“Como está a vida?” Resposta: “Uma correria”.
De alguma forma, esse se tornou um diálogo comum, se não padrão, para muitos de nós. Estamos mais ocupados do que nunca, e sem perspectivas de mudança. Em muitos casos, nutrindo desejos ambíguos a esse respeito.
Kevin DeYoung, em seu livro Super ocupado, afirma algo semelhante: “Não conheço ninguém nos Estados Unidos (meu país) que responda à pergunta ‘Como você está?’ com: ‘Bem, para início de conversa, não estou muito ocupado’”.
Eu sei que não preciso gastar muita tinta tentando convencê-lo disso. Talvez agora mesmo você esteja passando por dificuldades para prosseguir na leitura deste livro por causa da tal “correria”. Os dispositivos tecnológicos nos prometeram liberdade e mais tempo, mas nos entregaram escravidão e ocupação total.
Doentes no serviço
Não apenas estamos sempre ocupados, como também muitos de nós têm uma relação distorcida com o trabalho.
• Séries como Suits nos apresentam o cenário do mundo corporativo. Nesse mundo, um iniciante em um escritório de advocacia tem de ser um dos primeiros a chegar e um dos últimos a sair se deseja crescer profissionalmente. Considera-se “virar a noite” no escritório algo virtuoso.
• Pais de família trabalham excessivamente buscando atingir um sonho profissional, garantir seu emprego, conseguir uma promoção ou pelo menos se livrar das cobranças do seu chefe e das demandas de sua equipe.
• Donas de casa acreditam que não podem parar nem mesmo por um minuto, porque, no momento em que pararem, a casa ficará “pelos ares”.
• Pastores e líderes cristãos acreditam que precisam fazer sempre mais, porque a igreja depende de seu esforço contínuo.
• Estudantes e concurseiros tomam energéticos e doses excessivas de café para não parar de estudar em nenhum momento.
Como resultado disso, adotamos o mesmo lema de um canal fechado de televisão: “Nunca desliga”. Nós nunca desligamos.
Os acomodados existem, mas o ritmo da vida contemporânea privilegia a correria, e tem movido a maior parte da população ao estilo de vida workaholic, dominado pelo trabalho incessante.
Eu não posso parar
Eu tenho uma tendência ao ativismo. Existem algumas razões no coração (sobre as quais falaremos mais adiante), mas por ora guarde essa informação.
Mesmo trabalhando no ministério pastoral — e lidando diretamente com a Bíblia —, eu cultivava visões antibíblicas do trabalho. Isso porque, durante anos a fio, eu não sabia o que era tempo de folga e de descanso. Em geral, a folga pastoral acontece nas segundas-feiras. Então, para mim, esse dia da semana se destinava a duas coisas: lidar com as demandas atrasadas e adiantar outras demandas de serviço. Além disso, eu cultivava péssimos hábitos de sono, dormindo muito tarde e não reservando tempo para o descanso e a recuperação do corpo e da mente.
Aqui, repito: quando somos jovens, é relativamente fácil suportar um ritmo mais intenso de vida. Mas a idade chega e o tempo cobra seu preço.
No meu caso, nem precisou passar muito tempo. Seguindo um ritmo insustentável de vida, comecei a adoecer no corpo e na alma: baixa imunidade, resfriados constantes, indisposição, dificuldade para dormir, ansiedade, ataques de pânico, irritabilidade… a lista é extensa.
Estávamos plantando uma igreja na época em que isso aconteceu. O trabalho de plantar uma igreja é, naturalmente, intenso. Além disso, eu cursava mestrado em Teologia — outra atividade cheia de demandas. Também nesse período, minha esposa engravidou e nós tivemos nosso primeiro filho. As demandas só aumentavam.
Minha mente nutria um pensamento recorrente que dizia “Não posso parar”. A ideia era que, se eu parasse, o trabalho não prosperaria. Se eu parasse, a igreja não avançaria. Se eu parasse, o mestrado não seria concluído. Se eu parasse, não conseguiria sustentar a casa. Eu não poderia parar.
Então, eu seguia a vida do coelho de Alice no País das Maravilhas: sempre correndo, e sempre atrasado.
Work Hard, Play Hard
Eu sei que não estou sozinho. Essa é a descrição de muitos de nós — desde donas de casa, passando por estudantes, até profissionais das mais diversas áreas. Nós achamos que não podemos parar.
