quarta-feira, 18 de dezembro
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Deus faz tudo acontecer

Artigo adaptado do livro Deus controla tudo?, de R. C. Sproul — série Questões Cruciais.

Como vimos no capítulo anterior, um dos conceitos predominantes na cultura ocidental, nas duas últimas décadas, é o de que vivemos em um universo mecânico e fechado. A teoria é que tudo opera de acordo com leis físicas naturais, e que não há possibilidade para intromissão de fora. Portanto, o universo é como uma máquina que funciona por suas próprias maquinações.

No entanto, até aqueles que introduziram este conceito lá no século XVII, ainda postulavam a ideia de que Deus construiu a máquina em primeiro lugar. Sendo pensadores e cientistas inteligentes, eles não puderam escapar da necessidade de um Criador. Reconheceram que não haveria nenhum mundo para eles observarem, se não houvesse uma causa suprema para todas as coisas. Embora a ideia de um Governante providencial e envolvido nos afazeres da vida diária tenha sido questionada e desafiada, ainda era admitido, implicitamente, que tinha de existir um Criador acima e além da ordem criada.

No conceito clássico, a providência de Deus estava intimamente ligada ao seu papel como Criador do universo. Ninguém acreditava que Deus, simplesmente, criou o universo e, depois, virou as costas e perdeu o contato com ele, ou que Deus sentou de volta em seu trono, no céu, e ficou apenas contemplando o universo agir por seu próprio mecanismo, recusando-se, ele mesmo, a envolver-se nos afazeres do universo. Pelo contrário, a noção cristã clássica era a de que Deus é tanto a causa primária do universo quanto a causa primária de tudo o que acontece no universo.

Um dos princípios fundamentais da teologia cristã é que nada neste mundo tem poder causal intrínseco. Nada tem nenhum poder, exceto o poder com que está investido – ou que lhe foi emprestado, se você assim entende – ou que age por seu intermédio, que é, em última análise, o poder de Deus. Essa é a razão por que teólogos e filósofos têm feito, historicamente, uma distinção entre causalidade primária e causalidade secundária.

Deus é a fonte de causalidade primária. Em outras palavras, ele é a causa primeira. É o Autor de tudo que existe e continua a ser a causa primária dos eventos humanos e das ocorrências naturais. Contudo, a causalidade primária de Deus não exclui causas secundárias. Sim, quando a chuva cai, a grama fica molhada, não porque Deus faz a grama ficar molhada direta e imediatamente, e sim porque a chuva aplica umidade à grama. Mas a chuva não poderia cair sem o poder de Deus, que permanece acima e sobre toda atividade causal secundária. No entanto, o homem moderno diz, imediatamente: “A grama fica molhada porque a chuva cai”, e não olha para além disso, para uma causa suprema, mais elevada. As pessoas do século XXI parecem pensar que podemos viver bem apenas com as causas secundárias, não dando nenhum pensamento à causa primária.

Neste caso, o conceito básico é que tudo aquilo que Deus cria, ele sustenta. Em termos simples, esta é a ideia cristã clássica, de que Deus não é o grande Relojoeiro que faz o relógio, lhe dá corda e se afasta do cenário. Em vez disso, o que Deus faz, ele mesmo preserva e sustenta.

Na verdade, vemos isto no começo da Bíblia. Gênesis 1.1 diz: “No princípio, criou Deus os céus e a terra”. A palavra hebraica, traduzida por “criou”, é uma forma do verbo bãrã, que significa “criar, fazer”. Esta palavra traz, em si mesma, a ideia de sustentar. Gosto de ilustrar esta ideia por mencionar a diferença, na música, entre uma nota staccato e uma nota sustentada. Uma nota staccato é uma nota breve e quebrada: “Lá lá lá lá lá”. Uma nota sustentada é uma nota segurada: “Laaaa”. De modo semelhante, a palavra bãrã nos diz que Deus não somente trouxe o mundo à existência, em um momento. Ela indica que ele continua a fazê-lo, por assim dizer. Deus está segurando o mundo, mantendo-o e sustentando-o.

O autor do ser

Um dos conceitos teológicos mais profundos é que Deus é o Autor do ser. Não poderíamos existir à parte de um Ser supremo, porque não temos o poder de ser em e por nós mesmos. Se qualquer ateísta pensasse séria e logicamente sobre o conceito de ser, por cinco minutos, isso seria o fim de seu ateísmo. Um fato inevitável é que ninguém neste mundo tem, em si mesmo, o poder de ser e que, apesar disso, estamos aqui. Portanto, de fato, deve haver Alguém que tem, em si mesmo, o poder de ser. Se não houvesse tal Ser, seria absoluta e cientificamente impossível que alguma coisa existisse. Se não houvesse nenhum ser supremo, não poderia existir nenhum tipo de ser. Se algo existe, tem de haver algo que tem o poder de ser; do contrário, nada existiria. É simples assim.

