Certa vez, disse a um astro do rock cristão britânico que gostei de sua roupa íntima. Bem, eu não quis dizer isso. Queria dizer que ele estava usando calças muito legais. Mas o que eu não sabia era que a palavra em inglês “pants” tem um significado diferente quando dita na Inglaterra e quando dita nos Estados Unidos.
Antes do lançamento do primeiro álbum de músicas do meu grupo ZOEgirls, fui convidada a atravessar o Oceano Atlântico para participar de uma festa em homenagem a uma banda de rock de sucesso que havia emplacado vários hits nos Estados Unidos. Iríamos nos encontrar em um típico chá britânico, com scones e creme devonshire — seria tudo muito sofisticado. Assim que cheguei, como esperado de uma introvertida incorrigível, já fiquei nervosa com toda a interação social que estava por vir. Haveria socialização, conversas banais e perguntas superficiais — o trio dos meus maiores pesadelos.
Nosso luxuoso carro de passeio (já mencionei que tudo era sofisticado?) parou em um pequeno estúdio de gravação, que parecia ser o único prédio em quilômetros ao longo do exuberantemente verde do interior da Inglaterra. Minha ansiedade aumentava à medida que eu percebia que iria realmente conversar com essas pessoas. Essa banda tinha literalmente orquestrado a trilha sonora da minha juventude, e eu não tinha ideia do que dizer quando me encontrasse com eles.
Sou a única introvertida que confabula planos evasivos em festas? Os meus são mais ou menos assim: primeiro, chego e encontro um banheiro; em seguida, entro nele e fico lá uns minutinhos para avaliar as minhas opções e planejar meu próximo passo. Depois, dou uma espiada pela porta à procura de onde possam estar sendo servidos doces ou um café. Então, saio do banheiro e gasto um tempo ridiculamente longo me servindo de café e contemplando sobremesas. Na melhor das hipóteses, a essa altura eu já teria me convencido a me colocar na posição de uma mulher crescida e agir como um ser humano maduro. Mas esse não foi o caso dessa vez. Meu plano evasivo foi imediatamente frustrado, porque o vocalista da banda foi a primeira pessoa que encontrei ao entrar pela porta da frente. Não havia nada entre nós além de uma mesa de aperitivos. Emocionada e atordoada, fui incapaz de pensar em algo que uma pessoa normal deveria dizer, então escapou da minha boca um: “Gostei da parte debaixo!” (em minha defesa, eram calças boca-de-sino aveludadas muito elegantes no estilo Mick Jagger do início da década de 70). Seus olhos ficaram arregalados e surgiu um sorriso de piedade no rosto dele, o que me fez perceber que eu havia cometido um erro terrível. “Calças”, ele disse, “nós chamamos de calças”. Ele lidou de maneira bem espirituosa com a situação. Mas agora, depois de acidentalmente assediar meu cantor cristão preferido, eu obviamente teria que pedir demissão e me mudar para o Canadá.
Naquele momento, percebi que palavras e seus contextos são elementos cruciais na comunicação. O que eu defini como “parte debaixo” das roupas, ele entendia como “parte por baixo” das roupas. Uma palavra, dois conceitos diferentes. Mas nem é preciso viver em continentes diferentes para haver falhas de comunicação.
