domingo, 17 de novembro
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Uma nota sobre o primeiro artigo do Credo dos Apóstolos

“No Credo dos Apóstolos se enumera sucintamente e em ordem precisa toda a história de nossa fé. Nele nada há que não esteja calcado em sólidos testemunhos da Escritura.” João Calvino

“Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra.” Assim reza o primeiro artigo do Credo dos Apóstolos. É bastante peculiar que um dos símbolos mais significativos da fé cristã comece com uma confissão de que Deus é Pai. Isso, em princípio, pode não parecer uma peculiaridade, uma vez que outras religiões também chamam suas divindades de pai. Contudo, uma leitura mais atenta do contexto e do significado dessa confissão revelará que tal declaração — que reconhece Deus como Pai — não é apenas significativa para os cristãos, mas acima de tudo exclusiva a eles.

Sem dúvida, outras religiões também chamam suas divindades de pai, porém não da mesma forma como os cristãos chamam Deus de Pai. Para os cristãos, a doutrina da Trindade sempre está nas entrelinhas da confissão de Deus como Pai. A razão disso se deve ao fato de que, antes de Deus ser o nosso pai celestial (Mt 6.9; Ef 4.6), ele é o Pai de Jesus Cristo (Mt 26.26; Ef 1.3). Nesse caso, ao confessar que Deus é Pai, o cristão inevitavelmente traz à memória a bondade e o amor de Deus que entregou o seu único Filho, o “unigênito do Pai” (Jo 1.14), para que todo aquele que crê no Filho não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3.16). Portanto, quando os cristãos chamam Deus de Pai, eles não estão se referindo apenas à imagem de Deus como um pai celestial, mas principalmente à imagem trinitária de Deus, ou seja, a imagem do Pai de Jesus Cristo que, em favor da humanidade, entregou o seu único Filho, num ato de suprema bondade e incomparável amor. 1

Em outras palavras, ao começar a confissão dessa forma, o cristão pressupõe não apenas a bondade do pai celestial, mas acima de tudo a incomparável e suprema bondade do Pai de Jesus Cristo. A intenção do cristão é expressar que, antes de tudo, ele concebe Deus como o summum bonum, isto é, como a bondade suprema que nenhuma criatura é e jamais será capaz de ser. 2 E isso, diga-se de passagem, é confirmado pelo próprio Jesus, quando diz que “Ninguém é bom, a não ser um, que é Deus” (Mc 10.18). Entretanto, o Credo é ainda mais preciso, uma vez que não pressupõe apenas a bondade suprema, mas também o poder absoluto de Deus. Afinal, não podemos esquecer que a confissão do cristão se dirige ao Deus Pai que é, ao mesmo tempo, todo-poderoso, criador do céu e da terra. Ou seja, o Credo não confessa apenas a suprema bondade de Deus, mas também o seu absoluto poder como criador de todas as coisas (Gn 1.1; Sl 19.1-6; At 17.22-31; Rm 1.18-23).

Assim como a confissão de Deus como Pai reflete a doutrina da Trindade, a confissão de Deus como todo-poderoso reflete a doutrina da Criação, tal como foi herdada da fé judaica. A doutrina da Criação parte do pressuposto de que tudo o que existe deve sua existência a um ser de grandeza máxima: Deus. Uma vez que, por definição, um ser de grandeza máxima é onipotente, então, nada de concreto pode existir independente do seu poder criativo. 3 Em seu famoso ensaio Das Glaubensbekenntnis: ausgelegt und verantwortet vor den Fragen der Gegenwart [O Credo: interpretado e respondido à luz das questões de hoje], Wolfhart Pannenberg elucidou, de forma precisa, o reflexo da doutrina da Criação na confissão de Deus como todo-poderoso. Em suas palavras:

