Artigo adaptado do livro O sofrimento nunca é em vão, de Elisabeth Elliot.
Eu não venho até você como uma teóloga ou erudita. Eu não venho apenas como alguém que assiste de camarote e pondera friamente, mas como alguém em cuja vida Deus se certificou de que houvesse certa medida de sofrimento, certa medida de dor. E é exatamente dessa medida de dor que tem surgido a convicção inabalável de que Deus é amor.
Quando minha garotinha Valerie tinha dois anos, o pai dela morrera havia mais de um ano. E eu estava começando a ensinar a ela coisas como o Salmo 23. “O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso; refrigera-me a alma” (Sl 23.1-3a). Ainda consigo ouvir aquela frágil vozinha de bebê dizendo: “Leva-me para junto das águas de descanso”. E eu percebi, ao ouvi-la novamente falar — e ainda tenho uma gravação dela falando —, e pensei: de onde ela tirou essa entonação estranha? Então, percebi que ela havia aprendido com sua mãe, que ensinava a ela palavra por palavra. Ela dizia: “Leva-me”; e eu então dizia: “para junto”. E ela dizia: “para junto”. Seja como for, ela aprendeu.
Também ensinei a ela coisas como o Salmo 91, um dos meus favoritos: “O que habita no esconderijo do Altíssimo e descansa à sombra do Onipotente diz ao Senhor: Meu refúgio e meu baluarte, Deus meu, em quem confio. Pois ele te livrará do laço do passarinheiro e da peste perniciosa. Cobrir-te-á com as suas penas, e, sob suas asas, estarás seguro; a sua verdade é pavês e escudo. Não te assustarás do terror noturno, nem da seta que voa de dia, nem da peste que se propaga nas trevas, nem da mortandade que assola ao meio-dia. Caiam mil ao teu lado, e dez mil, à tua direita; tu não serás atingido” (Sl 91.1-7).
Ora, quero que você pense em como uma mãe viúva tenta ensinar o significado desse salmo à sua filhinha, cujo pai foi assassinado por um grupo de índios selvagens que pensaram que ele era um canibal. Ensinar o que as palavras da Escritura significam. Ela aprendeu “Jesus me ama, isso eu sei”, não porque o pai dela fora assassinado. Ela não aprendeu dessa forma. Em vez disso, ela aprendeu: “Jesus a terrível verdade me ama, isso eu sei, pois a Bíblia assim me diz”. Ela aprendeu a cantar “Deus vai cuidar de mim”, e como eu deveria explicar que “mil caiam ao teu lado, e dez mil, à tua direita, mas tu não serás atingido”?
Falo isso porque talvez ajude você a ver que eu fui forçada, pelas circunstâncias de minha própria vida, a tentar cavar até o leito de rocha da fé. Até aquilo que é inquebrável e inabalável. Deus é meu refúgio. Ele era o refúgio de Jim? Ele era sua fortaleza? Na noite anterior à sua entrada no território Waorani, aqueles cinco homens que seriam mortos pelos Waorani cantaram: “Descansamos em ti, nosso escudo e nosso defensor”. Como sua fé reage diante da ironia dessas palavras?
Do lado de cá do paraíso, não há satisfação intelectual para a velha pergunta: por quê? Porém, embora eu não tenha encontrado satisfação intelectual, encontrei paz. A resposta que lhe dou não é uma explicação, mas uma pessoa, Jesus Cristo, meu Senhor e meu Deus. Como compartilhei no início deste capítulo, ao perceber que meu marido estava desaparecido (e ao ficar mais cinco dias sem saber que ele estava morto), as palavras que Deus me trouxe naquele momento foram de Isaías 43: “Quando passares pelas águas, eu serei contigo; quando, pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti. Porque eu sou o Senhor, teu Deus” (Is 43.23a).
E então percebi que Deus não estava me dizendo que tudo ficaria bem, humanamente falando, que ele iria preservar meu marido fisicamente e trazê-lo de volta para mim. Mas ele estava me fazendo uma promessa inequívoca: “Estarei contigo porque eu sou o Senhor, teu Deus”. Ele é aquele que me amou e entregou a si mesmo por mim.
E aquele desafio que Ivan Karamazov fez a Aliocha, seu irmão, ecoava um desafio feito milhares de anos antes, o desafio lançado a Jesus quando ele estava pendurado na cruz. “Tu que destruirias o templo e o reconstruiria em três dias, salva-te a ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce!”. Então, você se lembra de como a elite religiosa, com desdém, o insultava com palavras acusatórias: “Salvou os outros. A si mesmo não pode salvar-se. Confia em Deus. Que Deus o livre agora. É um milagreiro. Que nos prove agora, pois disse: ‘Sou o Filho de Deus’”.
Assim, tornamos à terrível verdade de que o sofrimento existe. E a questão permanece: Deus está prestando atenção? Se sim, por que não faz algo? Eu digo que sim, que ele fez, que ele está fazendo algo e que fará algo.
O assunto só pode ser abordado pela cruz. Aquela velha e rude cruz tão desprezada pelo mundo. A pior de todas as coisas que já ocorreram na história humana torna-se a melhor de todas as coisas, pois ela me salvou. Ela salva o mundo. Desse modo, o amor de Deus, representado e demonstrado a nós ao entregar seu Filho Jesus para morrer na cruz, se encontra e se harmoniza com o sofrimento.
Você percebe, esse é o ponto crucial da questão. E aquelas dentre vocês que estudaram latim talvez se lembrem de que a palavra crucial vem de crux, a palavra latina para cruz. É apenas na cruz que podemos começar a harmonizar essa aparente contradição entre sofrimento e amor. E nunca entenderemos o sofrimento, a menos que entendamos o amor de Deus.