Jesus Cristo recebeu o nome que está acima de todo nome.[i] Os nomes atribuídos a ele começam em Gênesis e terminam em Apocalipse. Juntos, expressam o caráter incomparável de Jesus Cristo, nosso Salvador e Senhor. Refletir sobre eles nos prepara melhor para responder às exortações das Escrituras, para focar nele o nosso olhar e para meditar sobre o quanto ele é grandioso.
Ser capaz de pensar longa e carinhosamente sobre o Senhor Jesus é uma arte que está desaparecendo. A disciplina necessária para refletir sobre ele por um período prolongado e ser cativado por ele foi relegada a um lugar secundário na vida cristã contemporânea. A ação, e não a meditação, está na ordem do dia. Infelizmente, muitas vezes essa ação não está impregnada da graça e do poder de Cristo.
Como é diferente o exemplo do apóstolo Paulo, para quem “o viver é Cristo”,[ii] ou do autor da Carta aos Hebreus, que nos exorta a “considerar Jesus”[iii].
Precisamos aprender a recuperar essa centralidade de Cristo em nossa era agitada e repleta de atividades. Muitos de nós somos, por natureza, bastante impacientes. As ferramentas mais comuns da vida, usadas todos os dias — nossos computadores e toda a nossa tecnologia —, simplesmente aumentam essa impaciência.
Sendo assim, só nos pode fazer bem gastar as poucas horas que serão necessárias para ler estas páginas concentradas e fixadas na pessoa e na obra de nosso Senhor Jesus Cristo.
Começar do princípio, como nos lembra Julie Andrews no filme A Noviça Rebelde, “é sempre o melhor lugar”.[iv] Gênesis é o livro dos começos. Ali encontramos o primeiro indício da vinda de um redentor. Ele é a Semente da mulher.
No jardim
O título deste capítulo foi tirado das palavras que Deus disse no jardim do Éden. Ele se dirigiu à Serpente, que havia, com sucesso, tentado Adão e Eva ao pecado:
Porei inimizade entre ti e a mulher,
entre a tua descendência [semente] e o seu descendente [semente].
Este te ferirá a cabeça,
e tu lhe ferirás o calcanhar.[v]
O contexto é familiar.
Deus colocou Adão e Eva em um lindo jardim. Toda árvore daquele jardim é bonita de ver, e seus frutos são deliciosos. Mas há uma árvore no jardim sobre a qual Deus disse: “da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás.”[vi]
Aparentemente, a questão não era que houvesse algo inerentemente venenoso nessa árvore em particular. Na verdade, ela é descrita exatamente nos mesmos termos que qualquer outra árvore. Ela não dá frutos feios e venenosos. Não. A característica distintiva dessa árvore é o que Deus disse sobre ela. Pois o Deus todo-generoso, que dera a Adão e Eva tudo o que havia no jardim para desfrutarem, também lhes disse:
Agora, provem seu amor por mim; mostrem sua confiança e sua obediência a mim como um Deus generoso, não porque vocês saibam a diferença entre essa árvore e qualquer outra, mas simplesmente porque eu, como seu Pai, lhes disse em relação a esta árvore: “Confiem em mim e me obedeçam”.
É um chamado à vida de fé que vai do início ao fim da Bíblia:
Crer e observar
Tudo quanto ordenar; O fiel obedece
Ao que Cristo mandar![vii]
Mas, então, a Serpente apareceu cantando uma canção diferente:
Creiam em mim e observem Tudo quanto eu ordenar;
Os pecadores obedecer não devem Nada do que Deus mandar!
“Deus colocou vocês neste jardim cheio de todas essas árvores gloriosas e todos esses frutos deliciosos e, então, disse: ‘Vocês não devem comer do fruto de nenhuma das árvores’?”
Claro que Eva tentou discutir com ela, mas falhou e acabou sendo atraída pelo seu ardil. Ela avaliou o significado da árvore através dos olhos, e não através dos ouvidos. Em vez de ouvir o que Deus dissera sobre a árvore, ela pensou apenas naquilo que se podia ver nela. Afinal, parecia deliciosa e atrativa. Ela não tinha compreendido o princípio divino de que os crentes “veem” com os ouvidos, não com os olhos, ao ouvirem a Palavra de Deus.[viii]
Essa, claro, é sempre a artimanha da Serpente.[ix]
Além disso, que melhor maneira de provocar a queda de Adão senão — como a própria Eva admitiu mais tarde — enganando a mulher e, depois, utilizando-se dela? Satanás usou a melhor das dádivas de Deus a Adão para ganhar vantagem sobre ele e atraí-lo ao pecado. E assim, por sua vez, Adão levou o universo à ruína.
Deus aparece e expõe o casal pecador. Eles dão suas desculpas patéticas. O homem culpa a mulher. A mulher culpa a Serpente.
Então, Deus pronuncia três palavras de julgamento.[x]
1) Há um julgamento sobre Adão relacionado à sua tarefa de tomar conta do jardim e ao seu chamado para transformar o mundo inteiro em um jardim para Deus.
2) Há um julgamento sobre Eva relacionado particularmente à gravidez e à sua atitude para com seu marido.
3) Há um julgamento sobre a Serpente.
Surpreendentemente, esse julgamento sobre a Serpente contém uma semente da gloriosa esperança do Evangelho:
Porei inimizade entre ti e a mulher,
entre a tua descendência [semente] e o seu descendente [semente].
Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.[xi]
A passagem da estrada de Emaús
Quando traçamos o modo como o Antigo Testamento desenvolve esse tema, estamos, de certa forma, tentando alcançar o próprio Jesus enquanto ele conversava com dois de seus discípulos no caminho para Emaús, na tarde da sua ressurreição.[xii] Estamos tentando ouvir secretamente o que ele disse.
Os discípulos ficaram confusos, perplexos e angustiados por causa da morte de Jesus. Ele lhes mostrou as Escrituras: “Vocês não veem como estas Escrituras mostram que o Messias sofreria, morreria, ressuscitaria, entraria no seu reino e, depois, estenderia esse reino a todo o mundo?”
Pelo jeito, eles não conseguiam ver.
Como gostaríamos de estar lá com um iPhone ou outro celular prontos para gravar e poder reproduzir todas as passagens do Antigo Testamento para as quais Jesus chamou a atenção. Ele sem dúvida as tinha memorizado! Talvez ele simplesmente foi dizendo uma após a outra naquela curta jornada.[xiii] Mais tarde, por um período de várias semanas, ele continuou voltando aos discípulos e mostrando-lhes todas as maneiras pelas quais o Antigo Testamento apontava para ele.[xiv]
Quando nosso Senhor Jesus fez isso — e sempre que ele faz isso através da sua Palavra e do seu Espírito —, três coisas acontecem:
• Primeiro, ele fornece uma exposição das Escrituras.
• Segundo, ele traz iluminação à mente.
• Terceiro, ele cria uma paixão por ele mesmo no coração. “Não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras?”[xv] Essa foi a reação dos dois discípulos quando ele os deixou.
Essa é a função de qualquer estudo da Bíblia. É o que queremos que aconteça sempre que lemos o que a Bíblia tem a nos ensinar sobre Jesus. Lemos ou ouvimos as Escrituras e recorremos ao Espírito Santo para iluminá-las. Quando ele o faz, nosso coração arde dentro de nós. Este é “estranhamente aquecido” (para usar as palavras de John Wesley). Se já experimentamos esse tipo de ardor no coração, queremos que nosso coração arda assim, repetidas vezes, de amor pelo Salvador e por seus ensinamentos.
Se isso acontecer, não há melhor lugar para começar do que onde suspeitamos que Jesus começou, em Gênesis 3.15 — aqui nesta promessa do conflito entre as duas sementes.
Os antagonistas são descritos pela primeira vez como a semente da mulher e a semente da Serpente. Mas o ápice do conflito está destinado a ser mais pessoal e individual — entre a semente da mulher e a própria Serpente. O antagonista final do mal não é mais a semente da Serpente, mas a própria Serpente. De forma implícita, então, a semente final da mulher é também um indivíduo. Um esmagaria o outro. Porém, enquanto a Serpente esmagaria apenas o calcanhar da semente da mulher, a semente da mulher esmagaria a cabeça da Serpente — um golpe que seria fatal.
Se déssemos a você um cartão em branco de 8×12 cm, convidando-o a responder à pergunta: “Por qual razão o Filho de Deus se manifestou?”, qual seria sua resposta? Aqui está a resposta do apóstolo João:
Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo.16[xvi]
Essa é a primeira dimensão do Evangelho registrada na Bíblia. João viu a profecia de Gênesis 3 cumprida em nosso Redentor, Jesus Cristo. Quando Cristo se manifestou, veio para desfazer o que a Serpente havia feito. Pela sua vida e ministério, bem como, acima de tudo, através da sua morte e ressurreição, ele destruiu todas as obras do diabo.
Como essas palavras iluminam o ministério de nosso Senhor Jesus Cristo?
Quando pensamos na salvação, usamos palavras como perdão e justificação — e com razão. Mas observe que não há menção em Gênesis 3.15 de perdão ou justificação. Isso não importa? Claro que sim! Mas as palavras de Deus aqui colocam toda a ênfase no conflito (“Porei inimizade…”) e, portanto, na nossa necessidade de sermos libertos da escravidão do Maligno, para não sermos mais prisioneiros do “príncipe da potestade do ar, o espírito que agora atua nos filhos da desobediência”.17[xvii] Assim, essas palavras, quase no início de Gênesis, nos dão uma visão importante de toda a mensagem da Bíblia. Ela é uma biblioteca que traça um conflito cósmico de longa data entre as duas “sementes”.
Este artigo é um trecho adaptado com permissão do livro Nome acima de todo nome, por Alistair Begg e Sinclair Ferguson, Editora Fiel.
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[i] Filipenses 2.9
[ii] Filipenses 1.21
[iii] Hebreus 3.1
[iv] N.T.: na canção Dó-Ré-Mi
[v] Gênesis 3.15
[vi] Gênesis 2.17
[vii] Daniel B. Towner/John H. Sammis, Crer e Observar, hino 301 do Cantor Cristão, 37. ed.
[viii] O rei Davi acabou cometendo o mesmo erro (2Sm 11.1-2)
[ix] Veja Josué 7.18, 20-21 e 2Samuel 11.2 para mais exemplos nos casos de Acã e Davi.
[x] Gênesis 3.15-17
[xi] Gênesis 3.15
[xii] Lucas 24.13-35
[xiii] Lucas diz: “[ele] expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” (Lc 24.27; veja também 24.44-47)
[xiv] Atos 1.3
[xv] Lucas 24.32
[xvi] 1 João 3.18
[xvii] Efésios 2.2