu marido e seus dois filhos (8 e 10 anos) terem sido queimados, em seu carro, até morrerem, na Índia, ela imediata-mente perdoou os assassinos. Ela afirmou que isso era um “ato espontâneo” de sua parte, que baniu toda a amargura de seu coração. Tenho certeza de que esse ato baniu toda a amargura de seu coração e de que foi uma atitude recomendável; mas ela realmente tinha de perdoar os assassinos de seu esposo? Esta era uma atitude essencial-mente cristã que deveria ser praticada? Foi mesmo a coisa correta a fazer?
Não me entendam de maneira errônea. Sinto admiração pelo pai de coração entristecido que é capaz de perdoar publicamente os numerosos vândalos que acabaram de enviar sua filha para a eternidade, por co-locarem uma bomba num lugar onde mataria e feriria o número máximo de transeuntes não envolvidos no caso. Ele tinha de perdoar? Estava correto em fazê-lo? Se ele não perdoasse, seria um cidadão de segunda categoria?
A reação imediata a essas perguntas desafiadoras é citar três ou quatro versículos. O primeiro se encontra na oração do Pai Nosso: “Perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo o que nos deve” (Lc 11.4). O segundo mandamento se encontra em Marcos 11.25: “Quando estiverdes orando, se tendes alguma cousa contra alguém, perdoai, para que vosso Pai celestial vos perdoe as vossas ofensas”. O terceiro versículo é a resposta de nosso Senhor para silenciar Pedro, quando este queixou-se a respeito de quantas vezes ele tinha de perdoar seu irmão; a resposta foi: tantas vezes quantas ele precisar ser perdoado. E o quarto versículo apresenta as palavras de nosso Senhor no Calvário: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34).
Antes de analisar esses versículos existe um assunto importante que devemos examinar. Todos nós temos de concordar que, em cada aspecto de nossa vida, Deus mesmo é o nosso exemplo; e este exemplo é percebido com mais clareza na vida de nosso Senhor, enquanto esteve na terra.
Esse é um dos importantes motivos por que Jesus veio a este mundo: para que nos focalizássemos na realidade viva daquilo que Deus espera de nós. Por exemplo, quando o apóstolo Paulo ordenou que o marido ame sua esposa, o modelo utilizado foi “como também Cristo amou a igreja”. De modo semelhante, no que se refere ao assunto de perdão, quando Paulo encorajou os crentes de Éfeso e de Colossos a perdoarem uns aos outros, o modelo utilizado foi “como também Deus, em Cristo, vos perdoou” (Efésios 4 e Colossenses 3). Como Deus perdoa? Quem Ele perdoa?
Os pregadores freqüentemente incorrem no erro de anunciar que o perdão de Deus é “incondicional”. Essa é a maneira deles dizerem que não podemos fazer nada para merecê-lo. Contudo, essa não é a maneira de afirmar tal verdade! O perdão de Deus, assim como seu amor e sua graça, é imerecido, ilimitado e infinito, mas não é incondicional. Sempre que oferece perdão, Deus o faz sob a condição de arrependimento.
Na verdade, esse arrependimento é, em si mesmo, um dom de Deus, proporcionado por seu Espírito; mas tem de existir o arrependimento. Isto se evidencia no Antigo Testamento. Três exemplos serão suficientes: “Virá o Redentor a Sião e aos de Jacó que se converterem” (Is 59.20); “Convertei-vos e desviai-vos de todas as vossas transgressões; e a iniqüidade não vos servirá de tropeço. Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o SENHOR Deus. Portanto, convertei-vos e vivei” (Ez 18.30,32).
Essa verdade se encontra também no Novo Testamento. Jesus declarou: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 4.17). O apóstolo Pedro reforçou-a: “Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para re-missão dos vossos pecados”; “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados” (At 2.38; 3.19). Paulo proclamou essa mesma mensagem nas cidades de Atenas e de Jerusalém: “Anunciei… que se arrependessem e se convertessem a Deus, praticando obras dignas de arrependimento” (At 26.20). E João a ressaltou em sua primeira carta: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados”. Deus nunca oferece perdão àqueles que não suplicam por ele. Deus jamais oferece perdão incondicional.
Se a posição estabelecida no parágrafo anterior é verdadeira, por que esperamos que as pessoas façam aquilo que Deus mesmo não o faz. Perdoar sem que o perdão seja suplicado ou quando o arrependimento não se evidenciou é uma atitude correta, necessária ou mesmo cristã?
