Por que designar presbíteros e diáconos como líderes espirituais na igreja? Tendo sido criado em uma igreja batista, frequentei duas igrejas batistas durante minha adolescência, e ambas eram bastante tradicionais. Cada uma delas tinha pastor titular, diáconos e membros adicionais da equipe, mas os presbíteros estavam em outras igrejas. Pelo que sei, todos com formação batista reconhecem o ofício de diácono sem questionar. Mas às vezes eles hesitam quando se trata do ofício de presbíteros, embora as Confissões de Londres, Filadélfia e New Hampshire, que datam do século 17 até o século 19, identifiquem os dois ofícios.[1]
Quando a igreja da qual agora sou pastor em Memphis começou a estudar o ensino bíblico sobre liderança da igreja, incluindo presbíteros, um membro parou abruptamente de frequentar. Visitei sua casa e perguntei sobre o motivo de sua partida. Rapidamente, ele apontou para a conversa sobre os presbíteros. “Simplesmente não é Batista!”, ele disse. Citei exemplos históricos de presbíteros nas igrejas batistas, bem como o ensino bíblico, mas ele nem mesmo investigou o assunto.
No entanto, a Palavra de Deus sempre exige um estudo cuidadoso, incluindo a forma pela qual os presbíteros guardam e lideram a igreja, com diáconos lado a lado para servir.
As referências bíblicas aos presbíteros são comumente equiparadas ao cargo de pastor vocacionado ou à equipe de funcionários em igrejas modernas. Mas essa interpretação significa enxergar nossas práticas modernas no texto antigo. Isso é precisamente o que um oponente da liderança de presbíteros faz quando afirma que “todos os presbíteros/bispos eram orientados para o ministério e não eram leigos”.[2] Embora seja verdade que o pastor é um presbítero, não é necessariamente verdade que os presbíteros são apenas “profissionais pagos”. E, quando deixamos de reconhecer homens qualificados da congregação como presbíteros, a igreja perde alguns de seus maiores ativos de liderança. Na verdade, se os líderes não pagos forem excluídos como presbíteros, então multidões de congregações menores — muitas se reunindo em casas por causa da proibição de reuniões públicas — perderão completamente a sua liderança espiritual. Em última análise, cheira a arrogância pensar que apenas indivíduos profissionalmente treinados podem servir como líderes espirituais.
Uma prática mais bíblica, com presbíteros, fortalece o ministério pastoral das igrejas. Explicando os benefícios da liderança plural de presbíteros — pagos e não pagos — John MacArthur observa: “Sua combinação de conselho e sabedoria ajuda a assegurar que as decisões não venham de um único indivíduo e sirvam somente os seus interesses (cf. Pv 11.14)”. Ele afirma: “Na verdade, a liderança de um homem é característica das seitas, não da igreja”.[3]
O apóstolo Paulo entendeu a grande necessidade de líderes piedosos. Em sua segunda viagem missionária, Paulo chegou à famosa cidade asiática de Éfeso, “a principal cidade da província”, de onde ele evangelizaria a Ásia Menor (At 19.10).[4] Éfeso era um importante centro cultural e econômico no Império Romano, mas também um importante centro de adoração pagã que incluía o templo de Diana, “uma das sete maravilhas do mundo antigo”.[5] Lá, Paulo pregou e um tumulto começou. Mas Deus fez seu trabalho frutificar para que uma igreja fosse iniciada na cidade. O apóstolo ficou três anos, pregando e ensinando a Palavra. Durante esse período, ele evidentemente designou presbíteros para servir à igreja.