Quando o apóstolo Paulo falou aos filósofos no Areópago, em Atenas, ele mencionou que tinha visto muitos altares na cidade, incluindo um altar ao “AO DEUS DESCONHECIDO” (At 17.23). Em seguida, Paulo usou isso como abertura, para comunicar-lhes a verdade bíblica: “Esse que adorais sem conhecer é, precisamente, aquele que eu vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe… ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais… pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (vv. 23b-28a). Paulo disse que tudo o que Deus cria é totalmente dependente do poder de Deus, não somente quanto à sua origem, mas também quanto à continuidade de sua existência.

Às vezes, sou impaciente com algumas das liberdades poéticas que os escritores de hinos usam. Um hino famoso inclui esta linha: “Amor admirável! Como pode ser que tu, meu Deus, morreste por mim?” Sim, em determinada maneira de falar, Deus morreu na cruz. O Deus-homem, Aquele que era Deus encarnado, morreu por seu povo. Mas a natureza divina não morreu no Calvário. O que aconteceria ao universo, se Deus morresse? Se Deus cessasse de existir, o universo pereceria com ele, porque não somente criou todas as coisas, ele sustenta todas as coisas. Somos dependentes dele, não somente quanto à nossa origem, mas também quanto à continuação de nossa existência. Visto que não temos o poder de ser em e por nós mesmos, não podemos subsistir, nem por um segundo, sem o poder sustentador de Deus. Isso é parte da providência de Deus.

Esta ideia de que Deus sustenta o mundo – o mundo que ele fez e observa em detalhes íntimos – nos leva ao âmago do conceito de providência, que é o ensino de que Deus governa sua criação. Este ensino tem muitos aspectos, mas quero focalizar-me em três, no restante deste capítulo – as verdades de que o governo de Deus, em todas as coisas, é permanente, soberano e absoluto.

Um governo permanente

A cada quatro anos, temos uma mudança de governo nos Estados Unidos, quando uma nova administração presidencial assume. A Constituição limita o número de anos em que um presidente pode servir como o principal executivo dos Estados Unidos. Então, por padrões humanos, os governos vão e vêm. Toda vez que um presidente assume o seu cargo, os meios de comunicação mencionam o “período de lua de mel”, aquele tempo em que o novo líder é visto com favor, é recebido calorosamente, e assim por diante. Mas, à medida que as pessoas ficam mais e mais irritadas ou desapontadas com as suas políticas, a sua popularidade cai. Logo vemos alguns sábios expressarem a opinião de que precisamos expulsar o “vagabundo” do seu cargo. Em outros países, essa insatisfação tem resultado, ocasionalmente, em revolução armada, causando a deposição violenta de presidentes e primeiros-ministros. Em todo caso, nenhum governante humano detém o poder para sempre.

No entanto, Deus está sentado como Governante supremo do céu e da terra. Ele tem de tolerar pessoas que são desencantadas com seu governo, se opõem às suas políticas e resistem à sua autoridade. Mas, ainda que a própria existência de Deus possa ser negada, sua autoridade possa ser resistida e suas leis, desobedecidas, seu governo providencial nunca pode ser deposto.

O Salmo 2 nos dá uma figura vívida do reino inabalável de Deus. O salmista escreveu: “Por que se enfurecem os gentios e os povos imaginam coisas vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o SENHOR e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas” (vv. 1-3). A imagem aqui é a de um encontro de cúpula dos poderosos governantes deste mundo. Eles se reúnem para formar uma coalizão, um tipo de eixo militar, a fim de planejarem a deposição da autoridade divina. É como se estivessem planejando lançar seus mísseis nucleares contra o trono de Deus, para expulsá-lo do céu. O alvo deles é livrarem-se da autoridade divina, romperem os “laços” e as “algemas” com as quais Deus os prende. Mas a conspiração não é apenas contra “o SENHOR”, é também contra o “seu Ungido”. Aqui, a palavra hebraica é mãšîah, da qual temos a nossa palavra Messias. Deus, o Pai, exaltou seu Filho como cabeça sobre todas as coisas, com o direito de reger os governantes deste mundo. Aqueles que estão investidos de autoridade terrena estão se aconselhando juntos, para planejarem como livrar o universo da autoridade de Deus e de seu Filho.

Qual é reação de Deus a esta conspiração terrena? O salmista disse: “Ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor zomba deles” (v. 4). Os reis da terra se colocam em oposição contra Deus. Concordam com pactos e tratados solenes e encorajam uns aos outros a não vacilarem, em sua resolução de depor o Rei do universo. Mas, quando Deus olha para todos esses poderes reunidos, ele não treme de medo. Deus ri, mas não o riso de satisfação. O salmista descreveu o riso de Deus como o riso de desprezo. É o riso que um rei poderoso expressa, quando mantém seus inimigos em desprezo.

