O trecho abaixo foi extraído do Livro Tomando Decisões Segundo a Vontade de Deus, de Heber Campos Jr., Editora Fiel.
A visão confusa que evangélicos têm acerca de descobrir a vontade de Deus passa a noção de que Deus brinca de esconde-esconde com a sua vontade. A verdade, porém, é que ele não falha como alguns pais, os quais repreendem seus filhos baseados em ordens que não ficaram claras e, assim, levam seus filhos à ira. Deus não esconde o que ele quer de nós. Não podemos culpá-lo disso. Deus não brinca de esconder de nós a sua vontade. Ele se apresenta em toda a Escritura como um Deus revelador. Sua vontade precisa ser algo muito mais clara do que estamos acostumados a pensar.
Falamos de ‘descobrir’ a vontade de Deus, como se ele a estivesse escondendo. Porém, a Bíblia ordena que nós a compreendamos (“Procurai compreender qual a vontade do Senhor” Ef 5.17). Parte-se do princípio de que ela pode ser conhecida. Não devemos ir atrás do que Deus não intentou revelar, mas devemos conhecer bem o que nos revelou. Desde o primeiro capítulo de Gênesis, até o ápice da revelação em Jesus Cristo (Hb 1.1-2), nosso Senhor é um Deus que fala. E quando falo que Cristo é o ápice da revelação, me refiro ao fato de ele afirmar que ele nos deu a conhecer tudo quanto ouviu de seu Pai (Jo 15.15). Essa é uma frase impactante! Cristo não nos poupou de nada que precisávamos saber. Pelo contrário, ele fez questão de enviar-nos o Espírito para reforçar e completar essa revelação, que atingiu seu clímax em Jesus (Jo 16.12-14). Tal reforço e complemento ocorrem no ministério dos apóstolos, que nos proporcionaram o fundamento da vida cristã (Ef 2.20). Não há nada além das Escrituras que precisemos conhecer para uma vida agradável a Deus.
Portanto, não podemos jamais culpar o Deus revelador de esconder coisas importantes de nós. Ele mesmo promete ao seu povo: “instruir-te ei e te ensinarei o caminho que deves seguir; e, sob as minhas vistas, te darei conselho.” (Sl 32.8).
Além de um conceito distorcido de Deus, a confusão evangélica acerca do assunto tem gerado uma expectativa errada do que seja a vida cristã. Primeiramente, fazer a vontade de Deus passa a ser algo totalmente incerto, e por intermédio de tentativa e erro vamos montando o complicadíssimo quebra-cabeça do plano de Deus para a nossa vida. Esse delongado processo gera ansiedade na busca, como já mencionamos, e isso é pecaminoso.
Em segundo lugar, um senso de juízo aumenta o peso da responsabilidade nas decisões. Alguns cristãos sofrem a partir da premissa de que ‘a vontade de Deus para a minha vida’ implique em apenas uma das opções, como se a outra fosse errada, desagradasse a Deus. Em questões onde não há escolha moralmente certa ou errada – como, por exemplo, escolher morar em uma cidade ou em outra –, não devemos imaginar que uma das escolhas seja inaceitável a Deus. Esse tipo de raciocínio pode piorar, se julgarmos que a escolha errada trará juízo da parte de Deus, se entendemos uma situação em que tudo dá errado, porque não procuramos o caminho de Deus. Escolhas imprudentes podem trazer consequências ruins, mas quando não há quebra de preceito, não há razão para julgar que haja juízo da parte de Deus. Se Deus nos responsabilizasse por não cumprir uma vontade escondida de nós, inacessível a nós, Deus seria mau.
Em terceiro lugar, o desejo por saber uma vontade não revelada nas Escrituras é buscar o que James Petty chama de “conhecimento tóxico”. Conhecimento futuro do que nos acontecerá, caso trilhemos esse ou aquele caminho, é vedado de nós para o nosso bem. Seria danoso ter esse grau de conhecimento, pois Jesus nos diz que somos programados para lidar apenas com as preocupações de cada dia (Mt 6.34). Assim como a árvore do conhecimento do bem e do mal era um limite benéfico para o que Adão poderia conhecer, Deus edifica limites para o nosso conhecimento que nos são benéficos.
O perigo desse assunto não jaz, apenas, nas implicações para a vida cristã. Ele abre portas para meios ‘espirituais’ perigosos, utilizados por inúmeros evangélicos carismáticos em nosso país.