Em sua terceira viagem missionária, Paulo chegou perto de Éfeso, mas como estava decidido a ir para Jerusalém, ele não aportou em Éfeso. Em vez disso, navegou além, desembarcando em Mileto. De lá, chamou os presbíteros de Éfeso para encontrá-lo. Em Atos 20.17-31, Lucas registra o último encontro de Paulo com esses homens, encontro que insufla amor e paixão à medida que o apóstolo dá suas instruções finais aos líderes da igreja de Éfeso. A mensagem de Paulo aponta para a necessidade inequívoca dos presbíteros de continuar a obra de pastorear a igreja, uma necessidade que é evidente em todas as igrejas. Se os presbíteros desempenhavam um papel tão vital na igreja cosmopolita em Éfeso, não temos a mesma necessidade hoje? A exortação de Paulo aos presbíteros de Éfeso responde à pergunta: “Por que presbíteros?”.
Atos 20.17-31
• A necessidade comum da Igreja (At 20.17,28-31)
• Pastores do rebanho (At 20.28,31)
• Um fundamento inesquecível (At 20.28)
A necessidade comum da igreja (At 20.17, 28-31)
A primeira coisa que devemos notar na exortação de Paulo em Atos 20 são os termos que ele usa para descrever esse grupo de líderes em Éfeso. Em primeiro lugar, ele os chama de “os presbíteros da igreja” (v. 17). Alguns argumentaram que a igreja de Éfeso foi dividida em igrejas domésticas e os presbíteros eram simplesmente os líderes individuais dos grupos domésticos. Mas isso é uma injustiça com o texto. “Presbíteros” é plural, e “igreja” é singular.
Em segundo lugar, Paulo declara que o Espírito Santo “vos constituiu bispos, para pastorear a igreja de Deus” (v. 28). Supervisores é o mesmo termo que Paulo usa em 1 Timóteo 3.1, que a versão inglesa Authorized Version traduz como “bispos” (tb. ARA) e a New American Standard Bible traduz como “superintendentes”. Em grego, o termo é episkopos, ao passo que “presbíteros/ancião” é como traduzimos a palavra grega presbiteros.
Em terceiro lugar, Paulo usa a palavra “pastor” como verbo (v. 28), que se refere a alimentar e cuidar do rebanho.[6] A palavra grega aqui é poimainō, da qual o substantivo “pastor” tem suas raízes, como usado em Efésios 4.11.
O ponto é que todos esses três termos — presbítero, bispo e pastor — são intercambiáveis. Eles não se referem a hierarquias separadas ou cargos em vários níveis na igreja, mas ao mesmo cargo ou função dentro da igreja local. Pedro da mesma forma usa esses termos de maneira intercambiável em 1 Pedro 5.1, 2.[7]
Como vimos no capítulo 3, a particularidade do termo presbítero aponta para o caráter do homem; essa palavra era usada para homens com maturidade avançada dentro da comunidade judaica. Supervisor ou bispo indica sua função de liderança espiritual, visto que esses termos eram usados na cultura grega para comissários ou administradores de cidades. E o termo pastor enfatiza o ministério do homem — o conceito de pastorear um rebanho ressoou amplamente por toda aquela parte do mundo.
Por que houve necessidade de presbíteros para servir na igreja? A igreja primitiva viveu sob ataque externo até aproximadamente o quarto século. Por trezentos anos, oposição, ataques e perseguições os afligiram, até o reinado do imperador romano Constantino. Esses ataques ocorreram em vários intervalos de tempo na tentativa de pegar a igreja com a guarda baixa. Os imperadores Nero, Domiciano, Trajano e Adriano supervisionaram lendários períodos de perseguição. Mas junto com a perseguição externa, a corrupção na doutrina, nas personalidades e na liderança também brutalizou a igreja: “Sei que depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho” (At 20.29).[8]
Enquanto estava entre o rebanho de Éfeso, Paulo poderia facilmente reconhecer os ataques dos adversários e enfrentá-los. Ele teve a coragem e a autoridade para enfrentar quaisquer forças que atacassem a igreja. Mas a presença de Paulo entre eles estava chegando ao fim. Agora eles enfrentavam nova oposição sem que o grande apóstolo desviasse os golpes. Por isso, Paulo incumbe os presbíteros de Éfeso — e todos os que seguem seu padrão — a assumir a tarefa de proteger o rebanho contra ataques de fora e de dentro.
