Nunca ouvimos a afirmação explícita de que o ministério é fácil. Mas temos visto muitos pastores tentando arranjar as coisas para que o ministério seja fácil. Também já vimos muito homens entrarem no pastorado tendo em vista um ministério de púlpito. O que eles tencionam com o ministério de púlpito é serem pagos para pregar e ensinar, com talvez uma visita pastoral de vez em quando. Sabem que o ministério pessoal e o aconselhamento são importantes; por isso, em geral eles planejam fazer o orçamento da igreja aumentar por meio de suas admiráveis habilidades de púlpito e, depois, contratam um pastor auxiliar para fazer tudo mais.
Não queremos parecer insensíveis à realidade. Antes éramos jovens que tinham visões de guiar um povo leal ao grande desconhecido por meio de exposição eloquente e de aplicação penetrante, ao poder da Palavra irradiando do púlpito como luz resplandecente numa cultura tenebrosa. Maridos pegariam a mão da esposa durante nossos sermões e se arrependeriam com lágrimas amargas. De vez em quando, viciados decidiriam nunca mais satisfazer os vícios. Pessoas desesperadas sairiam de sua perplexidade ao som de nossa voz. Nosso ministério de pregação seria tão poderoso que tornaria desnecessário o ministério de aconselhamento. Ou pelo menos quase desnecessário. Certamente, de vez em quando haveria alguém enfermo espiritualmente, mas a igreja seria saudável por causa do ministério de pregação.
No entanto, duas coisas nos impedem de persistir neste sonho: a experiência e a Bíblia. A experiência é um professor exigente. Ela nos mostra imediatamente que começamos como pregadores miseráveis. E, mesmo quando nos tornamos menos miseráveis, descobrimos que pregação aprimorada não está necessariamente correlacionada com menos problemas na vida de nosso povo. De fato, pense em seu pregador favorito e você verá uma igreja com um orçamento maior, mas não com menos problemas na vida de seus membros. A experiência não permite que tenhamos a ilusão de que a pregação é tudo que existe no ministério.
Sendo bastante claros, a pregação é o ministério da Palavra central e vital na missão da igreja. É um dos propósitos primários do ajuntamento do corpo; é também fundamental para qualquer ministério pessoal que realizamos. Portanto, não entenda mal a nossa intenção aqui. Não estamos questionando a primazia do ministério de pregação. Estamos apenas salientando que ele não é a única circunstância em que o ministério da Palavra acontece na vida da igreja.
A experiência sozinha não seria uma mestra suficiente para estabelecer este fato. Examinar o que a Bíblia diz, a fim de aprender o que constitui o pastoreio, é melhor do que simplesmente aprender do que não funciona no mundo real.
O ministério é pessoal
As Escrituras indicam que pastorear o rebanho de Deus envolve labor e sofrimento. Ainda não mostramos que a labuta não está apenas na proclamação pública, mas também no ministério pessoal. O apóstolo Paulo é um exemplo de um homem que labutou em proclamação pública, enquanto também se engajou no labor de ministério pessoal (At 9.15-16, 9.20-25, 13.4, 14.1, 2Co 11.23-30, 1Ts 2.8, 2.11-12).
Mas o ministério de Paulo não era apenas de púlpito. Seu cuidado pelos outros não terminava com a participação deles em seu ministério público, o que é uma tentação para todos os pastores. Pastores, se entendermos o nosso trabalho primariamente em termos de influência pública, perderemos o ânimo para o ministério pessoal. Às vezes, nos inquietamos mais com o pensamento de pessoas deixarem nossa igreja do que com o pensamento de estarem feridas. Mas o coração de Paulo não era assim, nem o coração daquele que Paulo seguia.
O restante do Novo Testamento expõe a natureza do ministério pastoral. Três de seus ensinos serão úteis em nossa consideração da tarefa de aconselhamento. O ministério pessoal envolve (1) identificar-se com a fraqueza e pecado das pessoas, (2) falar com Deus em favor das pessoas e (3) falar com as pessoas em favor de Deus.