Para ser preciso, nas versões gregas primitivas do Credo dos Apóstolos, a confissão Deus todo-poderoso se expressa por meio do título grego Pantokrator, Senhor de tudo [Allherr], termo também empregado ocasionalmente em referência a deuses gregos, como Hermes. No entanto, muito tempo antes, o termo se tornou familiar à tradição judaica e cristã, através da tradução grega do Antigo Testamento, na qual a junção Kyrios Pantokrator era usada como tradução para Yahweh Sabaoth, um dos nomes veterotestamentários de Deus. Ademais, tal tradução mostra, mais uma vez, o quanto o poder absoluto de Yahweh permanecia no centro da fé judaica. Portanto, a menção Deus todo-poderoso no Credo dos Apóstolos confirma ainda mais a identidade do Deus da fé cristã com o Deus de Israel. O fato de nada lhe ser impossível foi mostrado de forma renovada aos cristãos, por meio da ressurreição de Jesus dentre os mortos (cf. Rm 4.24). Entretanto, também está presente na confissão Deus todo-poderoso a noção de Deus como criador de todas as coisas. Quando a confissão credal Deus todo-poderoso, “Senhor de tudo”, foi mais bem elucidada pela adição da referência explícita à criação do mundo, tal fato, portanto, não passou de mera expressão daquilo que já estava presente na noção de Deus como todo-poderoso. Se Deus é, de fato, todo-poderoso, não apenas o mundo visível, a terra, mas também o mundo invisível, o céu, são obra de suas mãos. 4

Portanto, ao confessar Deus Pai todo-poderoso, o cristão afirma a unidade que há entre o conceito trinitário de Deus Pai e o conceito cósmico de Deus todo-poderoso, o Criador do céu e da terra. Dessa forma, professa-se a crença não apenas na existência de Deus, mas sobretudo na existência de Deus como absolutamente bondoso e onipotente. Isso não é pouca coisa, pois, para o cristão, a confissão Deus Pai todo-poderoso expressa duas realidades divinas que jamais devem ser disjuntivas, isto é, a crença cristã em Deus não admite que essas duas realidades constituam uma relação do tipo “ou-ou” – ou Deus é todo-bondoso ou é todo-poderoso. Pelo contrário, a relação é conjuntiva, ou seja, uma relação do tipo “tanto-quanto” – Deus é todo-bondoso tanto quanto todo-poderoso. Isso significa que toda a tentativa de fundamentar a crença em Deus que privilegie um conceito em detrimento do outro será qualquer crença menos uma crença cristã.

A crença em Deus Pai todo-poderoso é precisamente a confissão da unidade que há entre a bondade suprema e o poder absoluto de Deus. Sem dúvida, são realidades distintas, porém inseparáveis na crença cristã. Vale a pena enfatizar que, em nenhum momento, estamos dizendo que ambas as realidades são indiscerníveis. Pelo contrário, é óbvio que são discerníveis, mas isso não quer dizer que sejam separáveis. Ora, no mundo existem coisas que são assim, ou seja, que são discerníveis, mas que nem por isso devem ser separadas. Da mesma forma que existem coisas que são discerníveis e separáveis – como um galho que tanto é distinto de uma árvore como pode ser separado dela – também existem coisas que são discerníveis e inseparáveis – como é o caso, por exemplo, da cor vermelha que, embora seja discernível, não pode ser separada da maçã vermelha. Logo, existem coisas que são discerníveis embora sejam inseparáveis. Esse é o caso da crença cristã. Podemos discernir a bondade suprema de Deus do poder absoluto de Deus, porém não podemos separar a bondade suprema de Deus do poder absoluto de Deus.

É justamente por causa da inseparabilidade que há entre a bondade suprema e o poder absoluto de Deus que o problema do mal se impõe como uma questão demasiado espinhosa, tanto para o cristianismo como para qualquer outra religião que sustente a crença básica em um Deus todo-bondoso tanto quanto todo-poderoso. Vejamos a razão disso a partir de uma versão da formulação clássica do problema do mal, que foi atribuída a Epicuro (341-270 a.C.) por Lactâncio, um famoso apologista cristão que viveu aproximadamente entre 260-320 d.C.:

De acordo com Epicuro, ou Deus deseja remover o mal e não é capaz; ou ele é capaz e não deseja; ou ainda não deseja nem é capaz; ou então tanto deseja quanto é capaz. Se desejar e não for capaz, deve ser fraco, o que não pode ser afirmado sobre Deus; se for capaz e não desejar, deve ser malévolo, o que também é contrário à natureza de Deus; se não deseja nem é capaz, deve ser tanto malévolo quanto impotente, e consequentemente não pode ser Deus; agora, se tanto deseja quanto é capaz  – a única possibilidade compatível com a natureza de Deus – então de onde vem o mal? [De Ira Dei, XIII] 5

OPÇÕES DE EPICURO IMPLICAÇÕES
1. Ou Deus deseja eliminar o mal, mas não pode. Deus é fraco.
2. Ou Deus é capaz de eliminar o mal, mas não deseja eliminá-lo. Deus é malévolo.
3. Ou Deus nem deseja e nem é capaz de eliminar o mal. Deus é malévolo e fraco.
4. Ou Deus deseja e é capaz de eliminar o mal. Deus é bondoso e poderoso.

