Portanto, quando a Bíblia exibe a glória de Deus como o alvo de tudo que Deus faz, esta é outra maneira de dizer que o infinito valor e beleza de Deus – ou seu valor e excelência supremos – são a realidade suprema no universo. E isso é, de fato, o que achamos na Bíblia. Do começo ao fim, Deus nos diz e nos mostra que seu alvo supremo em tudo que ele faz é comunicar sua glória para o mundo ver e para seu povo o admirar, desfrutar e louvar.
Podemos mostrar isto por referir-nos aos seis estágios da redenção, começando na eternidade passada e movendo-nos, pela criação e pela história, para a eternidade futura. Em cada um destes estágios, Deus fala explicitamente que seu propósito é que sua glória seja conhecida e louvada – ou seja, admirada com alegria, desfrutada abundantemente, valorizada de coração.
Predestinação
Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda bênção espiritual nos lugares celestiais em Cristo, assim como nos escolheu nele, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e inculpáveis diante dele. Em amor, ele nos predestinou para adoção por meio de Jesus Cristo, de acordo com o propósito de sua vontade, para o louvor da glória de sua graça (Ef 1.3-6, tradução do autor).
A redenção começa na eternidade passada, no coração de Deus. Ele predestina um povo “para a adoção por meio de Jesus Cristo”. Paulo nos mostra a mais profunda raiz e o mais elevado alvo desta predestinação. Ele diz que ela está enraizada no “propósito da vontade” de Deus (Ef 1.5). Diz também que o alvo final da predestinação é o louvor da glória de sua graça” (Ef 1.6). Quão rapidamente passamos por esta última afirmação! De quem é o propósito que está sendo expresso nas palavras “ele nos predestinou para adoção… para o louvor da glória de sua graça”? É o propósito de Deus. E qual é este propósito? Que louvemos. Louvemos o quê? A glória de Deus. A glória peculiar de sua graça. Desde toda a eternidade, o plano de Deus era ter uma família adotada “por meio de Jesus Cristo” que louvaria sua glória por toda a eternidade. Há poucas coisas que precisamos saber que são mais importantes do que isso. Poucas coisas moldarão a sua vida mais do que isso – se penetrar no âmago de sua alma.
O plano existente desde a eternidade passada era louvor pela eternidade futura. Aquele que fez o plano e que deve ser louvado é a mesma pessoa – Deus. E o foco do louvor é a glória peculiar de Deus – que brilha mais intensamente como a glória da graça na pessoa e obra de Jesus.
Criação
Direi ao Norte: entrega! E ao Sul: não retenhas! Trazei meus filhos de longe e minhas filhas, das extremidades da terra, a todos os que são chamados pelo meu nome, e os que criei para minha glória, e que formei, e fiz (Is 43.6-7).
O que “para minha glória” significa? Não significa que a criação trará a glória de Deus à existência. Ele já tem glória. A criação transborda essa glória. Significa que a criação mostrará, exibirá ou comunicará a glória de Deus. Essa é a razão por que Israel foi criado. E a razão por que nós fomos criados. Este é o objetivo de Gênesis 1.27-28:
Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra.
Se você fosse muito grande e enchesse a terra com sete bilhões de imagens de si mesmo, qual seria o seu alvo? Seu alvo é ser conhecido e admirado por sua grandeza. Mas, é claro, visto que o pecado entrou no mundo, os seres humanos preferiram viver para sua própria glória e não para a glória de Deus. É por isso que Deus planejou a história de redenção – para que todos aqueles que têm sua esperança em Cristo sejam “para louvor da sua glória” (Ef 1.12). Em nosso primeiro nascimento, fomos criados para a glória de Deus. E, por meio de Cristo, somos nascidos de novo – feitos novos, como novas criações – para a glória de Deus. A existência humana é para a glória de Deus. Foi por isso que Deus criou o mundo (Sl 19.1), a raça humana (Gn 1.27-28) e a nova raça em Cristo (Ef 1.12).
Encarnação
E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai (Jo 1.14).
