O humanismo secular não possui maneiras de explicar tanto a grandeza quanto a tragédia da existência humana. Entretanto, a história bíblica da Criação e da Queda providencia a base para afirmar a dignidade e a depravação do homem. Nós nascemos no mundo “em Adão”, isto é, como gloriosos traidores.
Glorioso em todos os sentidos
Deus nos criou para a glória dele. Nós existimos para ele, e não ele para nós. E ainda, diferente de todo o resto da criação, nós fomos criados à imagem de Deus para um relacionamento especial com ele, naturalmente dotados de “inteligência, retidão e perfeita santidade, segundo a sua própria imagem, tendo a lei de Deus escrita em seus [nossos] corações, e o poder de cumpri-la” (Confissão de Fé de Westminster, Cap. IV, art. 2). De acordo com a Escritura, os seres humanos não são semidivinos nem demoníacos, mas criaturas a quem foi dada uma dignidade real, como os vice-reis de Deus.
Adão e Eva foram criados ambos à imagem de Deus, mas Deus fez de Adão a cabeça federal da raça humana. Adão reconheceria com gratidão sua dependência de Deus e de sua criação? Ou ele procuraria usurpar o trono de Deus, determinando a si mesmo no que acreditaria e como viveria?
Perceba a visão elevada da natureza humana que a citação acima da Confissão de Fé de Westminster reflete. Nós fomos criados com o poder de cumprir a lei de Deus, “mas com a possibilidade de transgredi-la”, a Confissão adiciona, “sendo deixados à liberdade da sua própria vontade, que era mutável. Além dessa escrita em seus corações, receberam o preceito de não comerem da árvore da ciência do bem e do mal; enquanto obedeceram a este preceito, foram felizes em sua comunhão com Deus e tiveram domínio sobre as criaturas”.
Adão e Eva não eram neutros. Eles foram orientados para a vontade de Deus e sua justa lei. Além dessa liberdade de escolha, Adão e Eva aproveitaram um conhecimento natural de Deus. Por natureza, eles amavam a Deus de todo o coração, alma, forças e entendimento. Deus não criou o homem com qualquer defeito ou fraqueza. A glória de Deus foi refletida na totalidade da pessoa: o corpo e suas paixões, bem como a alma e o intelecto.
Caído em todos os sentidos
Em Romanos 1, Paulo argumenta que “a ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça” (v. 18). Você não pode separar a razão da ética. Desde a Queda, nós estivemos entortando, distorcendo e suprimindo a verdade que nos vem através da revelação geral e da revelação especial. Descrença não é o resultado da falta de evidência. Todo mundo sabe da existência de Deus e dos atributos invisíveis dele através das suas obras na criação, portanto “tais homens são, por isso, indesculpáveis” (vv. 19-20). Não é que Deus falha em revelar a si mesmo, mas que os homens “não o glorificaram como Deus e nem lhe deram graças” (v. 21). Ser grato é reconhecer dependência, mas isso é precisamente o que os nossos corações caídos não querem fazer. Nós não queremos refletir a glória de Deus. Nós queremos possuir a glória que é somente de Deus. Nós não queremos ser uma imagem, mas o original. Nós suprimimos a verdade para que possamos ser nossos próprios criadores e senhores, como Paulo indica na descrição que ele faz do caminho percorrido pela humanidade a fim de negar a prestação de contas para com Deus (vv. 22-32).
Depravação total não significa que nós somos tão maus quanto poderíamos ser. Afinal de contas, até os gentios algumas vezes seguem os ditames de suas consciências (Romanos 2.14-16). Antes, isso significa que da mesma forma como a imagem de Deus cerca todo o nosso ser, a escravidão do pecado o faz também. Todos os aspectos constituintes da nossa natureza humana foram afetados pela Queda. Nós não podemos raciocinar, querer ou agir de forma a sair da nossa escravidão moral (3.9-20). Mas, pelo menos, nossas vontades são livres, certo? Paulo replica: “não há justo, nem um sequer”. E as nossas mentes? Não. Paulo escreve: “não há quem entenda”. Nossos corações? Paulo acrescenta: “não há quem busque a Deus” (Romanos 3.10-11). Ao mesmo tempo que sabemos da natureza suficiente para nos condenar, nós somente podemos ser salvos pela revelação especial que Deus nos dá no evangelho (3.21-31). A história da Criação e da Queda apresenta uma apologética básica para explicar tanto a dignidade quanto a depravação do homem, e assim saberemos o porquê de todas as pessoas precisarem de Cristo, que é a verdadeira imagem de Deus (2Coríntios 4.4; Colossenses 1.15).
Tradução: João Pedro Cavani
Revisão: Yago Martins
Original: Man