Na América do Norte, o perdão se tornou um assunto muito importante. A Fundação John Temple tom recebeu aproximadamente trinta doações, em 1998, para o estudo do perdão. Até Jimmy Carter, Elizabeth Elliot e Desmond Tutu se uniram para promover a Campanha Para Pesquisa Sobre o Perdão. Alguém descobriu o seguinte: as pessoas que perdoam aqueles que pecam contra elas ficam melhores por causa dessa atitude. Isto é extremamente admirável! Todavia, essa não é a questão principal. Alguns estudiosos que escrevem sobre este assunto redefiniram a palavra “perdão” e sustentam a idéia de que ela não significa “esquecer, reconciliar, condoer, descartar ou mesmo ab-solver”. Por outro lado, o perdão significa “uma transação pessoal que liberta da ofensa a pessoa ofendida”. Em outras palavras, o ato de “perdoar” está muito pouco relacionado ao ofensor e intensamente relacionado ao ofendido. Em termos estritamente psicológicos, esse conceito talvez seja correto, mas ignora completamente o significado bíblico da palavra “perdão”. Os crentes tem de se mostrar mais sábios, não concordando com essa reinterpretação de um dos principais vocábulos das Escrituras. De conformidade com o ensino bíblico, a absolvição e a atitude de perdoar são coisas inseparáveis, e quem fica livre da ofensa não é o ofendido, e sim o ofensor.
Mas o que dizemos a respeito dos versículos já citados? A oração do Pai Nosso tem de ser entendida sob a perspectiva de nossa conclusão de que todo perdão da parte da pessoa ofendida pressupõe arrependimento da parte daquele que a ofendeu. Nossa oração é que Deus nos perdoe quando já pedimos perdão a outrem, assim como perdoamos aqueles que nos rogam perdão. A expressão “alguma cousa contra alguém”, em Marcos 11, tem de ser colocada naquela categoria de coisas descritas como “motivo de queixa contra outrem”, em Colossenses 3. Isto é evidente da repreensão de nosso Senhor a Pedro, quando Ele afirmou: “Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete”; e poucos se dão ao trabalho de averiguar o contexto dessas palavras. Em alguns versículos anteriores, Mateus havia apresentado novamente o ensino de nosso Senhor a respeito de como reagir ao irmão que peca contra nós. Temos de procurá-lo e colocá-lo na atitude correta; se isto não funcionar, temos de levá-lo perante a igreja; e, se isto também não funcionar, ele precisa ser tratado como um in-crédulo. Em outras palavras, a res- posta de nosso Senhor a Pedro se encontra em um contexto de ofensas no ambiente da família de Deus; essa resposta não tem qualquer relação com o perdoar um criminoso que assassinou o esposo ou a esposa de alguém. Finalmente, se, de alguma maneira, as palavras de nosso Senhor, no Calvário, são o modelo para nós, então a única coisa que elas nos ensinam é que devemos orar ao nosso Pai celestial em favor daqueles que pecaram contra nós, a fim de que Ele lhes conceda perdão; e isto significa que, primeiramente, Ele precisará trazê-los ao arrependimento.
Isso nos traz a outra alternativa. A resposta à pergunta “Temos de perdoar nossos inimigos?” é “Não, não temos, a menos que eles se arrependam e nos peçam perdão”. Então, o que devemos fazer como crentes? Quando um emergente líder do gueto de Varsóvia, que se mostra tão amargurado pelas atrocidades do nazismo, afirma: “Se vocês pudessem beber meu coração, ele os envenenaria”, esse líder não nos está apresentando outra alternativa para o perdão. O ódio e a vingança não constituem a outra alternativa. A reação do crente àqueles que tratam com crueldade a ele ou às demais pessoas tem de ser encontrada no exemplo que o Senhor mesmo deixou para nós: “Ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga retamente” (1 Pe 2.23). Essa aceitação calma nos levará à atitude essencial — a compaixão. A compaixão é o resultado de submissão humilde ao plano de um Deus todo-sábio, que demonstra pleno cuidado por nós. Isto sempre traz consigo o desejo de manifestar misericórdia e procurar o bem-estar daqueles que nos tratam de maneira perversa.
Em outras palavras, a compaixão equivale a contemplarmos o ofensor não tendo em vista a nossa própria felicidade, e sim a dele. “Perdoar” pode fazer o ofendido sentir-se melhor, bem como levá-lo a sentir-se superior ou moralmente satisfeito consigo mesmo. A compaixão nunca pode fazer que nos sintamos superiores, pois ela é uma palavra que significa “colocar-se ao lado”. Foi essa palavra que nosso Senhor utilizou quando contemplava as multidões perdidas e desamparadas. Compaixão é uma palavra de piedade e afeição. “Eu te perdôo” pode ser dito com um sorriso de superioridade; a compaixão é acompanhada por lágrimas. Para o crente, esta palavra sempre o leva a orar a Deus, que pode realizar o arrependimento que conduz ao perdão. O Senhor Jesus foi impulsionado por compaixão, ao clamar, no Calvário: “Perdoa-lhes”. Nosso Senhor não instruiu seus discípulos a perdoarem aqueles que os perseguiam, mas ensinou-os a orar por eles (Mateus 5.44). Este é o ponto crucial.
O perdão de Deus, assim como sua graça, é imerecido, infinito e ilimitado; porém, esse perdão nunca é incondicional. O nosso perdão também nunca deveria ser incondicional. Somente a compaixão é incondicional.