Nós poderíamos responder a essa pergunta de forma muito simples: em tudo. Não erraríamos com essa resposta. Paulo disse aos coríntios: “Sejam meus imitadores, como eu sou de Cristo” (1Co 11.1). Da mesma forma, aos efésios: “Portanto, sede imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como também Cristo vos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus em aroma suave” (5.1-2). Seja em palavras, seja em ações, devemos ter em Jesus nosso modelo de como viver, amar e servir.
Assim, uma consideração de certas características da vida e do ministério de Jesus não deve ser interpretada como a escolha de algumas como necessárias enquanto outras são desprezadas. Devemos olhar para Jesus Cristo todos os dias. Devemos orar, disciplinar-nos, estudar e aprender, morrer para o eu, meditar nas Escrituras e confiar no Senhor até que Cristo seja formado em nós (Gl 4.19). O Pai predestinou os que de antemão conheceu “para serem conformes à imagem de seu Filho, para que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8.29). Devemos buscar, pela graça de Deus, ser como Cristo na vida e no ministério. Contudo, como podemos entender a extraordinária vida de Cristo? Embora as qualidades de 1 Timóteo 3 e Tito 1 ajudem a retratar a vida cristã vivida com fidelidade, três características essenciais encontradas na vida e no ministério de Jesus também devem marcar o pastor: a humildade, o serviço e o amor. Nós as vemos juntas na narrativa notável de João 13, em que Jesus se reúne com os discípulos para a Última Ceia.
A humildade deve marcar o ministério pastoral
A introdução de João ao ato de Jesus de lavar os pés dos discípulos como servo prepara o terreno para entendermos como o Senhor Jesus tratava os relacionamentos dentro de seu círculo de comunhão. O apóstolo enfatiza a autoconsciência de Jesus ao abordar a Última Ceia (Jo 13.1-3). Ele usou duas vezes “saber” (oída), expressando compreensão ou percepção, a partir da raiz de uma palavra que significa ver.[i] Ele sabia que, em breve, retornaria à glória eterna que tinha antes da encarnação (17.5). Sabia que, em algumas horas, Judas Iscariotes o entregaria aos líderes religiosos, e eles o entregariam aos romanos para ser crucificado (13.2). João escreve:
Jesus, sabendo que o Pai tinha depositado nas suas mãos todas as coisas, e que havia saído de Deus e ia para Deus, levantou-se da Ceia, tirou as vestes e, tomando uma toalha, cingiu-se. Depois colocou água em uma bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido. (13.3-5)
Jesus assumiu a posição de servo, aceitando de bom grado uma tarefa normalmente dada ao membro mais humilde de cada casa. A humildade marcou todo o seu ministério. É claro que, na própria encarnação, observamos humildade na chegada do Filho de Deus ao mundo (Lc 2.1-7). Quando os discípulos discutiram sobre quem era o maior entre eles, Jesus declarou: “porque mesmo aquele que entre vós todos for o menor será grande” (9.46-48). Jesus tomou o lugar do servo mais humilde ao lavar os pés dos discípulos. Não tinha desejo de impressionar seus seguidores ou mesmo os líderes religiosos para ganhar um favor. Não teve reservas em ser “o hóspede de um pecador” quando entrou na casa de Zaqueu para jantar com ele e declarar o cobrador de impostos como um novo homem de fé (19.1-10). Quando Jesus chamou todos os cansados e sobrecarregados para virem a ele e terem descanso, disse: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas” (Mt 11.28-29). O pastor puritano Richard Sibbes aplicou isso vividamente aos ministros: “Os embaixadores de um Salvador tão manso não devem ser arrogantes, alojando-se no coração das pessoas, nos quais somente Cristo deveria estar, como em seu próprio templo.”[ii] Ao longo de seu ministério, encontramos sua mansidão e humildade. Então, essas características também não deveriam ser claramente evidentes naqueles que o representam?
O momento mais significativo da humildade de Jesus foi a cruz. Paulo capta-o e, em uma linguagem memorável, transmite-o a nós, sugerindo que coloquemos em prática o mesmo tipo de pensamento e atitude de Jesus.
Que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. (Fp 2.5-8)
A mesma maneira de pensar (phroлeíte) ou disposição[iii] tão evidente na caminhada de Jesus até a cruz deve moldar aqueles a quem ele deu o encargo de pastorear seu rebanho. Esse tipo de humildade não pode ser produzido por atos de autoflagelação ou de introspecção sombria. Isso acontece sempre que olhamos para nosso Senhor Jesus Cristo em sua morte substitutiva. Quanto mais compreendemos nosso pecado e claramente enxergamos o preço pago por nossas transgressões, mais nos sentimos humilhados ao ver o Filho de Deus crucificado.
