terça-feira, 30 de abril
profecia

A disciplina para os falsos profetas

Os falsos profetas na Bíblia

O trecho abaixo foi extraído com permissão do livro Profetas, de Augustus Nicodemus, Editora Fiel (em breve).


 

No Antigo Testamento — o período em que Deus inspirou homens como Moisés, Elias, Eliseu, Isaías e Jeremias —, os falsos profetas eram tratados com extremo rigor (Dt 13.1-5; 18.20-22). Aplicado com o filtro do Novo Testamento, o conselho de Deuteronômio 13.5 quanto aos falsos profetas é bastante útil: “Assim, eliminarás o mal do meio de ti” (καὶ ἀφανιεῖς τὸν πονηρὸν ἐξ ὑμῶν αὐτῶν [Septuaginta]). Essa expressão, quando utilizada por Moisés diversas vezes, ordenava a aplicação da pena capital a alguém que praticasse uma transgressão grave, a fim de que a sua impureza não maculasse todo o povo de Israel, em meio ao qual Deus habitava (cf. Dt 13.5; 17.7; 21.21; 22.21, 24; 24.7).

Porém, no Novo Testamento, o apóstolo Paulo se apropria das palavras de Moisés e, baseado na natureza espiritual do povo de Deus na Nova Aliança, faz uma aplicação também espiritual delas, utilizando-as como uma referência não à pena capital, mas ao processo espiritual da excomunhão. Assim, em alusão a um jovem coríntio que vinha mantendo relações sexuais com sua madrasta — delito que, no Antigo Testamento, seria punido com a morte (Lv 20.11) —, o apóstolo, em 1 Coríntios 5.13, dá à igreja de Corinto uma ordem que é um eco das palavras de Moisés: “Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor” (καὶ ἐξαρεῖτε τὸν πονηρὸν ἐξ ὑμῶν αὐτῶν). Paulo não quer, por óbvio, que a igreja de Corinto apedreje o jovem até que ele morra, mas que o entregue a Satanás, isto é, que o afaste da comunhão e da membresia da igreja (cf. v. 2-5).

Esse mesmo tratamento foi dispensado por Paulo a dois falsos profetas chamados Himeneu e Alexandre, os quais “entreguei a Satanás”, escreveu o apóstolo a Timóteo, “para ser castigados, a fim de não mais blasfemarem” (1Tm 1.20). A falsa profecia deles dizia respeito à ressurreição dos mortos, evento que, segundo eles, já havia se cumprido (2Tm 2.17). Atuando como profetas, esses homens interpretavam e aplicavam de forma terrivelmente equivocada o ensino que, por meio dos profetas do Antigo Testamento, dos apóstolos do Novo Testamento e de Jesus, o Profeta por excelência, Deus havia revelado a respeito da ressurreição dos mortos. Himeneu e seus seguidores, assim, incorreram numa heresia conhecida como hiperpreterismo, segundo a qual a ressurreição dos mortos e, por consequência, a vinda final de Cristo já teriam ocorrido. Dada a recusa de arrependimento dos hiperpreteristas de seu tempo, os quais se negaram a renunciar às suas falsas profecias, Paulo se viu obrigado a excluí-los da membresia da igreja, considerando-os não cristãos.

Esse é o processo que chamamos de excomunhão ou exclusão, processo que foi ordenado para a igreja pelo próprio Senhor Jesus (Mt 18.15-18). Um membro de uma igreja que, incorrendo em uma prática pecaminosa, recusa-se a se arrepender, mesmo depois das orientações particulares e públicas da igreja, deve ser considerado “gentio e publicano”, isto é, uma pessoa que não faz parte da membresia da igreja e que ainda precisa ser evangelizada, para que creia e seja salva. Reunida, a igreja reconhece que esse pecador impenitente não faz parte do corpo de Cristo.

Esse é exatamente o processo ao qual, a exemplo de Himeneu e seus seguidores, deviam ser submetidos aqueles que se sentem seguros para proferir falsas profecias para a igreja. Já que tanto o Antigo Testamento quanto o Novo Testamento reputam a falsa profecia como um pecado que deve ser eliminado do meio da igreja, temos de considerar com seriedade o ensino bíblico a respeito desse importante assunto e disciplinar os falsos profetas impenitentes — não por meio do apedrejamento, obviamente; mas através da excomunhão. O motivo pelo qual tantos falsos profetas se sentem à vontade para transmitir falsas mensagens em nome de Deus, as quais produzem os efeitos mais nefastos e danosos na vida e na fé dos destinatários de suas palavras, é que não temos levado a sério a orientação bíblica quanto ao que devemos fazer com eles ou com os pecadores contumazes de forma geral.

É preciso que comecemos a enxergar os falsos profetas como realmente são: pessoas que estão em pecado e levando outras pessoas ao pecado. Ainda que alguém realmente acredite que as insinuações de sua própria mente provêm de Deus, aqueles que fazem o mal achando, com sinceridade, que fazem o bem também estão em pecado e precisam, portanto, ser confrontados e exortados com base na Palavra de Deus, a fim de que se arrependam. Se, no entanto, essas pessoas preferirem continuar em seu pecado, dando continuidade ao seu espúrio ministério profético, elas devem ser excomungadas, infelizmente. Quando ignoramos as orientações bíblicas do Senhor, abrimos as portas de nossas igrejas para o pecado e para a impureza. O povo de Deus, no entanto, deve ser santo, pois Deus habita em seu meio. É por isso que, segundo a orientação de Moisés reverberada por Paulo, devemos tirar de nosso meio o mal.


Autor: Augustus Nicodemus

Augustus Nicodemus é bacharel em teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte, em Recife, mestre em Novo Testamento pela Universidade Cristã de Potchefstroom, na África do Sul, e doutor em Hermenêutica e Estudos Bíblicos pelo Seminário Teológico de Westminster, na Filadélfia (EUA), com estudos adicionais na Universidade Reformada de Kampen, na Holanda. Foi chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie por dez anos, é professor do Centro Presbiteriano de Pós Graduação Andrew Jumper. Autor de diversos livros, dentre eles, Apóstolos, publicado pela Editora Fiel. É autor de vários livros, entre eles Apóstolos, publicado por Editora Fiel. É casado com Minka Lopes e tem quatro filhos: Hendrika, Samuel, David e Anna.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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