A encarnação do eterno Filho de Deus – o Verbo que“estava com Deus, e… era Deus” ( Jo 1.1) – colocou a glória de Deus em exibição como nunca antes.“Vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.” Esta foi a razão por que o Pai o enviou e por que ele veio.
Paulo enfatizou isto em Filipenses 2.6-11, descrevendo as- sim a encarnação:
Ele, subsistindo em forma de Deus… tornou-se em semelhança de homens; e, reconhecido em forma humana… tornou-se obe- diente até à morte… Pelo que também Deus o exaltou… para que ao nome de Jesus… toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai (tradução do autor).
Se você seguir atentamente a linha de pensamento, verá que Deus exaltou a Cristo porque ele assumiu a forma humana e foi obediente até à morte. Ele foi um ser humano obediente; por isso, Deus o exaltou. E o alvo da encarnação e da consequente exaltação era a glorificação de Deus. “Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira… para glória de Deus Pai.” Portanto, o alvo de Deus na encarnação do Filho era a manifestação da gló- ria peculiar do Pai na encarnação e na obra de Cristo.
Propiciação
Agora, está angustiada a minha alma, e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente com este propósito vim para esta hora. Pai, glorifica o teu nome. Então, veio uma voz do céu: Eu já o glorifiquei e ainda o glorificarei (Jo 12.27-28).
Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti (Jo 17.1).
A hora sobre a qual Jesus estava falando era a hora de sua morte. Ele viera para morrer. “E dou a minha vida pelas ovelhas” (Jo 10.15). A razão por que isso precisava ser feito é que todos os seres humanos estão sob a ira de Deus. Não há esperança para nenhum de nós sem a propiciação – ou seja, um sacrifício que remove a ira de Deus. Jesus se deu como esse sacrifício. O resultado é: “Quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus” (Jo 3.36). Há apenas duas opções. Crer e escapar da ira de Deus. Ou desobedecer ao mandamento de crer e permanecer sob a ira. Jesus disse que viera para prover este escape, para a glória do Pai. “Mas precisamente com este propósito vim para esta hora. Pai, glorifica o teu nome” (Jo 12.27-28).
O apóstolo Paulo explicou mais completamente como este aspecto da morte de Cristo opera realmente. Em Romanos 3.25-26:
A quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus.
Duas vezes Paulo diz que Deus enviou Cristo como propiciação “para manifestar a sua justiça”. Ele também diz que o propósito é “para ele mesmo ser justo”. Portanto, três vezes Paulo descreve a morte de Jesus como a vindicação da justiça de Deus.
Cristo morreu por nós ou por Deus? Em certa ocasião, numa reunião de alunos chamada Paixão preguei um sermão sob o título “Cristo morreu por nós ou por Deus?” Esta passagem, Romanos 3.25-26, foi o meu texto. A resposta à pergunta foi que Cristo morreu pela glória de Deus, a fim de que sua morte fosse contada para a nossa salvação. Por que Cristo precisou morrer para mostrar que Deus é justo? Na verdade, por que ele precisou morrer para que Deus, ao declarar pecadores justos, pudesse ser justo? A resposta é dada claramente: porque em “sua tolerância” Deus havia “deixado impunes os pecados anteriormente cometidos”. Deus não havia punido os pecados dos santos do Antigo Testamento. Ele os deixou impunes. Assim também ele deixou impunes os pecados de todos os que creem em Jesus.
No entanto, Paulo acabara de dizer, em Romanos 3.23, que estes pecados menosprezavam a glória de Deus. “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus.” Quando uma pessoa peca, ela está expressando uma preferência por algo acima de Deus. Está dizendo que Deus e seu caminho são menos satisfatórios do que o caminho do pecado. Isto é um insulto ultrajante para Deus. Estamos mudando a glória de Deus por outra glória (Rm 1.23). Portanto, pecar é uma depreciação do valor da glória de Deus.
Se Deus ignora esta atitude e comportamento, como se a sua glória não possuísse valor infinito, está agindo de modo injusto. Está concordando com o fato de que as coisas são mais desejáveis do que ele mesmo. Isso é injustiça. É uma mentira.
