A frase deve ter se repetido na mente de Adão depois que ele deu a sua primeira mordida no fruto proibido: “No dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17). Aquele foi o dia em que ele comeu, então aquele era o dia em que ele certamente morreria. Eu não posso imaginar o terror que Adão sentiu quando buscou algumas folhas de figueira para servir como roupas improvisadas. Adão estava agora no intervalo antes de sua inevitável punição. O dia do julgamento havia chegado.
Enquanto Deus introduziu a justiça terrena naquele dia, ele também restringiu o peso total de seu julgamento e concedeu a Adão e ao mundo, agora pecaminoso, uma sentença atrasada. Seu atraso misericordioso do julgamento final estabeleceu um padrão gracioso, mas às vezes frustrante, para nossa batalha entre o pecado e a justiça — nem todo mal terreno verá uma resposta terrena e justa.
Na medida em que Deus reteve a morte imediata quando Adão engoliu aquela primeira mordida do fruto proibido, ele lhe mostrou mais duas novas ideias: graça e misericórdia. O oposto da justiça é a injustiça, mas o complemento à justiça é a misericórdia. Tanto a justiça quanto a misericórdia fluem do bom caráter de Deus, e no dia em que a criação precisou de misericórdia para sobreviver, Deus prometeu um Salvador (Gn 3.15).
Mas como conhecemos o caráter de Deus? Quando os céticos apontam para o mundo e declaram que as coisas não são como deveriam, os crentes podem gritar um “Amém!” animado. Mas quando o cético aponta o alto e acusa Deus de injustiça e transgressão, o cético e o crente devem seguir diferentes caminhos doutrinários.
Poucos céticos afirmam simultaneamente (1) “Deus existe” e (2) “o deus em quem eu genuinamente creio é injusto”. As acusações tipicamente vêm daqueles que esperam expor um choque entre a existência de Deus e as tragédias injustas. Mas existe uma diferença essencial entre a responsabilidade do homem sob a lei de Deus e o relacionamento de Deus com as leis que ele cria e revela. As leis criadas são divinamente elaboradas para circunstâncias particulares, terrenas e às vezes temporárias. Deus não é responsável por alguma “lei” superior separada de sua natureza. O cético que responsabiliza Deus pelas leis que ele criou fatalmente não entende a relação Criador-criatura.
E quanto ao cético que observa injustiças na Bíblia? Como a natureza perfeita e justa de Deus se harmoniza com todos os tipos de histórias e eventos nas Escrituras em que o povo de Deus — e até mesmo o próprio Deus — parece aprovar ou comandar injustiças?
O Antigo Testamento se desenrola no primeiro ato da batalha pela justiça definitiva. Como o dia do julgamento foi adiado depois do Éden, a injustiça frequentemente prosperaria. Deus derrubou apenas sombras temporais e terrenas do julgamento final pendente. Compare as narrativas de conquista em Josué com qualquer capítulo do Apocalipse. Josué parece manso comparado aos dragões, bestas e fogo do Apocalipse. Embora o Apocalipse entregue sua mensagem em símbolos velados e imagens fantásticas, a mensagem não é apenas para exibição — o mundo terminará violentamente. Antes do seu fim, o povo da aliança de Deus clama por ele para acabar com injustiças envolvendo traição, escravidão, exílio e morte. Você não pode ler os Salmos sem ecoar o que os santos do Antigo Testamento sentiram: “Meus clamores serão respondidos?”.
Alguém respondeu. Mas, de uma vez por todas, a libertação da injustiça se desdobraria em uma história de duas partes (Jo 12.31; Ap 14.7). No centro, encontramos Cristo em um monte; o segundo Adão, esperando em um jardim diferente (Getsêmani) em agonia antecipada devido ao julgamento imerecido que inevitavelmente viria de seu Pai (Lc 22.44). De todas as injustiças, as maiores, num grau infinito, ocorreram nessa misteriosa substituição — o dia do julgamento se derramou sobre Cristo, quando ele adquiriu a glória suprema para uma nova criação. A sexta-feira santa é um obstáculo a todas as tentativas simplistas de alcançar a justiça de Deus. Naquele dia, a cruz de madeira levou ao clímax o cumprimento da promessa misericordiosa de Deus ao primeiro Adão (Gn 3.15).
Três dias depois, a ressurreição de Cristo condenou a morte e o diabo à pena capital. Paulo chamou essa ressurreição inaugural de “primícias” para os crentes (1Co 15.20-23). Se Cristo é as primícias, nós somos os “próximos frutos”, esperando para nos unirmos à colheita da ressurreição no final desta fase da história.
Cristo nunca minimizou a realidade do aguilhão injusto da morte (Jo 11.35-38), mas saber como a sua história dramática termina proporciona conforto que resiste às injustiças temporais. Nossa inevitável ressurreição, e nosso novo lar nos novos céus e na nova terra, finalmente redimirão a primeira injustiça antiga sobre esta velha terra. Por enquanto, a injustiça invade e permeia o ar terrestre que respiramos. O sofrimento e a tragédia devem ser levados a sério e tratados com sensibilidade e cuidado pastoral. Mas não encontraremos soluções definitivas — nem nossa esperança definitiva — na terra. O descanso final da injustiça será encontrado em um lar novo e eterno. Nós repetimos: “Por quanto tempo, ó Senhor?”, enquanto sabemos que o nosso justo e misericordioso Salvador está preparando nosso novo lar agora mesmo (Jo 14.3) para o ato final naquele último dia.
Tradução: William Teixeira.
Revisão: Camila Rebeca Teixeira.
Original: Is God Unjust?