O trecho abaixo foi retirado do livro Encontro com a Palavra de Deus, de D.A. Carson, Editora Fiel.
Mais uma vez, é importante refletir sobre o conteúdo do Salmo 1 em nossa caminhada cristã. Assim, alguns questionamentos são feitos: Esse Salmo
refere-se ao nascimento virginal? Aborda a segunda vinda de Cristo? É uma profecia? Existe alguma outra passagem da Bíblia que nos auxilie a entendê-lo? E, por derradeiro, indaga-se: Como esse Salmo foi originalmente estruturado? A fim de respondermos a essas perguntas e observarmos os aspectos do Salmo 1, é necessário lê-lo com muita atenção:
Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.
Antes, o seu prazer está na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite.
Ele é como árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem-sucedido.
Os ímpios não são assim; são, porém, como a palha que o vento dispersa. Por isso, os perversos não prevalecerão no juízo, nem os pecadores, na congregação dos justos. Pois o SENHOR conhece o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios perecerá.
(Salmos 1.1–6)
O conteúdo abordado no Salmo 1
I – No primeiro versículo, o conteúdo é expresso em termos negativos.
II – No versículo 2, o justo é descrito positivamente por suas ações.
III – No versículo 3, o justo é descrito sob um aspecto metafórico.
IV – No versículo 4, o perverso nos é descrito.
V – No versículo 5, a descrição do perverso é mantida.
VI – No versículo 6, contrastam-se o caminho do justo e o caminho do ímpio.
Comecemos pelo versículo primeiro. Esse versículo descreve, em minúcias, aquilo que o justo não faz e, em contrapartida, a forma como o ímpio age.
Nesse contexto, depreende-se que a forma de agir do justo inclui desacelerar seu ritmo ao longo da vida: “Bem-aventurado aquele que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores e não se assenta na roda dos escarnecedores”. Conclui-se, assim, que o perverso começa por andar e colher maus conselhos de outros ímpios.
Em outras palavras, é muito importante escolher aquele a quem você ouve. Isso porque, se seus melhores amigos têm estruturas mentais que ofendem o evangelho, no final das contas isso o afetará sobremaneira. Pois, a partir do momento em que alguém começa a andar com os ímpios, detém-se em seus caminhos de pecado. Assim, aos poucos, o estilo de vida dessas pessoas vai-se tornando seu próprio estilo de vida. Você começa ouvindo maus conselhos e, logo em seguida, contrai maus hábitos. E, se você permanecer nesse caminho, descerá a um terceiro nível, no qual passa a tomar assento entre os escarnecedores. Sentado em uma poltrona confortável, com seus pés para cima e olhando através de seu nariz empinado de autossuficiência, começa a julgar os cristãos, denominando-os ignorantes, tolos e estúpidos. O grande pregador batista do século XIX afirma que é nesse ponto que o homem recebe seu diploma de mestrado em inutilidade e o de doutorado em maldição. Assim acaba o primeiro verso do livro de Salmos sobre como o justo não age.
Passamos à próxima questão: Como, então, o justo deve agir? E essa indagação nos leva ao versículo 2, no qual o salmista descreve, em termos afirmativos, o que o justo faz. Poderíamos, por intuição, supor que o conteúdo em termos afirmativos seria uma ideia diretamente oposta àquilo que o justo não faz. Dessa forma, seria natural lermos algo parecido com “o justo anda no conselho dos sábios, detém-se no caminho dos retos de coração e se assenta na roda dos que louvam”.Porém, não foi assim que o salmista descreveu as ações do justo. Na verdade, o que ele diz no verso 2 é: “Antes, o seu prazer está na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite”.
Em outras palavras, o justo valoriza a Palavra de Deus. Como se diz: “Você não é aquilo que pensa, mas o que você pensa, isso é quem você é”. Portanto, não há nada mais importante do que mergulhar na Palavra e meditar nela dia e noite.
Hoje, em geral, todo mundo tem um computador, um tablet ou smartphone. Mas, não importa qual seja o seu aparelho eletrônico com acesso à internet, todos têm um mesmo slogan implícito: “lixo entra e lixo sai”. Assim, se você coloca lixo em uma máquina de compra automática, é lixo que vai sair dessa máquina. E esse mesmo princípio é verdadeiro em relação à mente humana. A pessoa justa enche sua mente com a Escritura, pois nela medita dia e noite.