No entanto, isso foi o que Deus fez. Deixou impunes pecados anteriores. Ele pareceu injusto. E isto, Paulo disse, foi a razão por que Deus propôs Cristo como propiciação por meio de seu sangue. Em sua morte pela glória de Deus (Jo 12.27), Cristo mostrou ao mundo que Deus não ignora o menosprezo de sua glória. Ele não varre para debaixo do tapete do universo pecados que o degradam. Na morte de Cristo, Deus mostra que sua glória é de valor infinito. Deus não é injusto; não trata a sua glória como algo sem valor. Quando ele não pune pecados por causa de Cristo, toda a criação pode ver que isto acontece não por que a glória de Deus é insignificante, e sim pelo fato que em Cristo houve uma infinita exibição do valor da glória de Deus. “Precisamente com este propósito vim para esta hora. Pai, glorifica o teu nome” (Jo 12.27-28).
Portanto, sabemos que Cristo morreu por causa da glória de Deus. Cristo se entregou como uma propiciação da ira de Deus, para vindicar a justiça de Deus em deixar impunes pecados que o desprezam. E, no fazê-lo, Cristo se tornou, em sua morte e ressureição, parte da magnífica exibição divina da glória peculiar de Deus.
Santificação
E também faço esta oração: que o vosso amor aumente mais e mais em pleno conhecimento e toda a percepção, para aprovardes as coisas excelentes e serdes sinceros e inculpáveis para o Dia de Cristo, cheios do fruto de justiça, o qual é mediante Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus (Fp 1.9-11).
Também não cessamos de orar por vós, para que o nosso Deus vos torne dignos da sua vocação e cumpra com poder todo propósito de bondade e obra de fé, a fim de que o nome de nosso Senhor Jesus seja glorificado em vós (2Ts 1.11-12).
Deus torna o seu povo santo – ele os santifica – a fim de colocar sua própria glória em exibição. Ele age em nós para encher-nos “do fruto de justiça”. Por quê? “Para a glória e louvor de Deus.” Podemos ignorar facilmente que em Filipenses 1.9-11 Paulo está orando a Deus. Ou seja, está pedindo que Deus seja glorificado na justiça de seu povo. Este é o propósito e o fazer de Deus, não de Paulo.
De modo semelhante, em 2 Tessalonicenses 1.11-12 Paulo ora para que os crentes sejam capazes de realizar toda boa obra “a fim de que o nome de nosso Senhor Jesus seja glorificado em vós”. As boas obras são para a glória de Cristo. E, por meio dele, para a glória de Deus. Isto é o que devemos esperar se Deus nos predestinou para sua glória, nos criou para sua glória e morreu para nos salvar para sua glória. Passo a passo na história de redenção, Deus está operando todas as coisas a fim de comunicar sua glória para o desfrute de seu povo.
Consumação
Estes sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder, quando vier para ser glorificado nos seus santos e ser admirado em todos os que creram, naquele dia (2Ts 1.9-10).
No último dia – o fim da história, como sabemos – Jesus voltará a esta terra. Por quê? A razão dada aqui é que ele seja “glorificado nos seus santos e… admirado em todos os que creram”. A palavra glorificar não significa “tornar glorioso”. Significa mostrar como glorioso – ou aclamar, louvar, exaltar ou magnificar como glorioso.
Magnificar. Sim, esta é uma boa palavra que expressa glorificar. Mas é ambígua. Não magnificamos a Jesus à maneira de um microscópio. Nós o magnificamos à maneira de um telescópio. Um microscópio faz coisas pequenas parecerem maiores do que realmente são. Os telescópios fazem coisas enormes, que parecem pequenas, parecerem mais com o que realmente são. Esta é a razão por que Cristo voltará: para ser finalmente mostrado, visto e desfrutado pelo que ele realmente é.
Este artigo é um trecho adaptado com permissão do livro Lendo a Bíblia de modo sobrenatural, de John Piper, Editora Fiel.
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