Nós somos pechincheiros inveterados. Somos adeptos da arte de barganhar. Romanos 1 nos ensina que, em nossa condição caída, todos nós negamos o Deus que sabemos existir. Nós sabemos que somos culpados diante dele, mas nós suprimimos essa verdade pela injustiça. Todavia, nós não queremos ser completa e definitivamente egoístas, absolutamente desenfreados. Então, nós nos sujeitamos a diversas criaturas, deuses que nós mesmos criamos. Nós estamos dispostos a ter alguém que chamemos de Deus, desde que isso mantenha o Deus vivo em xeque. Estamos dispostos a admitir alguma medida de culpa – “ninguém é perfeito” – a fim de evitarmos penetrar na plenitude da nossa perversidade. E estamos dispostos a temer alguns inconvenientes menores, desde que isso nos mantenha longe do terror.
Quando Jesus pregou o seu Sermão do Monte, ele tratou a sua audiência como se composta de crentes. Ele disse aos que estavam reunidos que eles eram a luz do mundo e o sal que preserva o mundo. Os descrentes, contudo, não deixaram de ser abordados. Ao ordenar que os crentes deixassem de lado seus ínfimos temores e abraçassem uma paixão resoluta pelo reino de Deus, ao repreender os que estavam ajuntados por se preocuparem com o que haveriam de comer e o que haveriam de vestir, ele disse: “Porque os gentios é que procuram todas estas coisas” (Mateus 6.32).
Esse preocupar-se é, também, barganhar. É uma tentativa de silenciar aquele temor horripilante, trocando-o por um temor meramente incômodo. É uma grande vitória poder suspirar, com alívio, depois de honestamente perguntar-se: “Qual a pior coisa que poderia acontecer?”. Se eu não tiver o bastante para comer, isso poderia ser ruim, sob certa perspectiva. Se eu não tiver nada para vestir, isso também poderia ser ruim, sob certa perspectiva. Qualquer uma dessas privações poderia, no máximo, levar-me à morte, por inanição ou por exposição a intempéries. Parece que, em nossos dias, isso está na raiz de nossos temores. Nós vivemos em uma cultura em que a morte é vista como uma opção a ser retardada. Exercícios, dietas, cirurgias, cosméticos e Photoshop são as ferramentas de trabalho pelas quais nós desviamos os nossos olhos da verdade de que estamos morrendo.
Nós não chegamos, contudo, ao fim da nossa barganha. Nós preferimos nos preocupar com o que comeremos ou vestiremos a nos preocupar com a morte. Mas nós preferimos nos preocupar com a morte a nos preocupar com o inferno. Afinal de contas, a morte acontece apenas uma vez, e acabou. O inferno, por outro lado, é para sempre. Eu diria que, muito mais aterrorizante do que a dor do inferno, é a sua duração. Uma grande medida de dor por um tempo relativamente curto é menos do que uma dor que dura para sempre. O que deveria preocupar os descrentes não é aquele que pode matar o corpo, mas aquele que pode matar tanto o corpo como a alma (Mateus 10.28).
Isso, por outro lado, deveria nos ensinar pelo que deveríamos ser mais gratos. Esse grande temor já não está diante daqueles que confiam somente na obra consumada de Cristo. O que nós estamos fazendo, desperdiçando nosso tempo preocupando-nos com os temores barganhados dos gentios, quando nós já estamos livres do seu supremo temor? Por que nós deveríamos nos preocupar com o que comeremos, quando nos fartamos no corpo e no sangue de nosso Senhor? Por que deveríamos nos preocupar com o que vestiremos, quando estamos vestidos da sua justiça?
O inferno, contudo, não deveria sair de nosso radar, ainda que não mais precisemos temê-lo. Primeiro, nós somos chamados a constantes agradecimentos e ações de graças pelo fato de que jamais experimentaremos o inferno. Somos chamados a lembrar-nos de que, na cruz, Cristo desceu ao inferno por nós, de que ele recebeu toda a ira e o furor do Pai que eram devidos a nós por nossos pecados. Mas, em segundo lugar, o inferno não desapareceu. Por que nós estamos preocupados com o que comeremos ou vestiremos, enquanto há pessoas lá fora que terminarão no inferno, a menos que se arrependam, mas que estão preocupadas apenas com o que comerão ou vestirão? Já é ruim o suficiente que os que desejam negar que o inferno exista se preocupem com bobagens. Quão pior é que nós, os quais afirmamos a realidade do inferno, nos preocupemos com bobagens?
Quando nós buscamos em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, não estamos meramente buscando passar pelos portões antes que eles fechem. Não é meramente a nossa entrada que buscamos, ao buscarmos o reino. Em vez disso, nós estamos envolvidos no projeto de ver a glória do reinado de Cristo sobre todas as coisas ser conhecida por todo o globo. O que significa que nós buscamos o reino ao buscarmos ser usados pelo Rei para ajuntar os eleitos dos quatro cantos do mundo. Nós buscamos o reino ao proclamarmos as boas novas a um mundo perdido e moribundo. Nós buscamos o reino quando o Espírito nos usa para tirar os tições não apenas do fogo, mas do fogo que nunca se apaga.
Nenhum de nós está consciente o bastante do inferno. Se estivéssemos, seríamos marcados tanto por gratidão como por urgência: gratidão pelo nosso próprio resgate, trabalhando com urgência para o resgate de outros. O inferno é real, e o inferno é para sempre.