C. John Miller comentou a humildade de Brownlow North, o evangelista anglicano do século XIX: “Ele se esforçava conscientemente para falar a partir de um conhecimento interior de que era o maior dos pecadores.”[iv] Pastores necessitam da mesma atitude quando sobem ao púlpito, iniciam uma sessão de aconselhamento, lideram uma reunião de presbíteros ou discipulam. A menos que nos enxerguemos como grandes pecadores que precisam desesperadamente de um Salvador maior, seremos vítimas da sedução do orgulho. Miller adverte: “Minha convicção é de que a carne ainda é tão forte no líder cristão que cada um de nós precisa ter um temor saudável de nossa própria capacidade de arruinar a obra de Deus com nosso orgulho íлcoлscíeлte.”[v]
De maneira apropriada, logo após instruir seus companheiros presbíteros, Pedro escreveu: “Vós jovens, sede sujeitos aos anciãos; e sede todos [jovens e anciãos] sujeitos uns aos outros, e revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (1Pe 5.5, grifo adicionado). A humildade deve marcar nossa vida e ministério como marcou a vida e ministério de nosso Senhor.
O serviço deve marcar o ministério pastoral
Quando os discípulos ficaram indignados com a disputa de Tiago e João pelos lugares nobres no Reino celestial, Jesus corrigiu a todos eles (Mc 10.35-45). Em seguida, abriu a cortina para que vissem como ele encarava sua missão, a fim de que, arrependidos do orgulho, adotassem a mesma atitude: “Porque o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate de muitos” (Mc 10.45). Contemple isso por um momento. O Filho eterno, enviado pelo Pai para redimir um povo por meio de sua morte sangrenta na cruz, que seria ressuscitado dos mortos pela glória do Pai e ascenderia de volta à glória eterna, conscientemente viu sua missão como a de servir outros.
Jesus, de maneira pungente, estabeleceu a referência para os discípulos. Se alguém quiser segui-lo, deve aprender a servir.
No mesmo contexto de João 13, outra disputa surgiu quando os discípulos debateram quem entre eles seria o maior. Jesus disse que a conversa deles soava como a dos incrédulos. Então, aquele que acabara de lavar seus pés corrigiu suas inclinações: “Pois qual é maior: quem está à mesa ou quem serve? Porventura não é quem está à mesa? Eu, porém, entre vós, sou como aquele que serve” (Lc 22.24-27). Mesmo após a ressurreição, encontramos Jesus servindo ao preparar o café da manhã aos discípulos que tinham ido pescar à noite (Jo 21.9-13). Ao longo de seu ministério, Jesus serviu seus seguidores, as multidões e os indivíduos alienados.
Jesus deixou a mesa para pôr de lado suas vestes; tomou uma toalha, um jarro de água e uma bacia e, depois, lavou os pés sujos dos discípulos (Jo 13.1-5). E, naquele ato humilde de serviço, ele simplesmente patenteou o que estava fazendo entre eles e o que faria na cruz. Jesus veio para servir.
Se o Senhor da igreja serviu tão fielmente, seu serviço abnegado, sacrificial e amoroso deve marcar o ministério pastoral. Se pastores fracassam em servir seu povo durante a semana, amando-os, demonstrando deferência a eles, procurando maneiras de suprir suas necessidades, buscando conhecê-los melhor, aconselhando-os e encorajando-os, unindo-se a eles em projetos missionários e humanitários, perdem poder quando os servem do púlpito. Jesus não limitou o serviço do pastor ao ensino. Ele, por exemplo, curou, libertou, ressuscitou, alimentou, envolveu-se em relacionamentos, acalmou, perdoou, declarou esperança e deu sua vida pelos outros. Esse é o modelo dado aos encarregados de pastorear o rebanho.
Charles Haddon Spurgeon praticou esse serviço encontrado no Senhor Jesus. Spurgeon conhecia pessoalmente os membros de sua imensa congregação do século XIX. Viu os necessitados em Londres e agiu, iniciando ministérios para servir os iletrados, pobres, órfãos, viúvas, desempregados e muitos outros. Respondia pessoalmente centenas de cartas todos os meses, oferecendo conselhos, verdades do Evangelho e encorajamento. Muitas vezes, serviu em meio a grande dor física. De modo notável, esse homem, que se tornou o pregador mais conhecido daquela época, regularmente se entregava ao serviço, em prol de sua congregação e do povo de sua cidade. Porém, ele simplesmente seguiu o que viu em Jesus.[vi]
O profeta Isaías chamou o Messias que viria de “Servo”. Ele prediz essa missão do que possuiria um coração servil, a qual é lindamente expressa na tradução de Isaías 42.1-4 feita por Alec Motyer.