De acordo com essa versão de Lactâncio, vemos que Epicuro enumerou quatro opções e suas respectivas implicações quanto ao problema do mal:

A partir do que já foi dito, é óbvio que, de todas as quatro opções, apenas a quarta opção é compatível com a crença cristã. No entanto, é justamente a quarta opção que coloca o cristão diante de uma questão difícil. Afinal, um ser todo-bondoso não desejaria que acontecessem coisas más, que crianças desenvolvessem leucemia, que terremotos fizessem edifícios desabarem sobre pessoas ou que terroristas jogassem bombas em escolas repletas de crianças. Em vez disso, desejaria impedir que tais males acontecessem, se pudesse fazê-lo. Como o Deus do cristão não é apenas todo-bondoso, mas também todo-poderoso, logo, é óbvio que ele pode impedir que tais males aconteçam. Mas o fato é que eles acontecem. Então, como compreender que seja todo-bondoso um Deus que sendo também todo-poderoso permite que tais males aconteçam?

Não precisamos gastar páginas e páginas para convencer o leitor de que o problema do mal é, para os cristãos, um “exercício de fé”. 6 O problema toca em questões muito difíceis, que estão relacionadas não apenas com a nossa inteligência, mas também com o nosso sentimento religioso. Nas palavras do filósofo Alvin Plantinga:

O Credo dos Apóstolos começa assim: “Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra…”. Quem repete essas palavras e leva a sério o que elas dizem não está apenas confessando o fato de aceitar que uma dada proposição é verdadeira; algo muito mais forte do que isso está em jogo. A crença em Deus significa confiar em Deus, aceitá-lo, entregar-lhe a nossa vida. Para o crente, o mundo inteiro parece diferente. (…) O universo inteiro assume para ele um aspecto pessoal; a verdade fundamental sobre a realidade é a verdade sobre uma pessoa. Assim, acreditar em Deus é mais do que aceitar a proposição de que Deus existe. Mesmo assim, inclui pelo menos isso. Não faz muito sentido acreditar em Deus e agradecer-lhe pelas montanhas sem acreditar que há tal pessoa a quem agradecer, e que ela é de algum modo responsável pelas montanhas. Nem podemos confiar em Deus e entregar-nos a ele sem crer que ele existe: “é necessário que quem se aproxima de Deus creia que ele existe e recompensa os que o buscam” (Hb 11.6). 7

Ora, por que o dilema de Epicuro é, para os cristãos, um exercício de fé? Em primeiro lugar, porque os cristãos acreditam justamente em um Deus todo-bondoso tanto quanto todo-poderoso. Em segundo lugar, porque, quando se fala da crença em Deus, não se fala apenas de uma postura intelectual ativa, mas sobretudo de uma postura intelectual passiva. Por exemplo, para acreditar que “o todo é maior do que as partes”, que “a menor distância entre dois pontos é uma reta” ou que “2+2=4” basta a compreensão do que significam essas proposições (uma postura intelectual ativa). Veja, tanto um ateu como um crente podem conhecer e acreditar nessas mesmas verdades. Para acreditar que, em um triângulo retângulo, a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa basta uma postura intelectual ativa. A mesma coisa não pode ser dita da crença cristã na existência de Deus. Para a crença no teorema de Pitágoras é suficiente uma postura intelectual ativa (mera compreensão). Todavia, para a crença em Deus se requer bem mais do que uma postura intelectual ativa (a compreensão de que Deus é Pai e, ao mesmo tempo, todo-poderoso). O que se requer é o que chamamos de uma postura intelectual passiva, pois, antes de confessar Deus Pai todo-poderoso, o cristão é primeiro afetado pelo poder do Espírito que, através da palavra de Deus, o compele a acreditar que toda a sua vida, bem como todas as coisas à sua volta, enfim, tudo está nas mãos de um Deus bondoso e onipotente.  Como se trata de uma crença que determina a “cosmovisão” (Weltanschauung) de uma pessoa, então, é natural que não apenas a inteligência, mas sobretudo o modus vivendi do cristão sejam determinados por essa crença. Entretanto, aquele que confessa a fé cristã não apenas professa e assume uma cosmovisão, mas vive em função dela. Isso só pode ser assim porque a crença cristã não é um produto das faculdades intelectuais, ou seja, não é o resultado de uma mera atitude mental. Ela é, antes de tudo, fruto do impacto da palavra de Deus que, como disse Herman Dooyeweerd, pode ser explicado apenas pelo Espírito Santo, o qual abre nosso coração, de forma que nossa crença não é mais uma mera aceitação dos artigos da fé cristã, mas uma crença viva, instrumental para a operação central da palavra de Deus no coração, o centro religioso de nossa vida. 8