Paulo usa termos fortes para descrever os ataques. Ele chama os perpetradores de “lobos selvagens”, descrevendo a igreja de Éfeso como um rebanho de ovelhas indefesas (At 20.29). Jesus usou a mesma imagem: “Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores” (Mt 7.15). Os lobos, nesse caso, teriam vestido pele de cordeiro para que pudessem subverter a igreja por meio de artimanhas.
Um tema recorrente encontrado nas epístolas é a advertência contra os falsos mestres. Alguns reivindicariam ser “o Cristo”; outros teriam uma nova revelação; ainda outros ensinariam um falso evangelho. E é um fato triste que os falsos mestres enganaram muitos, mesmo nas igrejas do Novo Testamento. A igreja de Éfeso está entre as sete igrejas da Ásia Menor às quais nosso Senhor se dirigiu em Apocalipse 2 e 3. A maioria dessas igrejas havia caído na letargia espiritual, enquanto algumas haviam cedido à tolerância de falsos mestres. Paulo, por meio de suas epístolas a Timóteo, aparentemente sentiu a necessidade, mais uma vez, de advertir a igreja de Éfeso sobre os falsos mestres (1Tm 4.1-3; 6.3-5; 2Tm 3).
Quando consideramos o fato de que nosso Senhor, bem como Paulo, João, Pedro e Judas, todos eles nos alertam sobre os falsos mestres, isso deve nos alertar quanto ao fato de que o falso ensino continua sendo um grave perigo. Igrejas e cristãos individuais podem ser vítimas desse ataque, seja de fora, seja de dentro do corpo.
Se a igreja em Éfeso precisava de homens que a protegessem do falso ensino, certa- mente as igrejas em Memphis, Bombaim, Chicago e Cidade do Cabo também precisam. Nessas advertências específicas, os conflitos de personalidade estavam longe da mente do apóstolo. Paulo estava preocupado com o ensino que se afastou das Escrituras e abraçou uma fé distorcida. Ele encarregou os presbíteros de Éfeso: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28). O processo de pastoreio exige a habilidade de reconhecer lobos. O que constitui uma “teologia do lobo”?
• Ensino que, de alguma forma, nega a divindade de Cristo ou a igualdade da Trindade;
• Ensino que substitui a suficiência da morte de Cristo na expiação pelo pecado por qualquer outra coisa;
• Ensino que nega a necessidade da justiça de Deus ser satisfeita para que os pecadores sejam salvos;
• Ensino que rouba a glória de Deus ao insistir que a salvação não é totalmente uma obra da graça de Deus;
• Ensino que nega a ressurreição corporal de Cristo;
• Ensino que afirma ter revelações autorizadas que não estão contidas nos cânon do Antigo e do Novo Testamentos;
• Ensino que insiste em algum tipo de obra ou abnegação ou prática ascética para melhorar a posição de uma pessoa diante de Deus, em vez de ela simples- mente descansar nos méritos de Cristo.
A “teologia do lobo” é ensinada hoje? Sim, de fato! Recebi uma nota de um pastor amigo me contando sobre o presidente de uma faculdade batista no sul dos Estados Unidos que escreveu um livro negando a autoridade das Escrituras, o nascimento virginal de Cristo, a divindade de Cristo, a necessidade da cruz para expiar pecados e a necessidade de salvação. Ainda mais angustiante é que algumas igrejas batistas permitiram esse homem em seus púlpitos simplesmente porque ele afirma ser um batista. Nesses casos, os presbíteros da igreja têm a responsabilidade de impedir que lobos de aparência digna enganem o rebanho.
O peso da responsabilidade por reconhecer o falso ensino, e, então, agir para removê-lo, recai sobre os presbíteros. Os presbíteros da igreja têm a tarefa de examinar constantemente “todo vento de doutrina” (Ef 4.14). Eles devem estar vigilantes em reconhecer os falsos ensinos, alertando o corpo e protegendo o rebanho de sua presa (Hb 13.17).
