quinta-feira, 28 de março

Cristologia ortodoxa: pentateuco (2/5)

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Muitas pessoas, quando ouvem o nome de Jesus Cristo, supõem que Cristo é o sobrenome de Jesus, assim como Silva, Santos ou Pereira. Porém, a palavra Cristo, em português, é simplesmente uma transliteração da palavra grega christos, que foi usada na tradução grega do Antigo Testamento hebraico para traduzir a palavra Mashiach ou Messias. Assim, quando ouvimos o nome “Jesus Cristo”, não devemos pensar em Cristo como um sobrenome, mas como um título. Quando dizemos “Jesus Cristo”, estamos dizendo “Jesus Messias”.

Saber isso nos ajuda a entender como podemos falar de uma “cristologia” do Antigo Testamento, apesar de o próprio Jesus Cristo não aparecer em carne antes dos Evangelhos do Novo Testamento. Podemos falar de uma cristologia do Antigo Testamento porque ele contém numerosas promessas, profecias, sombras e tipos que apontam adiante, para a vinda do Messias, para a vinda do Cristo. Não vamos olhar todos esses textos, mas vamos nos concentrar em alguns dos mais importantes. Se quisermos compreender quem esse Messias é, devemos ter alguma compreensão desses textos.

Gênesis 3

O primeiro indício de um tema messiânico no Antigo Testamento vem nos desdobramentos trágicos da queda. Adão e Eva confiaram na palavra da serpente ao invés da Palavra de Deus, e a resposta de Deus é rápida. Depois de confrontar o homem e a mulher, e ambos tentarem transferir a culpa (Gn 3.8-13), Deus pronuncia seu julgamento em primeiro lugar sobre a serpente, em seguida, sobre a mulher, e, finalmente, sobre o homem (vv. 14-19). Deus pronuncia uma maldição sobre a serpente (v. 14), mas no processo de pronunciar essa maldição, faz uma promessa que dá à humanidade motivo para ter esperança. A queda do homem resultou na necessidade de redenção divina, uma necessidade de que Deus imediatamente trata. À serpente ele diz:

“Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (v.15).

Este verso tem sido chamado muitas vezes de “protoevangelho”, ou de primeiro evangelho. É a graça e a misericórdia em meio à rebelião. Deus promete que haverá uma longa batalha entre o bem e o mal, com a descendência (ou semente) da mulher finalmente triunfando. Como o restante do Antigo e Novo Testamentos tornará claro, esse triunfo chegará através e na pessoa do Messias, Jesus Cristo.

A Aliança Abraâmica

O fio condutor da história patriarcal (Gn 12-50) são as graciosas promessas de bênçãos que Deus faz, promessas que são dadas primeiro a Abraão, depois a Isaque e, por fim, a Jacó. Nunca é demais enfatizar a importância dessas promessas para a compreensão do restante da Escritura.

O chamado de Abrão em Gênesis 12.1-9 é um ponto crucial na história da redenção. Enquanto Gênesis 1-11 concentra-se principalmente nas terríveis consequências do pecado, as promessas de Deus a Abrão em Gênesis 12 concentram-se na esperança de redenção, da restauração da bênção e da reconciliação com Deus. Deus vai lidar com o problema do pecado e do mal, e estabelecerá seu reino na Terra. A forma com que ele fará isso começa a ser revelada em suas promessas a Abrão.

A seção chave de Gênesis 12.1-9 é o chamado explícito de Deus a Abrão encontrado nos versos 1-3:

“Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra”.

O tema do chamado de Deus a Abrão é evidente na repetição quíntupla dos termos-chave abençoar e bênção. O pecado do homem resultou na maldição divina (Gn 3.14,17; 4.11; 5.29; 9.25), mas aqui Deus promete formar um povo para si e restaurar seus propósitos originais de bênção para a humanidade (cf. Gn 1.28). Abrão será de alguma forma o mediador dessa bênção restaurada.