Ou como disse Agostinho de Hipona:

Amo-te, Senhor, e minha consciência não duvida e nem vacila. Feriste-me o coração com a tua palavra, e desde então te amei (Confissões, X, 6, 8).

A crença do cristão em um Deus bondoso e onipotente não é fruto de pura intelecção, mas sobretudo da ação interna do Espírito 9 que impulsiona o cristão a crer em Deus dessa forma. Portanto, uma solução para o problema do mal que implique a dissolução ou a disjunção da crença em Deus Pai todo-poderoso não convence o cristão que aderiu a essa crença não apenas por uma operação do seu intelecto, mas sobretudo pelo impacto da palavra de Deus, através do poder iluminador do Espírito. É o poder do Espírito que por meio da palavra de Deus convence o cristão de que Deus é todo-bondoso tanto quanto todo-poderoso. Por isso, não é uma boa estratégia tentar modificar a crença cristã para torná-la mais palatável diante do problema do mal — até porque Epicuro já mostrou que tais modificações pioram ainda mais as coisas. Além do mais, modificar a crença cristã para eliminar as dificuldades do problema do mal não é apenas uma péssima estratégia, mas acima de tudo um sinal de desonestidade intelectual.

Para o cristão, faz sentido crer que o Criador do céu e da terra seja todo-poderoso. Entretanto, não basta que o Criador mantenha apenas uma relação de poder com as obras de suas mãos. O cristão professa que o Deus que cria todas as coisas deseja também uma relação amorosa com a sua criação. Aquele que foi impactado pela palavra de Deus não consegue separar, na sua crença, a bondade suprema e o poder absoluto de Deus. E exatamente porque não consegue separar ambas as realidades que o cristão se depara com a dificuldade de entender a origem do mal:

Mas de novo dizia: “Quem me fez? Porventura não foi o meu Deus, que é não apenas bom, mas o próprio bem? Donde me vem então o querer o mal e o não querer o bem? Será para haver um motivo para que eu seja castigado justamente? Quem colocou isto em mim, e plantou em mim este viveiro de amargura, embora todo eu tenha sido feito por um Deus tão doce? Se o autor é o diabo, donde veio o mesmo diabo? Mas se também ele, por uma vontade perversa, de anjo bom se tornou diabo, donde lhe veio, também a ele, a má vontade pela qual se tornaria diabo, quando o anjo, na sua totalidade, tinha sido criado por um criador sumamente bom?”. De novo me deixava abater e sufocar com estes pensamentos, mas não me deixava arrastar até àquele inferno do erro, onde ninguém te confessa, quando se julga que és tu a padecer o mal, e não o homem que o pratica. 10

Em vez de adotar uma postura cínica e simplista, que passa a régua e diz “Não há dificuldade alguma! A crença em Deus é tão simples. Os teólogos e filósofos é que complicam!”, o cristão precisa encarar com seriedade as dificuldades que o problema do mal impõe. 11 Por outro lado, soluções escapistas e demasiado retóricas, que sacrificam ou a bondade ou a onipotência divina, são insuficientes para quem foi “ferido pela palavra de Deus” (Agostinho). Qualquer solução que, diante do problema do mal, abra mão da bondade divina em favor da onipotência de Deus é tão desastrosa quanto é a solução que abre mão da onipotência divina em favor da bondade de Deus. A solução que condiz com a crença cristã é aquela que, a despeito do mal, sustenta a crença em Deus Pai todo-poderoso. Mesmo porque somente a crença em Deus pai todo-poderoso pode dar para o cristão a esperança na vitória sobre o mal, no triunfo do Bem, no Dia do Senhor, na consumação escatológica. Mas isso é matéria para outra nota.

Notas:

1 – Sobre a noção de Deus Pai como primeira pessoa da Trindade, bem como a estrutura trinitária do Credo dos Apóstolos, cf. J. N. D. Kelly. Early Christian Creeds. London: Longman, 1972, especialmente os capítulos 12 e 13.

