Teologia bíblica é um modo de ler a Bíblia. É uma hermenêutica. Ela assume que os muitos autores e os muitos livros da Escritura procedem de um único autor divino e contam uma única história – sobre Cristo.
Parece um tanto acadêmico? De fato é, porém…
A disciplina da teologia bíblica é essencial para proteger e guiar a sua igreja. Ela protege a igreja contra falsas histórias e caminhos errados. Ela guia a igreja na direção de uma pregação melhor, de práticas melhores, de caminhos melhores.
A teologia bíblica como protetora da igreja
Pense, por exemplo, no liberalismo teológico. Ela reconta a narrativa da salvação como a obra de Deus para superar, digamos, a injustiça econômica ou uma consciência política egoísta. Tais enredos redentivos podem não estar de todo errados, mas eles me lembram de como uma das minhas filhas costuma narrar uma briga com a sua irmã. Ela fala verdades, mas também omite detalhes, redistribui ênfases, cria sutis conexões interpretativas. Assim acontece com as narrativas do liberalismo em relação ao enredo bíblico do evangelho.
O mesmo ocorre com o catolicismo romano, no qual os sacerdotes e os sacramentos desempenham um papel mediador que tem um cheiro forte da antiga aliança.
Ou com o evangelho da prosperidade, o qual também importa elementos da antiga aliança para a nova, apenas no que diz respeito às bênçãos.
Outros grupos não trazem o passado redentivo ao presente, mas trazem o futuro redentivo ao agora. Houve os anabatistas perfeccionistas, que pensaram poder trazer o céu à terra num piscar de olhos. Os liberais progressistas tentaram o mesmo um século atrás. Hoje, são os viciados em transformação da cultura que apresentam sutis releituras do enredo bíblico.
A lista é longa, quer pensemos em seitas “cristãs” como o mormonismo e as testemunhas de Jeová ou em movimentos dentro da igreja, como o evangelho social, a teologia da libertação, o messianismo americano ou algumas formas de separatismo fundamentalista. Alguns melhores, alguns piores.
O ponto é que evangelhos desequilibrados (ou falsos) e igrejas desequilibradas (ou falsas) são construídos sobre “textos-prova” descontextualizados de sua narrativa ou sobre enredos completamente destorcidos. Ou eles conectam erroneamente as principais alianças da Bíblia, ou têm continuidade demais ou descontinuidade demais, ou falham em distinguir tipos de antítipos, ou têm uma escatologia pouco realizada ou excessivamente realizada. Talvez eles prometam o céu na terra agora; talvez eles tornem etérea a vida espiritual presente.
Em todo caso, teologias bíblicas ruins ou desequilibradas proclamam um evangelho ruim ou desequilibrado, e tais evangelhos constroem igrejas ruins ou desequilibradas.
Entretanto, uma boa teologia bíblica protege o evangelho e a igreja. “Uma teologia bíblica robusta tende a resguardar os cristãos dos mais notórios reducionismos”, diz D.A. Carson.
Isso significa que é dever do pastor (i) conhecer boa teologia bíblica e (ii) ter alguma noção das más teologias bíblicas que impactam a caminhada dos membros de sua igreja. Atualmente, muitas dessas pessoas foram desmamadas de alguma versão do evangelho da prosperidade. Você é capaz de explicar-lhes por que aquele leite está estragado?
A teologia bíblica como guia da igreja
A teologia bíblica, contudo, não é apenas uma protetora, é também um guia – um guia para a boa pregação, para o bom evangelismo e engajamento, para a boa adoração corporativa, para boas estruturas eclesiásticas e para a vida cristã saudável.
Um guia para a boa pregação
Quando você senta para estudar um texto e preparar um sermão, a teologia bíblica o ajuda a evitar o método de “textos-prova” ou de contar uma história da redenção desequilibrada.
Ela põe cada texto no contexto canônico devido e o ajuda a ver o que o seu texto tem a ver com a pessoa e a obra de Cristo. Ela afasta o moralismo para que você possa pregar sermões cristãos. Ela relaciona corretamente indicativos e imperativos, fé e obras. Ela ensina exposição evangelística. Ela assegura que cada sermão seja parte da grande história.
Em resumo, pastor, você precisa da teologia bíblica para fazer a parte mais importante do seu trabalho: pregar e ensinar a Palavra de Deus. Para mais sobre este assunto, veja o “Uma introdução à Pregação e à Teologia Bíblica”, de Thomas R. Schreiner.
Um guia para o bom evangelismo e engajamento
Voltando-nos para o evangelismo e o engajamento da igreja com o mundo afora, a teologia bíblica equilibra corretamente nossas expectativas entre esperar demais (escatologia excessivamente realizada) ou exigir de menos (não pregar o imperativo ou pregar uma graça barata, uma fé sem obras, ou a ideia de que a igreja deve receber na sua comunhão pessoas que ainda não creem).
Uma boa teologia bíblica não nos prometerá a melhor vida agora (quer isso signifique saúde e prosperidade, transformar a cidade, ganhar o favor da elite ou reconquistar a nação para Cristo), tampouco se envergonhará de engajar-se na cultura e buscar o bem comum em obras ministeriais em nome do amor e da justiça.