Salada de palavras
Com a constante evolução das palavras no que se refere a significado e definição, esse tipo de confusão pode acontecer até mesmo entre pessoas que foram criadas na mesma rua. Por exemplo, considere a palavra “tolerância”. Anos atrás, “tolerância” significava que, mesmo ao discordar da opinião de alguém, você respeitaria o direito dessa pessoa de se expressar e não reagiria com violência ou abuso. Entretanto, não é esse o conceito que a maioria das pessoas têm em mente quando se usa essa palavra hoje em dia. Em nossa cultura, tolerância significa com frequência celebrar e afirmar a opinião de alguém e nunca sugerir que essa pessoa possa estar explicitamente errada sobre nada — principalmente quando se trata de moralidade ou religião. Mas esse emprego moderno do termo “tolerância” não é apenas uma redefinição, é um uso exatamente oposto ao que a palavra de fato representa. Não se pode tolerar uma pessoa a menos que você discorde dela! Essa definição atualizada priva as pessoas de ter opiniões verdadeiras… pelo menos as que se permite dizer em voz alta. Ao escrever sobre os sete pecados capitais, a escritora inglesa Dorothy Sayers observou que um sinônimo para o pecado capital da preguiça (apatia) é a tolerância:
No mundo, é chamado de tolerância; mas, no inferno, o nome é desespero […] o pecado de não acreditar em coisa alguma, de não se importar com nada, de não buscar conhecer coisa nenhuma, de não interferir, não apreciar nada, não amar nada, não odiar nada, não achar propósito algum, viver por nada e permanecer vivo apenas porque não tem nenhuma causa pela qual morrer.[i]
Mas “tolerância” não é a única palavra que passou por uma modernização. Palavras como “amor, ódio, intolerante, masculino, feminino, opressão, justiça e verdade” — muitas das quais falaremos neste livro — estão todas sendo incessantemente remodeladas. Então, você consegue imaginar a confusão que pode acontecer quando as pessoas não definem com cuidado seus termos? Podemos acabar dando voltas e voltas em um assunto e nunca chegar a um consenso pelo simples fato de não termos prestado atenção no real sentido de nossas palavras.
Em Mama bear apologetics: empowering your kids to challenge cultural lies, Hillary Morgan Ferrer se refere a esse fenômeno como “roubo linguístico”, o qual ela descreve como um “sequestro proposital de palavras, em que suas definições são alteradas e, em seguida, as mesmas palavras são usadas como ferramenta de publicidade”[ii]. Eu diria ainda que, em alguns casos, esses roubos linguísticos ocorrem sem intencionalidade. Quando falhamos em sermos cuidadosos com nossas palavras, elas podem sofrer
mutação conforme são usadas, e podemos inconscientemente adotar um vocabulário totalmente novo sem nem perceber. Ferrer define cinco maneiras como o roubo linguístico enfraquece a comunicação efetiva:
1. Pode travar uma conversa (apenas rotule a ideologia contrária à sua de “discurso de ódio” e a discussão estará encerrada).
2. Pode levar as pessoas a agirem sem pensar e gerar problemas ao longo do caminho (esqueça essa história de analisar todas as variáveis, todos os fatos)… mergulhe em qualquer que seja a onda do dia que sinalize virtudes no Twitter e assim você não será cancelado).
3. Pode obscurecer as especificidades (quem precisa investigar em que uma organização em particular acredita e investe desde que pareça uma boa causa?).
4. Pode pressupor sempre o pior da oposição (pense no Twitter em 2020, quando todos de quem você discordasse te consideravam um Hitler).
5. Por fim, pode apresentar o negativo como positivo, ou o positivo como negativo (considere os termos “direito de escolha” e “justiça reprodutiva”; eles soam bem, certo? São expressões positivas usadas para afastar as pessoas da terrível realidade do aborto e fazê-las sentirem-se virtuosas pelo ativismo pró-aborto)[iii].
Babel ou balbucio?
Esses são apenas alguns exemplos da complicada relação que nós, seres humanos, temos com a linguagem. E isso tudo me faz lembrar de uma história bíblica que todos crescemos ouvindo.
“Ora, em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de falar”, nos conta Gênesis 11.1. Há muito tempo, as pessoas acreditavam que eram grandiosas, então migraram do leste, fundaram uma cidade e começaram a construir uma torre com o objetivo de alcançar os céus. Mas esse arranha-céu não resultou de uma busca humilde por adoração a Deus. Os que se reuniram para essa obra tinham a intenção de se tornarem seus próprios deuses. “Tornemos célebre o nosso nome”, diziam eles (v. 4). Mas Deus estava mais para algo do tipo “Hoje não, Satanás!”. Então, ele confundiu as suas línguas e os dispersou dali pela superfície da terra (vv. 7-8). E, em um instante, o pequeno projeto de construção deles foi abandonado.
