quarta-feira, 30 de outubro
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A vida cristã comum

Radical. Épico. Revolucionário. Transformador. Impactante. Transformador de vida. Definitivo. Extremo. Impressionante. Emergente. Alternativo. Inovador. No limite. A próxima onda. Descoberta explosiva.

Provavelmente, você pode adicionar outros termos à lista de modificadores que se tornaram, ironicamente, parte das conversas comuns na sociedade e na igreja de hoje. A maioria de nós já ouviu expressões como essas tantas vezes que elas já se tornaram um lugar-comum. Mesmo que os anúncios nos tenham deixado um pouco exaustos, estamos ansiosos para levar as coisas para “um outro nível”.

“Comum” deve ser uma das palavras mais solitárias do nosso vocabulário hoje. Quem quer um adesivo de carro que anuncie para o bairro: “Meu filho é um estudante comum da escola estadual local”? Quem quer ser essa pessoa comum que vive em uma cidade comum, é um membro de uma igreja comum, tem amigos comuns e trabalha em um emprego comum? Nossa vida tem que contar para alguma coisa. Temos que deixar a nossa marca, ter um legado, fazer a diferença. Precisamos ser discípulos radicais, levar nossa fé a um nível totalmente novo. E tudo isso deve ser algo que posa ser gerenciado, medido e mantido. Temos que fazer jus ao nosso perfil no Facebook.

E, no entanto, sinto uma inquietação crescente com esta inquietação. Alguns têm se cansado das chamadas constantes à mudança radical por meio de métodos novos e melhorados. Essas pessoas estão menos certas de que querem aderir ao próximo movimento ou trilhar novos caminhos para a grandeza. Rod Dreher observa:

Cotidianidade é o meu problema. É fácil pensar sobre o que você faria em uma guerra, ou se um furacão atingisse a cidade, se você passasse um mês em Paris, se o seu candidato ganhasse a eleição, se você ganhasse na loteria ou comprasse aquela coisa que você realmente queria. É muito mais difícil imaginar como você vai conseguir vencer o dia de hoje sem se desesperar.

Em seu livro sobre sua irmã, The Little Way of Ruthie Leming (“O pequeno caminho de Ruthie Leming”), Dreher sinaliza uma crescente sensação de cansaço com o culto ao extraordinário.

Inquietos pela próxima grande novidade

Estou convencido de que uma das razões para a nossa obsessão com o ser extraordinário é a cultura do reavivamento que moldou o protestantismo americano. Especialmente através do evangelista Charles G. Finney (1792-1875), o reavivalismo adotou uma teologia centrada no homem e encontrou métodos adequados para isso. Ao colocar a salvação nas mãos do indivíduo endurecido, o evangelista precisava de “novas medidas suficientes para induzir o arrependimento”. Como Richard Hofstadter observou, “o sistema de estrelato não nasceu em Hollywood, mas no rastro das cruzadas de evangelismo”. O foco não estava tanto no evangelho e nos meios de graça apontados por Deus, mas no evangelista e em seus métodos para produzir avivamento.

O raciocínio era de que a mensagem e os métodos instituídos por Cristo eram muito fracos, comuns demais. Não é o que acontece na igreja e em casa durante toda a semana que realmente importa, mas sim o dia em que o reavivamento chegou à cidade e você foi “gloriosamente salvo”, como minha avó costumava dizer.

Um contemporâneo de Finney, o pastor e teólogo reformado John W. Nevin, contrastou “o sistema do banco” (o precursor da chamada ao altar) e “o sistema do catecismo”:

A antiga fé Presbiteriana, na qual nasci, foi baseada na ideia de uma religião da família da aliança, em membresia na igreja por um ato santo de Deus através do batismo e em seguida em uma formação catequética regular do jovem, com referência direta a sua vinda à mesa do Senhor. Em suma, tudo procedia da teoria de uma religião educacional e sacramental.

Estes dois sistemas, Nevin concluiu, “envolvem, no fim das contas, duas teorias diferentes de religião”. A conclusão de Nevin foi justificada pelos desenvolvimentos subsequentes.

Perto do fim do seu ministério, ao considerar a condição de muitos que tinham experimentado seus reavivamentos, o próprio Finney se perguntou se esse anseio sem fim por experiências cada vez maiores poderia levar à exaustão espiritual. Suas preocupações se mostraram fundamentadas. A área onde os avivamentos de Finney foram especialmente dominantes agora é chamada por historiadores de o “distrito incinerado”, um lugar fértil tanto para a desilusão quanto para a proliferação de seitas esotéricas. Este tem sido o ciclo vicioso do reavivalismo evangélico desde então: um pêndulo entre o entusiasmo e desilusão, em vez de amadurecimento constante em Cristo através da participação na vida comum da comunidade da aliança.

