Números — História instrutiva
Childs observou que “o livro de Números, no geral, tem sido considerado como a composição menos unificada dentro do Pentateuco.” Por outro lado, Budd defende que “o livro, de modo algum, é tão desordenado e incoerente como por vezes se argumenta.” Uma das características mais importantes do livro, como um todo, são os censos que ocorrem no início e mais para o fim, num ponto estratégico. Esses recenseamentos marcam os inícios dos relatos, tanto da primeira como da segunda geração, mas também encerram uma narrativa que tem “uma certa progressão unificada e que não pode ser destruída por análise crítica.” Apesar da variedade de gêneros no livro (narrativa, profecia, leis civis, leis cúlticas, oráculos), essa variedade, como observam Longman e Dillard, ocorre fundamentalmente “dentro do contexto maior de narrativa e lei.” Assim, eles categorizam o livro como “história instrutiva”, favorecendo o duplo esboço que Olson faz de Números, o qual consiste na “parte final da velha geração”
A Literatura de Deuteronômio
Um livro político e pedagógico, legislativo e homilético
A descoberta dos documentos de tratados hititas e assírios teve efeitos profundos sobre o estudo da estrutura de Deuteronômio. Já na década de 1950, estudiosos como George Mendenhall tinham apresentado observações úteis sobre as similaridades entre os elementos de tratados do Antigo Oriente Próximo e a estrutura desse livro bíblico. Acadêmicos posteriores, como Kline, McCarthy e Baltzer, desenvolveram essa estrutura, acrescentando detalhes e observando similaridades com outros formatos de tratado. Embora os elementos tenham leves diferenças, o formato básico desses tratados é este:
I. Prólogo histórico (cf. Dt 1.1–4.43)
II. Cláusulas (cf. Dt 4.44–26.19)
III. Prescrições para o armazenamento e leitura periódica da aliança (cf. Dt 31.9-13)
IV. Lista de testemunhas (nenhum paralelo claro em Deuteronômio, embora sejam mencionadas testemunhas nas convocações cerimoniais [cf. Dt 30.19-20] e no cântico de Moisés [cf. Dt 32.1, 43])
V. Bênçãos e maldições (cf. Dt 27.1–28.68)
Em um documento de tratado ou aliança, esses elementos podem variar em sua posição, como fica visível nas similaridades identificadas acima. O esboço do livro parece seguir vagamente o formato de um tratado antigo, enquanto mantém seus próprios elementos exclusivos. Por exemplo, o livro identifica vários discursos públicos de Moisés, cuja paixão pessoal muitas vezes transparece em suas frases. Como resultado, alguns descrevem o gênero do livro como “lei pregada”, e McConville está certamente correto em observar que o formato de tratado, como o livro é entendido atualmente, parece ser empregado de maneira bem “livre”. Deuteronômio é político e pedagógico, legislativo e homilético. Embora o livro tenha implicações nacionais (que são aplicadas na história de Israel), ele também serve ao propósito de instruir o indivíduo nos caminhos do Senhor — como os israelitas devem amá-lo e o que isso significa para a vida deles na terra.
Alguns estudiosos defenderam um esboço que destaca certas características literárias, e essas abordagens podem ser bem esclarecedoras. Christensen faz uma das propostas mais fortes, mapeando o texto como um padrão concêntrico:
a. Estrutura externa: um olhar para o passado (Dt 1–3)
b. Estrutura interna: o grande discurso (resumo) (4–11)
c. Essência central: cláusulas da aliança (12–26)
b. Estrutura interna: a cerimônia da aliança (27–30)
a. Estrutura externa: um olhar para o futuro (31–34)
Esse formato tem muito a ser elogiado, e suas divisões seguem as amplas categorias do formato pactual. Ele poderia ser tomado como um corolário da compreensão geral da ordem do livro. Talvez o aspecto mais convincente nessa disposição do texto seja a centralidade das cláusulas da aliança e a continuidade clara entre as “estruturas externas”, que exibem uma repetição observável do capítulo 3 no capítulo 31.
Nesta obra, utilizaremos um esboço de Deuteronômio que é estruturado, em grande medida, pelas preocupações da aliança.
I. Prólogo histórico (1.1–4.43)
II. Cláusulas (4.44–26.19)
A. Dez mandamentos (4.44–5.33)
B. Primeiro mandamento: monoteísmo (6.1–11.32)
C. Segundo mandamento: adoração (12.1-32)
D. Terceiro mandamento: honra ao nome (13.1–14.21)
E. Quarto mandamento: sábado (14.22–16.17)
F. Quinto mandamento: honra à autoridade (16.18–18.22)
G. Sexto mandamento: dignidade humana (19.1–22.12)
H. Sétimo mandamento: fidelidade sexual (22.13–23.18)
I. Oitavo mandamento: propriedade pessoal (23.19–24.22)
J. Nono mandamento: honestidade (25.1–19)
K. Décimo mandamento: contentamento (26.1–15)
L. Conclusão formal (26.16–19)
III. Cerimônia de promulgação (27.1–28.68)
IV. Prospecto histórico-redentor: bênçãos e maldições (29.1–30.20)
V. Epílogo histórico (31.1–34.12)
Este artigo é um trecho do livro Introdução bíblico-teológica ao Antigo Testamento, editado por Miles V. Van Pelt.