1. O labor pastoral envolve identificar-se com a fraqueza e pecado das pessoas. Condescendência. Em geral, usamos esta palavra de maneira negativa, porque ela transmite a ideia de que uma pessoa acha que é superior a outras, mas se resigna a descer ao nível delas para interagir com elas. Mas a palavra condescendência é perfeitamente apropriada à associação de Jesus com pecadores, visto que ele existe num plano acima de nós. Ele existia em gozo e satisfação perfeitos com o Pai, Deus de todos, glorioso e magnificente, servido por anjos resplandecentes do céu, sem qualquer obrigação para com pessoas terrenas, ímpias e infelizes por causa do pecado. Todavia, o único ser em todo o universo que deveria ser servido por todos se tornou, em vez disso, servo de todos. Ele levou em conta os interesses dos outros (Fp 2.4) por não insistir e não permanecer na glória prazerosa do céu que era sua possessão divina (2.6). Em vez disso, ele nos serviu por se identificar com nossas aflições (2.7), especialmente com nosso maior problema: a morte (2.8). A morte é um problema que jamais poderíamos resolver. Precisávamos da ajuda de outro. E Aquele que nos ajudou também nos instruiu a seguir seu exemplo: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (2.5).
Pastor, você é liberto para imitar este padrão para o bem de seu povo. Todo pastor é um servo de Jesus, e um servo não é maior do que seu senhor (Jo 13.16). Você é chamado a assumir o risco e a dificuldade dos problemas das pessoas. Como Jesus, você ajuda pessoas que, em um sentido, não têm nenhum direito de exigir ajuda de sua parte. Se o Supremo Pastor ficou cansado e foi um homem de dores, o mesmo deve acontecer com aqueles que o seguem nesta tarefa. Isto não significa necessariamente que você se tornará o principal conselheiro de sua igreja, mas certamente significa que precisa aprender as habilidades necessárias para servir ao seu povo nos problemas deles.
2. O labor pastoral envolve falar com Deus em favor das pessoas. Os pastores devem ser zelosos e constantes em oração. Há pelo menos duas vantagens na oração que flui da associação íntima com as pessoas em seus problemas.
Primeiramente, cuidar pessoalmente de seu povo tornará suas orações mais fervorosas. Um pastor que trabalha de maneira leviana entre seu povo trabalha frequentemente da mesma maneira diante de Deus. Um pastor que agoniza com seu povo também agonizará em suas orações em favor deles. Quando pastores se movem do ministério pessoal para tarefas quase exclusivamente públicas e administrativas, podem facilmente perder de vista as profundas necessidades em seu meio, e isso terá um efeito paralisante em suas orações. Jesus nos ensinou a orar ao Pai com desespero pelo reino (Mt 6.7-13). E levar os fardos de seu povo impelirá você à oração desesperada.
Quando um pastor testemunha os efeitos miseráveis da ira em um lar, ou quando senta diante de uma viúva desanimada que está se sentindo como alguém que já deveria ter superado sua tristeza depois de dois anos, ou quando se coloca ao lado de um adolescente que está convencido de que é o pior pervertido no mundo, ou quando conversa com um homem que chegou ao limite de tolerância em seu casamento – de repente, a sua urgente necessidade de sabedoria se torna mais evidente. Testemunhar o desespero que o pecado e seus efeitos causam na vida das pessoas trará um desespero santo às orações de um pastor. A miséria do mundo é frequentemente o que impele as orações do povo de Deus. E pastores não devem se esquivar desta impulsão.
Em segundo, cuidar pessoalmente de seu povo tornará suas orações mais dependentes. Nada parece mais fútil do que falar com uma pessoa deprimida no auge de sua prostração ou com uma moça anoréxica no ápice de sua autoapreciação não realista. Uma das melhores maneiras para sentir a incapacidade de mudar qualquer coisa é dar conselhos a vítimas ou perpetradores de abuso, a pessoas que têm atitudes obstinadas ou mente confusa, àqueles que o desprezam e a Bíblia que você abriu. Ficar ao lado de pessoas em circunstâncias impossíveis será para o pastor um lembrete constante de sua necessidade pelo Deus do impossível.