O chamado de Deus a Abrão contém quatro promessas básicas: (1) descendência, (2) terra, (3) a bênção do próprio Abrão e (4) a benção das nações através de Abrão. A promessa de bênção às nações da terra é fundamental. A bênção de todas as famílias da terra é o propósito principal por trás do chamado de Deus a Abrão. Sua vocação e as promessas que lhe são dadas não são um fim em si mesmas. A Abrão são prometidas descendência, uma terra e bênção pessoal a fim de que ele possa ser o mediador da bênção de Deus a todas as famílias da terra. Como o restante do Antigo Testamento tornará claro, esta bênção virá através do estabelecimento do reino de Deus, sob o Messias de Deus.

Gênesis 49

Ao se aproximar de sua morte, Jacó chama seus filhos para junto de si para anunciar suas últimas palavras a respeito deles (Gn 49). Jacó diz a seus filhos, neste momento: “Ajuntai-vos, e eu vos farei saber o que vos há de acontecer nos dias vindouros” (v. 1). O significado do termo “dias vindouros” ou “últimos dias” (cf. Nm 24.14), deve ser determinado pelo seu contexto. Em geral, ele fala de um tempo futuro indeterminado. Jacó fala com todos os seus filhos, mas suas palavras para Judá são as mais significativas para a cristologia do Antigo Testamento. As palavras de Jacó para Judá antecipam a ascensão do rei davídico, e muito mais.

Em Gênesis 49.10, Jacó diz: “O cetro não se arredará de Judá, nem o bastão de entre seus pés, até que venha Siló; e a ele obedecerão os povos”. Este versículo é considerado por alguns como a primeira profecia messiânica explícita no Antigo Testamento. A tradução precisa das palavras “até que venha Siló” é debatida por causa da ambiguidade do hebraico, mas há um consenso geral de que a profecia está apontando para o surgimento da monarquia davídica. O ponto principal das palavras de Jacó a Judá é que o cetro, um símbolo da realeza, pertenceria à tribo de Judá até que viesse aquele a quem realmente pertence a posição real. No Antigo Testamento, esta profecia é inicialmente cumprida por Davi. No Novo Testamento, ela é total e finalmente cumprida por Jesus Cristo, filho de Davi e Leão da tribo de Judá (cf. Mt 1.1; Ap 5.5).

Êxodo

Em sua primeira epístola aos Coríntios, o apóstolo Paulo diz aos seus leitores que “Cristo, nosso cordeiro pascal, foi imolado” (1Co 5.7). Nós encontramos o pano de fundo para essa expressão no livro do Êxodo. Em Êxodo 12, Deus dá a Moisés as instruções para a cerimônia da Páscoa, que distinguirá Israel do Egito. Deus diz a Moisés que esse mês seria agora o primeiro mês do ano para Israel (v. 2). Essa noite celebrará o nascimento de Israel como uma nação. Cada família deve tomar um cordeiro sem defeito e mantê-lo até o dia catorze do mês, quando então deve ser imolado (v. 3-6). O sangue do cordeiro deve então ser colocado nos umbrais e na verga da porta das casas, e as famílias das casas devem comer a carne do cordeiro assada (v. 7-11). Deus diz a Moisés que naquela noite ele passará pelo Egito e ferirá os primogênitos dos egípcios, mas passará por cima das casas marcadas com o sinal do sangue do cordeiro (v. 12-13). O cordeiro da Páscoa torna-se um substituto para Israel, o filho primogênito de Deus (cf. 4.22). Como tal, é um tipo do Messias vindouro, que também morre como um substituto de seu povo.

Levítico

A relevância messiânica do Levítico pode não parecer evidente à primeira vista, mas quando lembramos que o Novo Testamento descreve Cristo como nosso sumo sacerdote (Hb 8-9), e como sacrifício definitivo pelo pecado (Hb 10), a relevância do Levítico se torna mais evidente. A santidade requerida do povo de Deus é elaborada no livro de Levítico, onde as leis a respeito dos sacrifícios e do sacerdócio são dadas em detalhe. Sacrifícios forneciam um meio para a purificação do povo de Israel quando cometiam pecado, e os sacerdotes que ofereciam esses sacrifícios se colocavam como mediadores entre Deus e seu povo. Tanto o sacerdócio quanto os sacrifícios apontavam para uma realidade maior que viria na pessoa e obra de Jesus, o Messias.