O versículo 2 afirma que o justo medita nas Escrituras dia e noite. E você? Sente necessidade de meditar sobre o quê? Em uma noite insone, quando você acorda e não consegue mais dormir, para onde seus pensamentos instantaneamente vão? Talvez para as pressões do trabalho ou para os filhos? Para onde sua mente vai, instintivamente, quando você acorda de madrugada? Talvez para um filme ao qual assistiu recentemente? E perguntamos: com que frequência sua mente se volta para alguma passagem da Bíblia lida recentemente? Seus pensamentos seriam algo como um sermão sobre 1 Pedro que você ouviu na manhã anterior e, então, você começa a meditar sobre isso? Dia e noite meditando na Palavra, assim é o justo. É assim que, ao ler a Bíblia, ela transforma profundamente nossa maneira de pensar.
No primeiro versículo, vimos a maneira como o justo não age; no segundo, aquilo que o justo faz. No terceiro, veremos que a pessoa justa é descrita de forma metafórica: “Ele é como árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem-sucedido”.
A imagem dessa árvore surge de um cenário muito comum entre aqueles que escreveram e leram o texto por muitos séculos: em Israel, a terra é semiárida. Existem muitos riachos que, na época das chuvas, correm e regam a terra, porém, durante a maior parte do ano, esses riachos secam e a terra é totalmente árida. As árvores que, na época das chuvas, ficam irrigadas e florescem passam boa parte do ano – aquela em que não há chuva – sem folhas, a ponto de parecerem estar mortas, somente voltando a parecer saudáveis quando as chuvas voltam a cair.
Assim, para que uma árvore produza frutos, é necessário mais que chuvas esporádicas; é necessário haver muito mais água. E a árvore descrita é plantada intencionalmente por Deus junto às muitas correntes de águas. Assim, mesmo que uma das correntes de água seque, isso não faz diferença para tal árvore, porque ela está irrigada por muitas correntes. O resultado disso é que, não importa o que aconteça, suas folhas estarão sempre verdes, não murcharão e sempre produzirão frutos. E, em tudo o que se fizer, haverá prosperidade.
Nesse contexto, alguns usam essa passagem bíblica para dar suporte à teologia da prosperidade. Mas, claramente, a prosperidade do Salmo em questão diz respeito aos crentes. É igualmente importante que se questione que tipo de prosperidade é essa. Assim, quando os primeiros versículos são lidos com atenção, fica claro que o Salmo escrito para crentes aborda a prosperidade relativa à retidão de coração e à justiça espiritual. Não se trata de adquirir um aparelho de ar-condicionado, de fazer uma previdência pessoal farta ou de prosperar financeiramente. E essa não é a única passagem que fala da prosperidade dos justos por meio de uma metáfora que contrasta a terra árida e a árvore plantada junto às águas. Vejamos o que os versículos 5 e 6 de Jeremias 17 dizem:
Assim diz o SENHOR: Maldito o homem que confia no homem, faz da carne mortal o seu braço e aparta o seu coração do SENHOR! Porque será como o arbusto solitário no deserto e não verá quando vier o bem; antes, morará nos lugares secos do deserto, na terra salgada e inabitável.
Em acentuado contraste, os versículos 7 e 8 dizem:
Bendito o homem que confia no SENHOR e cuja esperança é o SENHOR. Porque ele é como a árvore plantada junto às águas, que estende as suas raízes para o ribeiro e não receia quando vem o calor, mas a sua folha fica verde; e, no ano de sequidão, não se perturba, nem deixa de dar fruto.
Por conseguinte, a prosperidade vista aqui é a prosperidade espiritual que vem da confiança em Deus. Em outras palavras, diz respeito às consequências das ações dos ímpios – sequidão, solidão e frustração –, em contraste com as consequências das ações dos justos, que envolvem prosperidade da justiça e retidão. Portanto, os versículos de 1 a 3 do Salmo 1 descrevem, sucessivamente, o justo em termos negativos, em termos positivos e, por último, em termos metafóricos.