3. O labor pastoral envolve falar com as pessoas em favor de Deus. O labor pastoral – incluindo o ministério pessoal – está também associado intimamente com proclamação. É labuta sincera para proclamar Cristo a pessoas. Outra vez, Paulo é o nosso exemplo pastoral: “O qual nós anunciamos, advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo; para isso é que eu também me afadigo, esforçando-me o mais possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim” (Cl 1.28-29).
Em nossa labuta pastoral, Cristo é a mensagem, e a semelhança com Cristo é o alvo. Queremos que aqueles que estão sob nosso cuidado sejam conformados com Cristo, e isso acontece quando a fé atua por meio de amor. Portanto, o alvo de um pastor em sua obra é evocar a fé em Cristo por meio da proclamação da mensagem do evangelho. Isto é verdadeiro tanto na proclamação pública quanto na proclamação pessoal da Palavra. A fé reestrutura as funções do coração, para que a pessoa antes motivada pelo desejo pecaminoso, pensamento entenebrecido e lealdades terrenas seja agora motivada por um desejo justo, pensamento iluminado e lealdades celestiais sempre crescentes. E a única maneira pela qual a fé surge no coração é por meio de os ouvidos ouvirem a mensagem proclamada: “E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.17).
O labor pastoral exige falar com as pessoas em favor de Deus, em Cristo. Paulo era tão comprometido com o crescimento dos crentes em Cristo, que, se estes falhassem em perseverar na fé, o apóstolo disse que seu labor seria em vão (Fp 2.6; ver também Gl 4.11). Paulo não estava dizendo que Deus se agrada somente de ministério que resulta em frutos de pessoas que perseveram na fé; pelo contrário, ele estava enfatizando que estabelecer a fé era o alvo central de todos os seus labores.
Proclamar a Cristo exige que os pastores vão até aos lugares sombrios na vida das pessoas – àqueles problemas desconcertantes que são mais fáceis de ignorarmos do que de lidarmos com eles. Podem ser casamentos que estão dando sinais de fragmentação, padrões alarmantes na vida de um adolescente, a desunião entre dois antigos membros da igreja, as dúvidas contagiantes de um dos integrantes da equipe de trabalho da igreja, a volatilidade mental de um rapaz. Não importando qual seja a complexidade dos problemas das pessoas, você sempre pode fazer a si mesmo esta pergunta orientadora: qual é o papel da fé em Cristo no problema desta pessoa?
Jesus precisa ser proclamado naqueles lugares sombrios. E o pastor não deve ter medo de ir a esses lugares.
Conclusão:
Finalmente, a sua confiança não está em seu conjunto de habilidades, não importando quão desenvolvidas sejam. Em vez disso, sua confiança está no poder do evangelho de Jesus Cristo, por meio da proclamação de sua Palavra. O que se aplica ao púlpito também se aplica à sala de aconselhamento. Em um sentido, era mais fácil ser dependente do Espírito em nossos primeiros dias de pregação, visto que éramos muito conscientes de nossa fraqueza. Quando nossa habilidade cresce, tanto em exegética quanto em homilética, esquecemos mais facilmente nossa dependência do Senhor para falar por meio de sua Palavra. Mas qualquer senso de incapacidade em aconselhar não deve ser a razão para evitá-lo. Em vez disso, você deve manter-se dependente de Deus para fazer o que somente ele pode fazer.
Portanto, pastor, não há nenhuma necessidade de temer o desconhecido. Se você tem disposto o seu ministério pastoral de forma a evitar missões regulares aos lugares ásperos e rochosos da vida das pessoas, não está pastoreando como Jesus. A face encardida e suada de um pastor é apenas um reflexo daquela face ensanguentada que todos amamos.
Artigo adaptado do livro O Pastor e o Aconselhamento, de Jeremy Pierre & Deepak Reju, publicado pela Editora Fiel.