Números 24

Uma das mais intrigantes profecias messiânicas é encontrada em Números 22-24, na história de Balaão. A esta altura da história, Israel está acampado nas planícies de Moabe e Balaque, rei de Moabe, está tomado de medo (22.1-4). Como resultado, ele convoca Balaão, um profeta pagão da Mesopotâmia, para amaldiçoar os israelitas (v. 5-8). Deus, porém, não permite que Balaão amaldiçoe Israel, mas ordena-lhe que ao invés disso abençoe Israel. Nos capítulos 23-24, para desgosto de Balaque, Balaão profere quatro oráculos de bênção sobre Israel. O quarto oráculo é particularmente notável. Balaão prevê a vinda de um rei; mas essa vinda não será imediata: “Vê-lo-ei, mas não agora; contemplá-lo-ei, mas não de perto” (24.17). O rei vindouro é descrito como uma estrela que procede de Jacó e um cetro que sobe de Israel (v. 17; cf. Gn 49.10). Esse rei derrotará completamente seus inimigos (v. 18). Essa profecia encontraria seu cumprimento inicial no reinado de Davi, mas seu cumprimento final aguardaria a vinda do Messias.

Deuteronômio 18

O estabelecimento do ofício profético é o assunto de Deuteronômio 18.15-22. Depois de proibir determinados caminhos para tentar conhecer a vontade de Deus (v. 9-14), Moisés passa a explicar a natureza da profecia, o meio legítimo pelo qual Deus iria comunicar a sua palavra a seu povo (v. 15-22). Ele declara ao povo: “O SENHOR, teu Deus, te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás” (v. 15). Aqui, Deus provê a continuação do ofício profético após a morte de Moisés.

É importante lembrar, no entanto, que Moisés foi único entre os profetas, enquanto ministro da aliança de Deus (Nm 12.6-8; Dt 34.10–12). Como veremos, a mensagem dos profetas posteriores estava fundamentada na aliança mediada por Moisés. Jeffrey Niehaus explica:

“O ministério profético era de dois tipos: o profeta como mediador da aliança (apenas Moisés); e o profeta como mensageiro de ações judiciais pactuais (profetas posteriores). Deus havia levantado o profeta Moisés para mediar a sua aliança com Israel; levantaria também outros profetas para levarem processos judiciais pactuais, isso é, para chamar o povo à obediência à aliança, ou para anunciar punições pactuais decorrentes de sua desobediência”.

A promessa que Deus levantaria outro profeta como Moisés foi posteriormente entendida pelos israelitas com uma profecia messiânica (Jo 1.21,45; 6.14; 7.40). Em última análise, essa promessa profética aponta para Jesus, o único mediador da nova aliança (cf. At 3.20-22).

Conclusão

Este breve exame de determinados textos messiânicos no Pentateuco não pretende, de forma alguma, ser definitivo. Jesus indica que a totalidade do Antigo Testamento se refere a ele (Lucas 24.27). Nós apenas arranhamos a superfície. Em nosso próximo texto, vamos olhar para várias profecias e promessas nos livros históricos, nos Salmos e nos Profetas.

O Senhor disse ao meu Senhor:

Assenta-te à minha direita,
Até que eu faça de teus inimigos estrado,
Onde apoie teus pés.

O Senhor de Sião enviará
a vara de seu grande poder,
Em meio a todos os teus inimigos
Tu serás o governador.

Um povo disposto, em teu dia
De poder virá a ti,
Em santa beleza desde o ventre de manhã;
sua mocidade será como o orvalho.

O próprio Senhor fez um juramento,
e dele nunca se arrependerá,
Da ordem de Melquisedeque
Tu és sacerdote para sempre.

O glorioso e poderoso Senhor,
que senta à tua mão direita,
Irá, em seu dia de ira, ferir
os reis que lhe resistirem.

Ele julgará entre os pagãos,
ele irá de cadáveres
lugares encher: sobre muitas terras
ele ferirá muitas cabeças.

O riacho que corre no caminho
com bebida o suprirá;
E, por esta causa, em triunfo,
sua cabeça ele levantará.


Autor: Keith Mathison

Dr. Keith Mathison é editor associado da Tabletalk magazine, deão e professor de Teologia Reformada na Reformation Bible College em Sanford, Florida e autor do livro From Age to Age: The Unfolding of Biblical Eschatology.

Parceiro: Ministério Ligonier

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