Paulo estava preocupado não só com os ataques que viriam de fora do corpo, mas com o engano que surgiria de dentro do corpo: “E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles” (At 20.30). Assim como havia um Judas entre os doze apóstolos, existem Judas na igreja hoje. Essas pessoas têm motivos egocêntricos para ingressar no corpo da igreja. Elas usam a igreja para engrandecimento pessoal, para melhorar seu senso de poder ou ganho material e para afastar os discípulos da verdade.
Paulo descreve seu padrão como “falando coisas pervertidas”, tudo com o objetivo de alienar ou afastar alguns crentes do restante da igreja. A palavra “pervertida” é uma boa descrição. O termo grego significa “desviar, torcer, perverter, distorcer”.[9]10 Esses mestres dizem coisas que até as crianças reconheceriam como imorais. Falar “coisas pervertidas” envolvia perverter ou alterar sutilmente a verdade. Envolvia pegar o que era verdadeiro e então remodelar seu significado ou dar-lhe uma falsa aplicação, ou manipulá-lo para dizer algo diferente do significado pretendido. Embora o ensino dos “lobos vorazes” surja bem descaradamente e seja facilmente reconhecido, o “falar” a que Paulo se refere aqui é enganoso e difícil de reconhecer. É preciso discernimento para ver as sombras sutis pelas quais esse “falar” se afasta da Palavra de Deus. Uma vez que um cristão se apega a essas ideias distorcidas da verdade bíblica, essa pessoa se torna uma presa fácil para a alienação do restante da igreja. Ele ou ela pode ver os outros na igreja como não iluminados e, então, seguir o ensino enganoso para sua própria vergonha.
Há alguns anos, um homem e sua esposa começaram a frequentar o estudo bíblico e os cultos em nossa igreja. Fiz uma visita extraordinariamente longa em sua casa, na qual o homem entrou em grandes detalhes sobre uma área particular de interesse teológico. Ele encobriu sua doutrina em linguagem bíblica comum, mas algo em suas palavras não parecia equilibrado. Aconteceu de um colega presbítero e eu estarmos dando uma aula sobre a Bíblia que esse homem frequentava. Um dia, na aula, ele habilmente tentou dividir o corpo da igreja por uma negação inteligente da co-eternidade de Jesus Cristo com o pai. Como presbíteros, farejamos o ar imundo do falso ensino e nos unimos contra sua teologia falha. Vendo essa frente unida, ele logo abandonou nossa igreja. As pessoas estavam protegidas.
Ataques ao corpo da igreja e engano dentro do corpo nos lembram de uma necessidade que não podemos ignorar — a necessidade da igreja de ser protegida contra falsos mestres e enganadores. E esse é o trabalho dos presbíteros. Se os presbíteros eram necessários há mais de mil e novecentos anos, certamente são necessários hoje também.
Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Equipe pastoral, de Phil Newton e Matt Schmucker, Editora Fiel.
[1] CrChr, 3:738-40, 747.
[2] Robert Wring, “An examination of the practice of elder rule in selected Southern Baptist Churches in the light of New Testament teaching” (Ph.D. diss., Mid-America Baptist Theological Seminary, 2002), 52.
[3] John MacArthur, The master’s plan for the church (Chicago: Moody, 1991), 195.
[4] Curtis Vaughan, Founders Study Guide Commentary: Ephesians (Cape Coral, FL: Founders Press, 2002), 15.
[5] Ibid., 15.
[6] BDAG, 842, explica que o símbolo de um pastor liderando, guiando e governando é o que está em mente nesse caso e refere-se à administração da congregação.
[7] Veja o capítulo 13 para uma visão detalhada desse texto.
[8] Veja Justo L. Gonzalez, The story of Christianity: the early church to present day (Peabody, MA: Prince Press, 2001), 31–108.
[9] LKGNT, 318.