Os meios usados nessa busca (profecias, sonhos e outros caminhos espirituais)
O grau com que se enfatiza o uso desses meios entre carismáticos varia. Por um lado, há teólogos como Wayne Grudem, que abrem brecha para seu conceito de profecia revelatória dentro de um entendimento ortodoxo da vontade de Deus. Ele diz que Deus “não nos revela normalmente esses decretos (exceto em profecias sobre o futuro), e, portanto, constituem realmente a vontade ‘secreta’ de Deus.” Grudem está dizendo que não deve ser nossa expectativa rotineira que Deus nos revele o futuro, embora possa ocasionalmente fazê-lo. Por outro lado, há escritores mais radicais como Herman H. Riffel, que diz que Deus fala em várias línguas, dentre elas (e mui frequentemente), em sonhos e visões. O segredo está em cada pessoa aprender, por si mesma, a reconhecer a voz de Deus. A sugestão do autor é idêntica ao que o mundo expressa em músicas e filmes: ‘ouça o seu coração’.
Riffel ainda sugere que aprendamos a reconhecer a voz de Deus, obedecendo ao que “achamos que Deus está nos dizendo para nós”. Se estamos incertos de que é a voz de Deus, podemos pedir confirmação. Riffel então apoia sua alegação com as histórias de Gideão (Jz 6 e 7) e Acaz (Is 7.11-12).
Muitos evangélicos de igrejas tradicionais rejeitam tais métodos carismáticos sem perceber o perigo dos métodos adotados por eles mesmos. Não é incomum cristãos, e mesmo pastores, julgarem que conhecemos o que Deus ‘quer’ para nós por intermédio de uma combinação de circunstâncias, ímpetos espirituais, vozes interiores e uma paz de mente. Em outras palavras, se as condições são desfavoráveis, é sinal de que Deus não me quer fazendo aquilo; se algo interior me impulsionou a fazer algo, deve ser Deus; se minha consciência está tranquila, é porque é vontade de Deus que eu tome esse caminho.
Para um evangélico mais tradicional, tais métodos nunca podem fugir dos mandamentos de Deus e de uma vida de oração. Isto é, eles nunca legitimariam alguém dizer que se sentiu impulsionado por Deus a fazer algo pecaminoso, ou permanecer em um estado imoral, só porque a consciência está tranquila. Todavia, ser guiado por Deus nas decisões que estão dentro de um padrão correto de vida não acontece pelos meios ordinários (leitura da Palavra e vida de oração), mas por intermédio de meios ‘extraordinários’. James Petty afirma que tal atitude ainda é uma forma de direcionamento imediato (contrapondo o direcionamento mediado pela iluminação de nossas mentes pela Palavra), que não requer interpretação, pois vem de forma aparentemente clara. Essa comunicação direta é o que muitos querem, isto é, que Deus me diga claramente o que fazer.
Qual é o problema desses meios de descobrir a vontade de Deus? Por que não são confiáveis? Diferente do que as pessoas estão acostumadas a pensar, a busca desses meios ‘sobrenaturais’ não é uma atitude “espiritual”. Pelo contrário, quem procura essas coisas passa a viver por vista e não por fé. Muitos esperam um trailer antecipado do filme de suas vidas, uma amostra suficiente para lhes tranquilizar de que Deus está lhes guiando. Gostariam de abrir sua caixa de entrada de emails e encontrar algum recado de Deus. Todavia, Deus nunca prometeu esse tipo de comunicação como estilo de vida, nem mesmo para quem o Senhor apareceu. Abrão, por exemplo, foi ordenado que fosse para uma terra que Deus lhe mostraria. O capítulo da fé, Hebreus 11, afirma que o patriarca partiu “sem saber para onde ia” (Hb 11.8). Deus não lhe deu conhecimento antecipado, nem da jornada nem do destino final.
Há também o desejo de sermos poupados de sofrimento. Quando tomamos uma decisão, arcamos com suas consequências. Como ninguém gosta de tropeçar em suas decisões, ‘descobrir a vontade de Deus’ se torna fundamental. No fundo, queremos ser livres das consequências negativas. Embora nem sempre articulemos assim, queremos a orientação divina na escolha da universidade, do emprego ou do ministério a ser seguido porque não queremos olhar para trás com lamento e curiosidade, “e se eu tivesse optado por outro caminho?” Acontece que Deus não promete poupar-nos de tropeços. Muitas são as aflições do justo (Sl 34.19).
Em meio a tanta confusão precisamos buscar um caminho melhor. Nosso ensino não pode ser o de revelar a vontade de Deus para situações específicas na vida de alguém, mas de ensinar o crente a entender como persistir na vontade de Deus de forma frutífera.