Se o crescimento gradual em Cristo é trocado por uma experiência radical, não é de se estranhar que muitos comecem a procurar a próxima grande novidade assim que a mais recente experiência marcante se vai. Mesmo em minha própria vida, eu testemunhei (e participei de) um desfile de movimentos radicais. E agora, de acordo com a revista Time, o “novo calvinismo” é uma das principais tendências que estão mudando o mundo. Este movimento também tem sido identificado como dos “jovens, inquietos e reformados”. Mas, enquanto ele for definido pela inquietação juvenil, ele pode tender a deformar o que significa ser reformado.

Quando eram pescadores mais jovens, meus filhos não conseguiam deixar suas linhas na água tempo suficiente para pegar qualquer coisa viva. Eles ficavam sempre recolhendo a linha para ver se tinham apanhado algo. Então, quando quiseram plantar morangos com minha esposa, seu entusiasmo inicial logo se transformou em tédio quando, depois de apenas alguns dias, não viram qualquer fruto.

Ser jovem é ser inquieto. Ficamos perdidos em devaneios impacientes e impulsos egoístas. Mas somos chamados várias vezes no Novo Testamento a crescer, a amadurecer, a deixar nossas coisas de menino. Somos chamados a submeter-nos aos mais velhos, a apreciar a sabedoria que não abrange apenas anos, mas gerações, e a perceber que não temos todas as respostas. Nós não somos as estrelas de nosso próprio filme. Se todo o aparato da vida da igreja for projetado por e para uma cultura jovem, então nós nunca cresceremos.

Então, pelo menos de certa forma, a nossa inquieta impaciência com o comum não é apenas influência de nossa cultura, mas também influência de pontos de vista pouco sólidos do discipulado cristão que moldaram a cultura ao longo de gerações.

Renovando o respeito pelo comum

Antes de mais nada, qualquer renovada apreciação pelo comum começa com Deus. É claro que Deus dificilmente pode ser considerado “comum”, contudo, ele tem prazer em trabalhar de formas comuns. Nosso Deus trino poderia fazer tudo sozinho, direta e imediatamente. Afinal, ele disse: “Haja luz”, e houve luz (Gn 1.3). No entanto, ele também disse: “produza a terra relva”. E “a terra, pois, produziu relva” (v. 12). Deus não é menos fonte última da realidade quando está trabalhando dentro da criação para que ela “produza” seus propósitos do que quando está diretamente chamando as coisas à existência.

Na Providência, a forma comum de Deus trabalhar deve nos surpreender com admiração. O que poderia ser mais comum do que o nascimento de uma criança? Não precisamos chamá-la de milagre para nos admirarmos com a obra de Deus. Mesmo a forma de trabalho normal de Deus é estupenda. Embora os profetas e apóstolos tenham sido chamados para um serviço extraordinário, eles eram pessoas comuns que comunicavam a Palavra de Deus em linguagem comum.

Vemos essa diversidade até mesmo na Encarnação. Deus assumir nossa carne no ventre de uma virgem não é nada menos que uma intervenção direta e milagrosa na história. Ainda assim, ele assumiu sua humanidade a partir de Maria pela forma comum, por meio de uma gravidez normal de nove meses. O parto do Deus encarnado tampouco foi de forma milagrosa. Ele também cresceu em aspectos comuns, através de meios comuns: “E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2.52).

Além disso, o milagre extraordinário do novo nascimento vem até nós do alto, mas somos unidos a Cristo através da pregação comum do evangelho. Algumas conversões são radicais, outras são graduais. Em quaisquer casos, é obra milagrosa de Deus através dos meios comuns de graça.

Em todas estas formas, Deus é o ator, mesmo quando age por meio de suas criaturas. Nós não subimos até Deus; antes, ele desce até nós e nos comunica graça através de palavras e ações que podemos compreender.

Comum não significa medíocre. Atletas, arquitetos, filantropos e artistas podem atestar a importância da fidelidade diária em tarefas mundanas para que se chegue à excelência. Porém, mesmo que não sejamos pessoas de destaque em nossos vários chamados, é suficiente saber que somos chamados por Deus para manter uma presença fiel em seu mundo. Nós olhamos para Deus com fé, e para o nosso próximo com amor e com boas obras. Você não precisa transformar o mundo para ser fiel como mãe, pai, irmão, membro da igreja ou vizinho.

E, quem sabe? Talvez, se descobrirmos as oportunidades do comum, um carinho pelo familiar e uma admiração pelo ordinário, podemos acabar sendo radicais, afinal.

 

Tradução: João Paulo Aragão da Guia Oliveira
Revisão: Yago Martins


Autor: Michael Horton

Michael Horton é professor de Apologética e Teologia Sistemática na Westminster Seminary California (EUA). É formado pela Biola University, mestre pelo Westminster Seminary California e obteve seu pós-doutorado pela Universidade de Coventry e Wycliffe Hall, em Oxford. Horton é autor de vários livros, incluindo O Cristão e a Cultura e Face a Face com Deus (CEP).

Parceiro: Ministério Ligonier

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