Era 11 de abril de 1948, em Wheaton, Illinois, cinquenta quilômetros a oeste de Chicago. Jim Elliot era um calouro no Wheaton College: um lutador estrelado, estudante de grego, poeta e contador de piadas. Ele e três amigos — outro Jim, Walt e Hobey — riam e brincavam um com o outro enquanto entravam no Nash de 1946 de Hobey, um clássico carro americano de meados do século XX, com grandes para-choques arredondados e uma transmissão manual de três velocidades. Eles se dirigiam a um hospital local para visitar enfermos e falar com qualquer um que se importasse em ouvir sobre Cristo.
O Nash chegou ao cruzamento entre o trilho ferroviário e a President Street, perto do campus de Wheaton. A Chicago and North Western Railway [“Ferrovia Chicago e Noroeste”] atendia aos passageiros da área, além de transportar toneladas de produtos agrícolas do Oeste até Chicago, a porta de entrada para o leste.
As luzes do sinal piscaram; os rapazes podiam ver que o pesado trem de carga estava a pelo menos um quarteirão e meio de distância. Como quaisquer jovens de vinte anos, eles aceleraram. O vigilante da ferrovia correu para fora de sua guarita no cruzamento e desceu para os trilhos, gritando e acenando para eles. Hobey freou bruscamente e parou no meio dos trilhos para evitar acertá-lo. Tentando sair dos trilhos, Hobey entrou em pânico e enguiçou o Nash.
Ele não conseguia fazer a embreagem engatar. Jim, Walt e Jim abriram as portas, saltaram e rolaram para a margem de segurança, gritando para que o amigo os seguisse. Hobey tentou ligar o carro novamente.
Enquanto o vigia e os meninos gritavam, havia o rangido adicional de metal sobre metal enquanto, desesperadamente, o engenheiro do trem de carga tentava frear. No último segundo antes do impacto, Hobey abriu a porta do carro e pulou fora.
O enorme trem de carga atingiu o Nash no para-lama traseiro direito, girando o carro robusto tão rápido que bateu novamente no para-lama dianteiro esquerdo, esmagando-o como uma lata de refrigerante. Em vez de morte súbita em um domingo à tarde, com seu sangue manchando os trilhos da ferrovia, os rapazes ficaram apenas “torcidos e cheios de sobriedade”, como Jim Elliot escreveu a seus pais algum tempo depois.
Foi uma “fuga por um triz”, disse ele. “Os detalhes dos jornais são bastante precisos, mas os jornalistas não sabem nada sobre os espíritos ministradores enviados pelo Criador do universo” para proteger o seu povo.
“Fiquei consideravelmente sóbrio ao pensar em como o Senhor me protegeu de dano nesse episódio”, Jim concluiu. “Certamente, ele tem uma obra para mim e me quer em algum lugar.”
5 DE JANEIRO DE 1956
O missionário Jim Elliot, agora com vinte e oito anos, está de pé no Rio Curaray, com a água à altura do tornozelo, em algum lugar na misteriosa e verde floresta tropical do leste do Equador. Ele encontrou o trabalho para o qual Deus salvara sua vida naqueles trilhos de trem de Wheaton, oito anos antes.
Usando apenas a roupa de baixo por causa do calor, com o guia de conversação em uma mão, ele segue gritando expressões de amizade e bom ânimo, o equivalente a: “Viemos em paz”. Os quatro missionários com ele — Nate, Ed, Pete e Roger — riem enquanto Jim berra a plenos pulmões para a selva silenciosa, ao mesmo tempo que mata um milhão de mosquitos com as palmas das mãos.
Esta viagem de acampamento extrema é o culminar de anos de orações, esperanças e planejamento. Cada um desses missionários, já trabalhando com outras tribos indígenas, desenvolveu uma atração improvável por um povo não alcançado conhecido como os aucas, ou selvagens nus, que viviam há gerações em um estado primitivo de isolamento, matando todos os forasteiros que tentavam entrar em seu território.
A tribo seria mais tarde conhecida por seu nome real, os waorani, ou o povo. Entende-se hoje que o termo “aucas”, usado por muitos anos no Equador, é um termo ofensivo.
Esses cinco jovens missionários acreditam que a violenta história dos waorani pode mudar. Durante anos, eles têm sonhado em apresentar o amor de Jesus àquela tribo. Ao longo das últimas treze semanas, eles vêm tornando conhecidas as suas intenções benignas, usando um engenhoso sistema de lançamento de balde para enviar presentes de um avião de baixa altitude, pilotado por Nate Saint, para um pequeno assentamento waorani nas profundezas da selva. Os waorani logo responderam com entusiasmo, enviando seus próprios presentes — rabo de macaco defumado, cerâmicas, um papagaio — de volta para o avião, por meio do balde.
Agora, com suas propostas de amizade estabelecidas e correspondidas, os missionários acreditam que chegou a hora de se encontrarem pessoalmente.
Eles estabeleceram um acampamento perto do assentamento waorani e o batizaram de “Palm Beach”. Construíram uma casa na árvore para que possam dormir em segurança. Por rádio, eles se comunicam com suas esposas que estão nas bases missionárias (usando código, já que o canal é compartilhado por outros missionários na área). Devido à reputação estrondosa da violenta tribo, sua missão aos waorani é ultrassecreta. Ao menos por enquanto.
“Biti miti punimupa!”, grita Jim alegremente, com os ombros e as costas largas virados para os amigos e o rosto voltado para a selva. Eu gosto de você; quero ser seu amigo. “Biti winki pungi amupa!” Queremos ver vocês!