Eles queriam tornar seus nomes conhecidos porque temiam ser “espalhados por toda a terra” (v. 4). Ironicamente, foi exatamente o que veio a acontecer. Mas por qual razão Deus os culparia por terem se reunido, vivido e trabalhado em paz e harmonia, se comunicando perfeitamente e estabelecendo metas de vida que fariam Elon Musk parecer um preguiçoso desocupado? Eu detesto ser a portadora das más notícias, mas paz e harmonia nem sempre são as mais célebres das virtudes.
Veja bem, a questão em Babel não foi o quão boas as pessoas eram ao trabalhar em equipe. A questão é que aquele trabalho em equipe tinha propósitos nefastos. É semelhante a quando meus filhos eram mais novos e certa vez ficaram em paz um com o outro por completos 15 minutos. Eles se enfiaram em um dos quartos e a casa toda ficou em silêncio. Eu mal soube o que fazer com o “tempo de autocuidado” que aquela pequena reunião harmoniosa me proporcionou. Antes que eu pudesse me decidir, eles ressurgiram com desenhos traçados com caneta permanente em seus rostos e coloridos com uma tinta que também estava espalhada por seus cabelos e suas roupas. Nem preciso dizer que esfreguei sabão neles e coloquei cada um em um canto diferente da casa. Sabe-se lá o que eles teriam feito com mais tempo, recursos e experiência em habilidades comunicativas. Semelhante ao que pais fazem com crianças arteiras, Deus dissocia pessoas para o bem delas mesmas.
Mas a gente nunca aprende, não é mesmo? Parece que estamos dando continuidade ao nosso antigo projeto de construção. Em tempos antigos, se usava tijolos e argamassa. Hoje, usamos computadores, celulares e mídia social na tentativa de unir o mundo. Recursos diferentes, mesmos resultados. Entretanto, ao invés de uma torre para chegar aos céus, construímos uma sociedade online e um sistema de distribuição de mídia em massa que tem proliferado imoralidade sexual, autoadoração, discórdia e desinformação, com profetas de fachada a ensinar todo tipo de enganação.
E nossa linguagem está confusa. Nunca estamos na mesma página, damos significados diferentes para as palavras, atribuímos valor para conhecimento e intenção de maneiras diferentes, evitamos a lógica, celebramos todos os pontos de vista como igualmente válidos (exceto os de tradição cristã). É como se estivéssemos dispersos e confusos tal qual o mundo pós-Babel, enquanto ainda estamos juntos no mesmo ponto caótico pré-Babel online. E essa é a razão pela qual nunca foi tão difícil viver como uma pessoa dedicada à verdade. Se vamos ser pessoas que buscam a verdade, precisamos ter propósito e intencionalidade, com pele grossa e dura como unhas.
O poder das plataformas de mídias sociais é um eco moderno de um erro arcaico. Embora as mídias sociais possam fazer um monte de coisas boas, esse fenômeno tem também criado uma legião de autointitulados professores bíblicos e blogueiros que pastoreiam milhões de seguidores. Muitas dessas personalidades passaram pelo cristianismo progressivo e agora lideram seus rebanhos para longe do evangelho histórico. De fato, minha própria crise de fé aconteceu quando participei de uma aula especial do pastor de minha antiga igreja, o qual questionava a doutrina cristã naquele momento. Felizmente, ao longo de vários anos, Deus reconstruiu minha fé enquanto eu estudava os argumentos para a sua existência e a veracidade do cristianismo, examinava a história da igreja, lia os clássicos dos primeiros pais da igreja e aprendia diretamente com as Escrituras e especialistas em conhecimento bíblico.