Esse desequilíbrio no trabalho fez nascer, em nossa cultura, uma distorção imaginativa e prática que se traduziu no lema “Work hard, play hard” [Trabalhe intensamente, divirta-se intensamente]. Quem nos fala sobre isso é a psiquiatra Anna Lembke, no livro Nação dopamina:
Por outro lado, os trabalhos braçais estão cada vez mais mecanizados e desligados do significado do próprio trabalho. Trabalhar a serviço de beneficiários distantes traz uma limitação de autonomia, um modesto ganho financeiro e pouca sensação de um objetivo comum. O trabalho segmentado de linha de montagem fragmenta a sensação de realização e minimiza o contato com o consumidor do produto final, ambos básicos para uma motivação interna. O resultado é uma mentalidade “work hard, play hard”, na qual o hiperconsumo compulsivo torna-se a recompensa no final de um dia de trabalho maçante.
Assim, já que não cultivamos uma caminhada saudável, acreditamos que uma compensação exagerada de diversão pode ser o caminho para nossa vida intensa. Mas a vida nos extremos não tem estabilidade ou clareza.
Talvez você não saiba o momento de parar. Talvez você pense que não pode parar. Talvez você acredite que descansar é para os fracos. Talvez você já esteja apresentando os sintomas de um ritmo insustentável. Talvez já tenha sido abraçado pelo esgotamento. Por isso precisamos voltar ao coração.
O coração de um workaholic
Partimos da premissa de que nossa luta com a produtividade resulta do desalinhamento do nosso coração. Porque o nosso coração luta contra Deus, o resto de nossa vida experimenta desordens e desafios.
Por isso, é no coração que encontramos as raízes dos problemas do trabalho excessivo. É verdade que não podemos nos esquecer dos chefes e das empresas que demandam horas excessivas de trabalho, mas, cada vez mais, a escravidão ao trabalho é impulsionada a partir de dentro, e não de fora.
O que acontece no coração de um workaholic? Por que alguém trabalha sem se permitir usufruir períodos de descanso e folga? Por que nos sentimos culpados apenas diante da ideia de “não fazer nada” em algum momento? Existem diferentes respostas.
Identidades frágeis
A primeira resposta envolve um senso de identidade distorcido. Uma identidade firmada em terreno movediço — uma identidade frágil — é insuficiente para proporcionar firmeza a alguém. Por isso, é necessário compensar essa fragilidade por meio de obras que sirvam para a validação pessoal e o fortalecimento da identidade.
Em bom português: quando não estamos seguros de que somos amados e de que nosso valor está em Cristo, podemos usar o trabalho como nossa fonte de valor e significado.
Para mim, uma das experiências mais difíceis era adoecer. E, por causa do esgotamento, isso acontecia com frequência. Quando adoecia, eu me tornava rabugento e irritadiço. Em geral, quem estava mais perto — minha santa esposa — era quem sofria com isso.
Mas por que uma doença me deixava assim? Eu acreditava que meu valor estava em minha produtividade. Pensava que minha identidade dependia do volume produzido no dia. Por isso, andava inseguro, e qualquer prejuízo na produção era fonte de frustração e irritação.
Eu acreditava que minha identidade dependia da minha performance. Por isso, quando a doença afetava minha produtividade, algo além do meu corpo caía: a minha segurança.
Em alguns círculos, passamos a acreditar que a correria é um sinal de importância. Perguntamos uns aos outros: “Como está a vida?”, e respondemos com certo ar de orgulho: “Está uma correria só”. Embora a correria esteja nos matando, sentimo-nos orgulhosos de falar dela porque acreditamos que isso valida nossa existência. Como diz Tim Challies: “De alguma maneira, acreditamos que o nosso valor está ligado a quanto estamos ocupados”.
O que não percebemos é que nenhuma base para nossa identidade é suficientemente firme, a não ser o próprio Cristo. Se buscarmos ancorar nossa existência em algo passageiro, como a nossa performance, viveremos inseguros. Se seu valor depender do seu trabalho, o que acontecerá se você sofrer um acidente e perder a capacidade de trabalhar? O que acontecerá se uma catástrofe global, como uma pandemia, afetar sua atividade? O que acontecerá quando você ficar doente?
Você se torna “sem valor”. Torna-se um “nada”. E começa a experimentar o peso da situação em que colocou a si mesmo. Muitos afundam em depressão porque colocaram sua identidade em algo pequeno e frágil demais para sustentá-la.
Por outro lado, se a sua identidade está em Cristo, nos seus dias mais produtivos você saberá que é amado por Deus; nos seus dias menos produtivos, você permanecerá seguro de sua condição. O trabalho passa a ser uma resposta ao Senhor, e não uma tentativa de buscar segurança e validação pessoal.
O artigo acima é um trecho adaptado com permissão do livro Produtividade redimida, de Allen Porto, Editora Fiel.