Eis o meu Servo, a quem sustento, meu Escolhido, a quem minha alma aceita favoravelmente. Eu lhe concedi meu Espírito; juízo às nações ele trará.
Ele não gritará, nem se levantará, nem fará as pessoas ouvirem sua voz fora de casa. A cana quebrada ele não quebrará, e um pavio fumegante ele não apagará; de acordo com a verdade, ele trará juízo. Ele não arderá nem ferirá, até que estabeleça o juízo na terra.
E os seus ensinamentos o mundo inteiro espera com esperança.[vii]
A docilidade de Jesus, sua preocupação com as nações, sua ternura para com os quebrantados e desanimados e sua paciência com aqueles que precisavam dele expressam seu coração servil — esse é o modelo que os pastores devem seguir. Sejam servos de suas congregações da mesma maneira dócil, sacrificial e fiel como Jesus nos serve.
O amor deve marcar o ministério pastoral
João fala do amor profundo de Jesus por seus seguidores mesmo quando se aproximava da cruz: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13.1). Observe bem o grupo cujos pés Jesus lavou. Reclamação, negação, covardia, dúvida e ostentação pareciam marcá-los mais do que humildade, amor e serviço. No entanto, Jesus os amou até o fim. Não permitiu que as falhas deles diminuíssem seu amor. Esse tipo de amor é pessoal, consciente da necessidade e deseja buscar o bem daqueles que ama.
Paulo dá uma boa imagem de como é esse amor na prática:
Ora, é necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e sim deve ser brando para com todos, apto para instruir, paciente, disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele para cumprirem a sua vontade. (2Tm 2.24-26)
Observe o objetivo do amor cristão: ver a misericórdia de Deus despertar e libertar aqueles que estão presos no laço do Diabo. Que postura devem adotar os que servem Cristo ao tentar alcançar pessoas tão cegas? Podemos pensar que trovejar contra eles os afastará de seus pecados. Paulo, porém, aconselha que, em vez de atropelá-los, lhes demonstremos amor por meio da gentileza; em lugar de falar o que pensamos de maneira briguenta, que lhes mostremos bondade; ele ainda recomenda que ensinemos a eles com paciência, até perdoando suas palavras duras e recalcitração.
O amor será evidente em nossa gentileza, serviço e cuidado sacrificial pelos outros mais do que em declarações de amor enfeitadas. O tipo de amor que Jesus demonstra age em favor dos outros, não se importando consigo mesmo, sacrificando-se voluntariamente pelo bem do outro e se importando mais com a condição dessa pessoa diante do Senhor Deus do que com a conveniência pessoal, horário ou custo. Jesus estabeleceu a conexão entre sua demonstração de amor e o modo como esse mesmo tipo de amor deve viver por meio de seus seguidores, quando disse: “Nisso todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13.35). Já que isso deve ser verdade para todos os seguidores de Jesus, muito mais deve ser verdade para aqueles a quem ele confia o cuidado dos cordeiros que ele reuniu por seu amor sacrificial na cruz.
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Este artigo é um trecho retirado e adaptado com permissão do livro Introdução à pratica pastoral, por Phil Newton, Editora Fiel (em breve).
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[i] NIDNTTE, οἶδα, 3:460-62.
[ii] Richard Sibbes, Re Bruísed Reed (edição original: 1630; Edimburgo: Banner of TruthTrust, 1998), p. 26 [O Caлíço Ferído (Brasília: Monergismo, 2013)].
[iii] BDAG, φρονέω, p. 1065-66.
[iv] C. John Miller, Re Heart of a Servaлt Leader (Phillipsburg: P&R, 2004), p. 69 (grifo original).
[v] Ibid., p. 86 (grifo original).
[vi] Arnold A. Dallimore, Spurgeoл: a New Bíography (Edimburgo: Banner of Truth Trust, 1985) [Spurgeoл: uma Nova Biografia (São Paulo: PES, 2008)].
[vii] Alec Motyer, Isaíah by the Day: a New Devotíoлal Traлslatíoл (Fearn: Christian Focus, 2011), p. 201.