2 – “É que nenhuma alma alguma vez pôde ou poderá conceber alguma coisa que seja melhor do que tu, que és o supremo e o melhor bem [qui summum et optimum bonum es].” Santo Agostinho. Confissões. Lisboa: INCM, 2004, p. 273 (VII, 4, 6).

3 – Cf. William L. Craig. Apologética contemporânea: a veracidade da fé cristã. São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 181.

4 – Wolfhart Pannenberg. Das Glaubensbekenntnis: ausgelegt und verantwortet vor den Fragen der Gegenwart. Gütersloh: Gütersloher Verlagshaus Mohn, 1982, p. 38-39. Veja também Franklin Ferreira. Teologia cristã: uma introdução à sistematização das doutrinas. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 74-82.

5 – Apud Pierre Bayle. Historical and critical dictionary. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1965, p. 169.

6 – Em uma conversa que tive com Franklin Ferreira, ele me disse algo bastante esclarecedor, e que reproduzo a seguir com a sua anuência: “Se, para o cristão, o problema do mal é a oportunidade do exercício da fé, em contrapartida, para o incrédulo, o problema do mal é demasiado constrangedor, na medida em que suas opções são: (1) ou a negação da existência de Deus (que reduz o mal à mera percepção humana, relativizando-o); (2) ou o panteísmo (que nega a existência do mal); (3) ou o dualismo (que sugere que o bem e o mal são equivalentes). Entendo que o problema do mal não é um dilema para o cristão, mas um exercício de fé, na medida em que esperamos o triunfo do Bem, no Dia do Senhor, na consumação escatológica.”

7 – Alvin Plantinga. God, Freedom, and Evil. Grand Rapids, Cambridge: Eerdmans, 1974, p. 2.

8 – Herman Dooyeweerd. No crepúsculo do pensamento. São Paulo: Hagnos, 2010, p. 255.

9 – João Calvino designa essa ação do Espírito, que coloca o homem diante de Deus, de testimonium internum Spiritus Sancti (testemunho interno do Espírito Santo) [Institutas, 1.7.4-5; 3.2.33]. Calvino entende que, para o homem ouvir a voz divina, não basta Deus falar. A razão é simples. O homem é, por natureza, surdo para ouvir a voz de Deus e cego para enxergar a verdade revelada. Por isso, antes de ouvir, ele precisa ser curado de sua surdez; antes de ver, ele precisa ser curado de sua cegueira. Nas palavras de Calvino, “a palavra de Deus é semelhante ao sol: ilumina a todos a quem é pregada, mas não produz fruto entre os cegos. E, nessa parte, todos nós somos, por natureza, cegos. Por isso, não pode penetrar em nossa mente, a não ser pelo acesso que lhe dá o Espírito, esse mestre interior, com sua iluminação” [Institutas, 3.2.34]. Cf. João Calvino. A instituição da religião cristã. Tomo II. São Paulo: Unesp, 2009, p. 58-59.

10 – Santo Agostinho. Confissões. Lisboa: INCM, 2004, p. 273 (VII, 4, 6).

11 – Sobre essa atitude cínica e simplista, C. S. Lewis diz: “Pois bem, então o ateísmo é simplista. E vou lhes falar de outro ponto de vista igualmente simplista que chamo de ‘cristianismo água com açúcar’. De acordo com ele, existe um bom Deus no céu e tudo o mais vai muito bem, obrigado – o que deixa completamente de lado as doutrinas difíceis e terríveis a respeito do pecado, do inferno, do diabo e da redenção. Os dois pontos de vista são filosofias pueris. Não convém exigir uma religião simples. Afinal de contas, as coisas no mundo real são complexas. Parecem simples, mas não são”. Cristianismo puro e simples. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 53-54.


Autor: Jonas Madureira

Jonas Madureira(PhD) é pastor da Igreja Batista da Palavra em São Paulo e Editor Chefe da Edições Vida Nova. É bacharel em Teologia pelo Betel brasileiro e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; bacharel e mestre em Filosofia pela PUC-SP e doutor em Filosofia pela USP e pela Universidade de Colônia, na Alemanha. É professor de Teologia no Seminário Martin Bucer e de Filosofia na Universidade Mackenzie; é autor de Inteligência Humilhada, publicado por Edições Vida Nova, e de O Custo do Discipulado, publicado pela Editora Fiel.

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