Neste capítulo e no seguinte, procuro responder à pergunta: “como um julgamento segundo as obras, na vinda do Senhor, nos ajuda a amar a sua vinda?” Para responder a essa pergunta, precisamos esclarecer que haverá um julgamento como esse quando Jesus vier e qual será o papel das nossas obras naquele Dia. No capítulo 10, perguntaremos: “as obras atuam para confirmar a fé? São recompensadas?” E, em seguida, no capítulo 11, precisamos responder a esta pergunta: “levando em conta esse julgamento, como essa realidade nos ajuda a amar a vinda do Senhor?”
Devemos nos regozijar ou temer?
Quando cristãos aprendem de Jesus que, em sua vinda, ele “retribuirá a cada um conforme as suas obras” (Mt 16.27), somos inclinados a amar a vinda de Jesus por causa desse ensino? Ou recuamos, com medo de sua vinda? E como encaramos as palavras de Apocalipse 22.12: “Eis que venho sem demora, e comigo está o galardão que tenho para retribuir a cada um segundo as suas obras”? Isso é motivo para nos regozijarmos com a vinda do Senhor? Presumivelmente, Paulo alude ao mesmo evento quanto diz: “Importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo” (2Co 5.10).
Os cristãos sofrerão dano na vinda de Cristo
Imagino que, se pudéssemos supor que, naquele Dia, todo cristão ouviria a mesma recomendação irrestrita (“Muito bem, servo bom e fiel” — Mt 25.21, 23), então, a perspectiva de um julgamento conforme as nossas obras seria jubilosa, e não preocupante. Contudo, como reagimos às palavras de Paulo em 2 Coríntios 5.10, texto no qual ele afirma que cada um de nós receberá sua recompensa “segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo”? “Ou mal.” E se formos verdadeiros cristãos, mas ficarmos muito aquém de vivermos de maneira frutífera?
Eis a descrição dos servos de Cristo em 1 Coríntios 3.11-15:
Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo. Contudo, se o que alguém edifica sobre o fundamento é ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, manifesta se tornará a obra de cada um; pois o Dia [da vinda de Cristo para julgamento e resgate] a demonstrará, porque está sendo revelada pelo fogo; e qual seja a obra de cada um o próprio fogo o provará. Se permanecer a obra de alguém que sobre o fundamento edificou, esse receberá galardão; se a obra de alguém se queimar, sofrerá ele dano; mas esse mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo.
Nesse contexto, Paulo lida mais diretamente com aqueles que edificam sobre Cristo como o fundamento verdadeiro da igreja (1Co 3.10-11). Por isso, os materiais usados na edificação se referem, mais imediatamente, aos ensinos com os quais alguém edifica. Portanto, “madeira, feno, palha” se referem, muito provavelmente, a ensinos deficientes. Possivelmente, Paulo não se refere à heresia descarada que, negando o Evangelho, evoca seu anátema em outra epístola (Gl 1.8-9). Em vez disso, ele se refere, provavelmente, ao ensino que, em alguma maneira, é errôneo, ou distorcido, ou insensato, ou irrelevante, ou mal aplicado, ou explicado imperfeitamente, ou superficial, ou mudado para adequar-se a tradições eclesiásticas não bíblicas ou mundanas.
É duvidoso, no entanto, que alguém possa edificar consistentemente a partir de um ensino deficiente e não ter problemas significativos de mundanismo na mente, bem como no coração. “A boca fala do que está cheio o coração” (Mt 12.34). Portanto, o princípio de julgamento aqui se aplica a atitudes e ações deficientes em geral, não apenas a ensinos e mestres.
Isso é confirmado quando compreendemos que a igreja é edificada, em alguma medida, por todos os crentes, e que essa edificação é feita em amor (Ef 4.16), não apenas em verdade (4.15). Amor deficiente é tão inflamável quanto ensino deficiente.
Todos ouvirão: “Muito bem”?
A pessoa de 1 Coríntios 3.15 ouvirá Jesus dizer: “Muito bem, servo bom e fiel”? De acordo com Paulo, a verdade e o valor do ensino e das obras de uma pessoa será revelado “pelo fogo; e qual seja a obra de cada um o próprio fogo o provará […] se a obra de alguém se queimar, sofrerá ele dano; mas esse mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo” (1Co 3.13, 15).
Entendo as palavras “sofrerá dano” como o melhor comentário explicativo de Paulo sobre o que ele quis dizer em 2 Coríntios 5.10: “Importa que […] cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo”. Entendo que Paulo quer dizer que o julgamento que sobrevém a um cristão pelo “mal” em sua vida é esse “sofrer dano” em 1 Coríntios 3.15. “Se a obra de alguém se queimar, sofrerá ele dano.”
O “dano” que esse cristão sofrerá é a perda de uma possível recompensa que poderia ter recebido, mas não a receberá. Isso parece claro à luz do versículo 14: “Se permanecer a obra de alguém que sobre o fundamento edificou, esse receberá galardão”. Então, as alternativas são estas: receber “galardão” ou sofrer “dano”. Faz sentido concluir que sofrer “dano” se refere à perda de recompensa que poderia ter sido recebida. Logo, com base no ministério descrito em 1 Coríntios 3.10-15, seria correto dizer que alguns cristãos não ouvirão as palavras: “Muito bem, servo bom e fiel” (Mt 25.21, 23) — pelo menos, não com a mesma intensidade proferida a outros discípulos mais fiéis. Essas palavras são proferidas a servos que conseguiram dez talentos a partir de cinco e quatro talentos a partir de dois (Mt 25.20-23).
Este artigo é um trecho adaptado com permissão do livro Vem, Senhor Jesus!, de John Piper, em breve pela Editora Fiel.
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