Artigo adaptado do livro Pregando para a Glória de Deus, de Alistair Begg, da Editora Fiel.
Nenhuma consideração quanto à natureza da pregação expositiva seria completa sem nos referirmos à cena impressionante relatada em Neemias 8.
O senso de expectativa entre aquelas pessoas era quase palpável. Seria errado ansiarmos que nosso povo se congregue para esperar pela pregação da Palavra com a mesma paixão e fome?
Esse senso de expectativa intenso está ligado inevitavelmente a um conceito elevado das Escrituras. Há uma diferença tremenda entre a congregação que se reúne em antecipação de um monólogo sobre questões bíblicas, proferido por um colega amável, e a congregação que se reúne na expectativa de que, se a Palavra de Deus é verdadeiramente pregada, a voz de Deus é realmente ouvida. Calvino expressou isto em seu comentário sobre Efésios: “É certo que, se vamos à igreja, não ouvimos um simples mortal falando, mas devemos sentir (até por seu poder secreto) que Deus está falando à nossa alma, que ele é o Mestre. Ele nos toca de tal modo que a voz humana entra em nós e nos beneficia para que sejamos fortalecidos e nutridos por ela. Deus nos chama a si como se tivesse seus lábios abertos, e o vemos ali em pessoa” (Ephesians [Edinburgh, Carlisle, Pa.: Banner of Truth, 1973], p. 42).
Em determinada ocasião, um visitante que foi à Gilcomston South Church, em Aberdeen, enquanto cumprimentava o ministro William Still, comentou: “Mas você não pregou”. Quando o pastor perguntou o que ele queria dizer, o homem respondeu: “Você apenas pegou um texto da Bíblia e explicou o que ele significa”. William Still respondeu: “Irmão, isso é pregação!”
William Still e outros semelhantes estão apenas seguindo o padrão da pregação expositiva estabelecido por Esdras e seus colegas. Aqueles homens piedosos leram o Livro de Deus e o explicaram; e o fizeram de uma maneira que as pessoas entenderam as implicações.
Como devemos fazer isto? Quais são os princípios-chave da pregação expositiva?
Começa com o Texto
A pregação expositiva sempre começa com o texto da Escritura.
Isso não significa que todo sermão começará com a frase: “Por favor, abram sua Bíblia em….” Mas significa realmente que, até quando começamos por referir-nos a algum evento atual ou à letra de um cântico contemporâneo, é o texto da Escritura que estabelece o curso do sermão. O expositor da Bíblia não começa com uma ideia ou uma grande ilustração e, depois, procura uma passagem apropriada. Em vez disso, ele começa com a própria Escritura e permite os versículos em consideração estabelecerem e estruturarem o conteúdo do sermão. Esta é a razão por que, como disse John Stott, “é nossa convicção que toda a pregação cristã verdadeira é pregação expositiva” (Between Two Worlds [Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1982], p. 125). Estamos no caminho errado se pensamos que a pregação expositiva é meramente um estilo de pregação escolhido de uma lista (tópica, devocional, evangelística, textual, apologética, profética, expositiva).
Roy Clements disse acertadamente: “A pregação expositiva não é uma questão de estilo, de maneira alguma. De fato, o passo determinante que decide se um sermão será expositivo ou não acontece, em minha opinião, antes que uma única palavra tenha sido escrita ou falada. Antes e acima de tudo, o adjetivo ‘expositiva’ descreve o método pelo qual o pregador decide o que dizer, não como dizê-lo” (The Cambridge Papers, setembro de 1998).
A exposição não é apenas proferir comentários sobre uma passagem da Escritura. Também não é uma sucessão de estudos de palavra levemente unificados por algumas poucas ilustrações. Não devemos sequer pensar na pregação expositiva em termos da descoberta e da declaração da doutrina central encontrada na passagem. Podemos fazer tudo isso sem realizarmos exposição bíblica nos termos da definição que estamos construindo.
Permanece entre dois mundos
A pregação expositiva procura fundir os horizontes do texto bíblico e do mundo contemporâneo.
Este discernimento é desenvolvido por John Stott em seu livro Between Two Worlds: The Art of Preaching in the Twentieth Century (Entre Dois Mundo: A Arte de Pregar no Século XX). Ele argumenta corretamente que é possível alguém pregar de maneira exegética e, apesar disso, falhar em responder o “e daí?” na mente do ouvinte. Os ouvintes de Esdras, por exemplo, jamais começariam a construção das cabanas se ele tivesse falhado em estabelecer a conexão entre o texto e os tempos em que viviam. A verdadeira exposição precisa ter alguma dimensão profética que deixa o ouvinte sem dúvida de que as coisas que ele acabou de ouvir são uma mensagem viva de Deus e cria nele, pelo menos, uma suspeita íntima de que o Autor o conhece.
Se assumimos o desafio de ensinar seriamente a Bíblia, temos de prestar atenção à advertência de um pregador escocês do século XX, o qual disse que é pura negligência lançar sobre as pessoas grandes porções de fraseologia religiosa de uma era passada sem ajudá-las a retraduzir a mensagem para a sua própria experiência. Isso é tarefa do pregador e não dos ouvintes, ele argumentou.