A teologia bíblica dá primazia à proclamação por meio da palavra (evangelismo e missões), mas não separa artificialmente palavra e obra. Estes são inseparáveis no testemunho e missão da igreja, como fica claro no enredo que vai de Adão a Abraão, a Israel, a Davi, a Cristo e à igreja.
Um guia para a boa adoração corporativa
Você acha que a dança nua de Davi, no episódio da arca da aliança, é normativa para as reuniões da igreja? Não? O que dizer do incenso usado pelos sacerdotes do Antigo Testamento ou o uso de instrumentos e corais ou os sacrifícios nos diversos dias festivos ou a leitura e explicação do texto bíblico? Uma teologia bíblica correta ajuda a responder o que deve ser trazido à era da nova aliança e o que deve ser deixado na antiga.
Isso depende muito, de novo, de como se relacionam as alianças, de como se aborda a continuidade ou descontinuidade e de como se entende a obra de cumprimento realizada por Cristo. Também depende de como se entende o que a igreja de Cristo está autorizada a fazer quando se reúne.
Pastor, tudo isso pode soar acadêmico, mas a sua prática depende de alguma teologia bíblica. A pergunta é: você já pensou qual é a sua?
Um guia para boas estruturas eclesiásticas
Do mesmo modo, o enredo da Escritura exige que atentemos para questões de continuidade e descontinuidade no modo como organizamos nossas igrejas. Em termos de continuidade, o povo de Deus sempre teve uma distinção entre os de dentro e os de fora, o que significa que precisamos praticar a membresia e a disciplina. Em termos de descontinuidade, os líderes do povo de Deus mudam dramaticamente da antiga aliança para a nova. Primeiro, todas pessoas do povo de Deus se tornam sacerdotes. Segundo, os presbíteros de Deus são pastores sujeitos ao Supremo Pastor, os quais alimentam o rebanho por meio da Palavra.
Sem dúvida, a questão de quem pode ser um membro de igreja depende da teologia bíblica. A membresia é apenas para os crentes ou para os crentes e seus filhos? Isso depende do quanto de continuidade e descontinuidade você enxerga entre a circuncisão e o batismo.
Um guia para a vida cristã saudável
Por fim, é proveitoso considerar a importância da teologia bíblica para a vida cristã saudável e como essa vida se relaciona à igreja local.
Na história do Êxodo, a redenção foi corporativa, mas, no Novo Testamento, a redenção é individual, certo?
Bem, isso depende de como se concebe a relação entre a antiga e a nova aliança e o que Cristo realizou na nova. Não é possível defender que a existência de uma cabeça pactual pressupõe um povo pactual (ver Jeremias 31.33; 1Pedro 2.10)? Mais importante, Paulo parece sustentar que a parede da separação entre judeus e gentios foi derrubada e que um único “novo homem” foi criado precisamente no mesmo momento em que os pecadores foram reconciliados com Deus (Efésios 2.11-22; para mais sobre os aspectos corporativos da conversão, ver aqui).
Se for verdade que a salvação no Novo Testamento é direcionada a um povo tanto quanto no Antigo, ainda que a experiência dessa salvação por cada indivíduo ocorra em momentos diferentes, e não juntamente, como no êxodo, então parece que a vida cristã é fundamentalmente corporativa. E o crescimento é corporativo. E a vida na fé é corporativa. Foi o meu pai quem me adotou, mas ele me adotou para pertencer a uma família, de modo que ser o filho dele significa ser o irmão ou a irmã deles.
Bem, essa realidade corporativa tem inúmeras e abrangentes implicações para o ensino, comunhão e cultura de uma igreja. Um objetivo primordial da existência de uma igreja local – se este relato teológico bíblico estiver correto – é simplesmente ser uma igreja. É ser essa nova família, novo povo, nova nação, nova cultura, novo corpo. Então muito do crescimento espiritual não tem a ver com o que eu faço em meus momentos devocionais, mas sim com aprender a assumir essa nova identidade como membro de uma família.
Por outro lado, é fácil imaginar uma teologia bíblica que supervaloriza o indivíduo em detrimento do corpo (como acontece com algumas teologias conservadoras) ou que supervaloriza as estruturas corporativas e sociais em detrimento da responsabilidade individual (como acontece com algumas teologias liberais).
Além disso, o seu entendimento desse enredo o ajuda a saber o que esperar de seus companheiros de membresia: quanta justiça, quanta vitória sobre o pecado, quanta cura espiritual para vítimas de injustiça, quanta restauração em relacionamento falidos. O molde do enredo bíblico – seja lá como você o entenda – irá moldar como você lida com a tragédia, o mal e a justiça à medida que você se depara com estas coisas na sua vida e na de outros.
Em outras palavras, uma teologia bíblica correta conduz a uma visão já/ainda-não da vida cristã. É fácil desviar-se para muito “já” ou muito “ainda não”.
Em suma: uma teologia bíblica correta oferece um guia fidedigno para a vida cristã, especialmente no modo como essa vida se relaciona com a igreja local. E ela protege a igreja contra ênfases erradas, expectativas erradas e um evangelho errado.