O que Jim não sabe é que os waorani são uma sociedade baseada em relações de parentesco e que, em sua linguagem peculiar, não tem palavra correspondente para “amigo”. As frases que ele usa estão corrompidas, pois lhe foram ensinadas por um falante nativo de waorani que fugira da tribo anos antes. Vivendo entre o povo quíchua, ela se esquecera de grande parte de sua língua materna e, sem querer, misturou com ela uma fonética que não seria inteligível para os waorani.
Por isso, nenhuma resposta vem da selva. Mas Jim e os outros rapazes têm a sensação de que estão sendo observados pelos waorani — que são mestres da ocultação.
Mais de sessenta quilômetros a noroeste das sinceras orações de Jim Elliot, sua jovem esposa está sentada à sua escrivaninha de madeira em Shandia, a base missionária onde ela e Jim trabalham com uma comunidade de índios quíchua. Elisabeth Elliot é alta, esbelta e de olhos azuis, com cabelos castanhos claros, covinhas na bochecha e um distinto espaço entre os dentes da frente. Seu semblante é cheio de inteligência e curiosidade. Ela está no lugar certo, pois há muitas coisas curiosas na selva.
Elisabeth tem aproveitado o cochilo de sua filha de dez meses para escrever em seu pequeno diário preto. Ela usa uma caneta-tinteiro, sua prosa fluida deslizando em brilhante tinta azul esverdeado nas suaves páginas brancas.
“Jim foi para os waorani agora”, escreve ela. “Meu coração espera e anseia por ele. No mês passado, senti um grande abismo entre nós e desejei superá-lo de alguma forma […]. Mal posso me conter de derramar meu amor por ele, dizendo-lhe como eu o amo e vivo por ele.” Porém, ela está animada com o projeto waorani, compartilhando o mesmo desejo que seu marido e colegas missionários de que aquele grupo populacional tenha a chance de ouvir o evangelho. Ela havia sustentado que ela mesma e a bebê Valerie deveriam ir com Jim, argumentando que a tribo seria muito menos propensa a atacar uma unidade familiar do que um grupo de cinco homens.
Estranhamente, aquela foi uma discussão que ela perdeu. Então, agora ela espera, uma mulher em casa.
SEXTA-FEIRA, 6 DE JANEIRO DE 1956
De volta a Palm Beach, Jim e companhia estavam se preparando para mais um longo dia de comunhão com insetos e pregação para as árvores quando duas mulheres silenciosamente saíram do meio da selva, do lado oposto do rio em relação ao acampamento. Elas estavam nuas, com os lóbulos das orelhas esticados e os cordões na cintura que distinguiam os waorani.
Jim Elliot mergulhou no rio, pegou-as pelas mãos e as conduziu até o outro lado. Nate, Ed, Roger e Pete lhes deram as boas-vindas com muitos acenos de cabeça, sorrisos e pantomimas alegres e vigorosas. Vendo que a recepção era acolhedora, também um homem waorani emergiu da folhagem.
O resto do dia se passou com um amigável choque de culturas. Os membros da tribo não tinham ideia do que os norte-americanos estavam dizendo, e vice-versa. Mas os visitantes olharam as câmeras, as revistas, o avião e os equipamentos dos homens; experimentaram um pouco de repelente de insetos, comeram um hambúrguer e beberam um pouco de limonada. O homem até deu uma volta com Nate em seu avião; e, enquanto deslizavam sobre a aldeia waorani, ele se inclinou para fora, gritando e acenando para os espantados membros de sua tribo lá embaixo.
No final da tarde, a moça mais jovem se levantou e se dirigiu abruptamente para a selva. O homem a seguiu. A mulher mais velha ficou com os missionários, jogando conversa fora. Ela dormiu ao lado da fogueira naquela noite, quando os missionários subiram até a sua casa na árvore, a dez metros do chão.
Fervilhando de empolgação, os missionários mal conseguiam dormir. Aquele fora o primeiro contato amigável com essa tribo intocada e violenta. Eles oraram para que fosse o início de uma grande nova fronteira para o evangelho.
DOMINGO, 8 DE JANEIRO DE 1956
Em sua casa em Shandia, Elisabeth Elliot deu banho na pequena Valerie e arrumou tudo. Ela orou por Jim, Nate, Ed, Pete e Roger.
De volta a Palm Beach, o longo e quente dia anterior havia passado sem uma nova visita dos waorani. Mas nesta manhã de domingo, 8 de janeiro, quando Nate Saint voava sobre o dossel da selva, ele avistou um grupo de pessoas nuas atravessando o rio, movendo-se na direção de Palm Beach.
Ele zumbiu de volta ao acampamento. “É agora”, gritou para Jim, Pete, Ed e Roger enquanto pousava. “Eles estão a caminho!”
Nate falou com sua esposa pelo rádio, para atualizá-la, às 12h30. Ele lhe contou sobre como avistara o grupo de waorani. “Ore por nós”, disse ele. “Hoje é o dia! Farei novo contato com você às 16h30.”
O evento que galvanizou o movimento missionário cristão por toda a segunda metade do século XX, segundo alguns, durou menos de quinze minutos. Dias depois, o grupo de busca e resgate encontrou a carnificina. Quando pescaram o corpo ensanguentado de Nate no rio Curaray, seu relógio estava parado marcando 15h12.
Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Moldada por Deus, de Ellen Vaughn, o qual é o volume 1 do box Elisabeth Elliot: uma biografia autorizada (em breve pela editora Fiel).
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