A redescoberta das obras teológicas dos puritanos é algo pelo que todos somos gratos; porém, ao mesmo tempo, a proliferação de homens jovens cuja entrega da mensagem no púlpito está mais ligada ao século XVII do que ao século XXI é causa de preocupação. No entanto, o problema é muito mais significativo no extremo oposto, quando os sermões são fundamentados abertamente nos assuntos e interesses da cultura contemporânea. Esse tipo de pregação tende a estabelecer muito rapidamente o contato com o ouvinte, mas sua conexão com a Bíblia é tão leve que falha em estabelecer a conexão entre o mundo da Bíblia e o mundo pessoal do ouvinte. A tarefa do pregador consiste em declarar o que Deus disse, explicar o significado e estabelecer as implicações práticas, para que ninguém ignore a importância do que Deus disse.
Donald Grey Barnhouse descrevia frequentemente essa tarefa como “a arte de explicar o texto da Palavra de Deus, usando toda a experiência de vida e aprendendo a ilustrar a exposição”.
Mostra Relevância
A pregação expositiva encoraja o ouvinte a entender por que uma epístola dirigida à igreja em Corinto, no século I, é importante para uma igreja em Cleveland, no século XXI.
É importante que o ouvinte não saia iludido pela maneira como o pregador lida com o texto. O pregador tem de aprender não somente a fundir os horizontes em seu ensino, mas também a fazer isso de uma maneira que as pessoas aprendam, pelo exemplo, como integrar a Bíblia à sua própria experiência. Os ouvintes enfrentam os perigos gêmeos de supor ou que as coisas recém-ouvidas são totalmente não relacionadas à situação em que vivem ou que tais coisas são imediatamente aplicáveis, ou seja, que “são apenas para eles”.
1. Pensar que a mensagem é irrelevante. O pregador precisa trabalhar com afinco para garantir não somente que fez um bom trabalho de exegese, ajudando o ouvinte a entender o significado do texto, mas também labutar para estabelecer a relevância do texto para o mundo pessoal dos ouvintes. Por exemplo, ao abordar a doutrina da encarnação, ele não pode se contentar apenas em ter certeza de que seus ouvintes assimilaram a instrução, mas ressaltará as implicações do grande princípio da “missão encarnacional”. Para estabelecer essa ligação, o pregador pode dizer algo assim: “O ministério de Jesus foi um ministério de envolvimento e não de afastamento; e, por isso, temos de encarar o fato de que não podemos ministrar a um mundo perdido se não estivermos nele”.
2. Pensar que a mensagem é imediatamente relevante. O segundo perigo é bem real. Aqui, o ouvinte quer se mover imediatamente para a aplicação. Ficará ansioso por saber “o que isto significa para mim”. Em muitos casos, essa pressa para tornar o texto pessoal será destituída da necessidade de entender o que a passagem significa em seu contexto original.
Não conheço ninguém melhor do que Dick Lucas para ajudar os pastores a lidarem com este problema. Jamais esquecerá a experiência aquele dentre nós que, ao ser avaliado por seus colegas, ouvir a afirmação de Dick: “Vamos lá, meu rapaz, isso não é certamente o que o apóstolo quer dizer!” Sou muito grato pelo fato de que ele me tornou cauteloso de tentar aplicar o texto à Igreja em Cleveland, antes de descobrir o propósito de Paulo em se dirigir à igreja na Corinto do século I.
Por exemplo, é possível removermos um texto como Hebreus 13.8 (“Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre”) do contexto que o cerca e fazermos um trabalho adequado de falar sobre os benefícios, para o crente, de um Jesus que é imutável. Mas, se queremos que nossos ouvintes aprendam como interpretar a Bíblia, temos de realizar o trabalho árduo de entender por que o versículo 8 aparece entre os versículos 7 e 9. Se fizermos esse trabalho, acharemos necessário explicar nosso versículo não apenas em separado ou em termos de seu contexto imediato, mas também no contexto mais amplo do livro. Reconheceremos que toda aplicação que não se focaliza no sacerdócio permanente de Cristo não somente erra quanto ao ensino do texto, mas também presta um desserviço às pessoas que estão aprendendo conosco.
O expositor precisa estar sob o controle da Escritura. Este é o terceiro dentre os três princípios para a exposição fiel oferecidos pelo Diretório de Westminster para Adoração Pública:
1. O assunto que pregamos deve ser verdadeiro, ou seja, à luz das doutrinas gerais da Escritura.
2. Deve ser a verdade contida no texto ou passagem que estamos expondo.
3. Deve ser a verdade pregada sob o controle do resto da Escritura.
Que mudança radical aconteceria nos púlpitos ao redor do mundo se tomássemos estes três princípios com seriedade. Seríamos forçados a garantir que o púlpito não seja um lugar de teorização e especulação, de proferir slogans e de manipulação, de contar histórias e promover emocionalismo. Numa época anterior, na Escócia, quando se fizeram grandes esforços para permanecer nestes princípios, o impacto foi óbvio. Na verdade, o conhecimento da Bíblia possuído por nossas congregações, em meio ao nosso suposto entendimento e iluminação, não tem comparação com o daqueles escoceses simples da geração passada, que aprendiam desde a infância a seguir o ensino do pregador a partir da Bíblia. Embora isso tenha sido bem antes de meu tempo, o benefício prolongou-se, e ainda posso recordar que a mão de meu pai tremia levemente quando segurava a Bíblia e seu dedo guiava meu olhar ao longo da página. Quão magnífico é quando Deus ministra ao nosso coração por meio do poder da pregação expositiva!