Percebi que os livros best-sellers, os podcasts e os blogs dos que abandonaram o cristianismo histórico pregam o evangelho do “eu”. Sem dúvida, muitas das mentiras das quais vamos tratar neste livro começam com a introdução do “eu”: para ser autêntico, eu devo me pertencer. Para ser feliz, eu devo me colocar em primeiro lugar. Para ser realizado, eu devo ser autossuficiente. Para ser bem-sucedido, eu devo controlar meu próprio destino. Todas essas ideias são construídas a partir de um mesmo ponto: o eu. Mas à medida que olharmos para cada mentira, veremos que o “eu” é um fundamento defeituoso. É uma estrutura com fissuras. Quebrada. Qualquer coisa que construirmos sobre isso estará vulnerável à mais recente afirmação positiva que soar como certa naquele momento. Na melhor das hipóteses, poderá nos levar a uma busca infrutífera por respostas. Na pior delas, pode nos lançar à ruína. Por isso é tão vital para os cristãos garantirem que suas bases estejam fundamentadas em Cristo e não em nós mesmos.
Viver a sua verdade versus viver a verdade. É uma grande diferença. O chamado para ser verdadeiro apenas com seus próprios sentimentos e desejos é exatamente o oposto dos ensinamentos de Jesus e da fé cristã histórica. É fácil direcionar as pessoas para elas mesmas. Sempre haverá mercado para isso. É o que amamos! Amamos falar sobre nós, focar em nós mesmos, nos mimar e adorar a nós mesmos. Isso tudo está relacionado à irritante natureza pecaminosa sobre a qual falaremos no capítulo 4. Mas nós não fomos criados para adorar a nós mesmos. Fomos criados com um propósito diferente… o de glorificar a Deus e desfrutá-lo eternamente.[iv] Qualquer coisa que nos distraia disso não nos fará felizes. Deus é nosso criador, e ele sabe o que verdadeiramente nos trará paz, alegria e felicidade. E, adivinha? Não é um espelho ou um bastão de selfie. É ele próprio.
Entender nosso propósito como seres humanos requer de nós um comprometimento com a verdade absoluta. Será preciso aprender habilidades de pensamento crítico e analisar com cautela o que as palavras significam. Mas também requer de nós um “desaprender”. Nós devemos repensar como temos sido doutrinados ao cantar com a Pequena Sereia a canção de quando ela finalmente ganha pernas, um príncipe e tudo com o que ela sempre sonhou. Eu amo os filmes da Disney tanto quanto qualquer pessoa, mas Ariel triunfou depois de desobedecer a seu pai e decidir viver sua própria verdade. Essa é uma mensagem confusa de transmitir para pessoas que ainda não tem o lobo frontal totalmente desenvolvido. Afinal, como vamos descobrir em breve, a “sua verdade” é tão mítica quanto o tridente mágico do Rei Tritão e todo o reino de Atlântida, onde ele e Ariel vivem.

Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Não é errado se me faz feliz : e outros enganos desta geração, de Alisa Childers, em breve pela Editora Fiel.
[i] Dorothy Sayers, Letters to a diminished church: passionate arguments for the relevance of Christian doctrine (Nashville: W Publishing Group, 2004), p. 98 [edição em português: Cartas a uma igreja acanhada (Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2022)].
[ii] Hillary Morgan Ferrer, ed., Mama bear apologetics: empowering your kids to challenge cultural lies (Eugene, OR: Harvest House, 2019), p. 63; [edição em português: Apologética da mamãe ursa: empoderando seus filhos para enfrentarem as mentiras da nossa cultura (São Bernardo do Campo: Editora Trinitas, 2023)].
[iii] Ferrer, Mama bear apologetics, p. 65–69.
[iv] “Question 1: What is the chief end of man?”, in The Westminster shorter catechism with Scripture proofs (Edinburgh: Banner of Truth, 1998) [edição em português: Pergunta 1: Qual é o fim principal do homem?, em Breve catecismo de Westminster: 107 perguntas com respostas e referências bíblicas, 6. ed. (São Paulo: Cultura Cristã, 2022)].