No entanto, Deus não apenas ri: “Na sua ira, a seu tempo, lhes há de falar e no seu furor os confundirá. Eu, porém, constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião” (vv. 5-6). Deus repreenderá as nações rebeldes e afirmará o Rei que ele constituiu em Sião.

Frequentemente, admiro-me da diferença entre a ênfase que acho na Escritura Sagrada e a ênfase que leio nas páginas de revistas religiosas, e que ouço nos púlpitos de nossas igrejas. Temos uma imagem de Deus como alguém cheio de benevolência. Nós o vemos como um criado celestial, que podemos chamar quando precisamos de serviços domésticos, ou como um Papai Noel cósmico que está pronto a nos encher de presentes. Ele tem prazer em fazer o que lhe pedimos. Enquanto isso, Deus nos exorta, afavelmente, que mudemos nossos caminhos e nos acheguemos ao seu Filho, Jesus. Geralmente, não ouvimos sobre um Deus que ordena obediência, que afirma a sua autoridade sobre o universo e insiste em que nos sujeitemos ao seu Messias ungido. Contudo, nas Escrituras, nunca vemos um Deus que convida pessoas a virem a Jesus. Ele ordena que nos arrependamos e nos convençamos de nossa traição em nível cósmico, quer escolhamos fazer isso, quer não. Uma recusa em submeter-se à autoridade de Cristo, talvez não coloque alguém em dificuldades com a igreja ou com o governo, mas certamente criará um problema com Deus.

No discurso no cenáculo (Jo 13-17), Jesus disse aos seus discípulos que estava partindo, mas prometeu que enviaria outro Consolador (14.16), o Espírito Santo. Ele disse: “Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (16.8). Quando Jesus falou que o Espírito Santo viria para convencer o mundo do pecado, ele foi bem específico quanto ao pecado que tinha em mente. Ele disse que o Espírito traria convicção “do pecado, porque não creem em mim” (Jo 16.9). Da perspectiva de Deus, a recusa em submeter-se ao senhorio de Cristo não se deve apenas a uma falta de convicção ou a uma falta de informação. Deus considera tal recusa como uma falha em aceitar o Filho de Deus como o que ele realmente é.

Paulo ecoou esta ideia no Areópago, quando disse: “Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam” (At 17.30). Deus tem sido paciente, disse Paulo, mas agora ordena (“notifica”) a todos que se arrependam e creiam em Cristo. Raramente ouvimos esta ideia em livros ou no púlpito, a ideia de que é nosso dever submeter-nos a Cristo. Mas, embora não a ouçamos, ela não é uma opção para Deus.

Em palavras simples, Deus reina supremamente sobre o seu universo, e o seu reino nunca terminará.

Um governo soberano

Vivemos em uma democracia, por isso é difícil entendermos a ideia de soberania. Nosso acordo social declara que ninguém pode governar em nosso país, exceto pelo consentimento dos governados. Mas Deus não precisa de nosso consentimento para governar. Ele nos fez e, por essa razão, tem o direito intrínseco de nos governar.

Na Idade Média, os monarcas da Europa procuravam fundamentar sua autoridade no chamado “direito divino dos reis”. Eles declaravam que tinham um direito dado por Deus para governar sobre os seus compatriotas. Na verdade, somente Deus tem esse direito.

Na Inglaterra, o poder dos monarcas, que já foi muito grande, agora é limitado. A Inglaterra é uma monarquia constitucional. A rainha goza de toda a pompa e circunstâncias da realeza, mas o Parlamento e o primeiro-ministro regem a nação, e não o Palácio de Buckingham. A rainha reina, mas não governa.

Por contraste, o Rei bíblico tanto reina como governa. E realiza o seu governo, não por meio de um referendo, e sim de sua soberania pessoal.

Um governo absoluto

O governo de Deus é uma monarquia absoluta. Nenhuma restrição exterior lhe é imposta. Ele não tem de respeitar um equilíbrio de poderes com o Congresso e a Suprema Corte. Deus é o Presidente, o Senado, a Câmara de Deputados e a Suprema Corte, todos entretecidos em um só, porque ele está investido da autoridade de um monarca absoluto.

A história do Antigo Testamento é a história do reino de Jeová sobre o seu povo. O tema central do Novo Testamento é a realização, na terra, do reino de Deus, através do Messias, a quem Deus exalta à destra de autoridade, e coroa como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Ele é o Rei supremo, Aquele a quem devemos lealdade e obediência total.

Uma das grandes ironias da história é esta: quando Jesus, que era o Rei cósmico, nasceu em Belém, o mundo era governado por um homem chamado César Augusto. Falando em termos corretos, a palavra augusto é apropriada somente para Deus. Ela significa “de dignidade ou grandeza suprema; majestoso, venerável, eminente”. Deus é o cumprimento superlativo de todos estes termos, porque o Senhor Deus onipotente reina.


Autor: R. C. Sproul

R. C. Sproul nasceu em 1939, no estado da Pensilvânia. Foi ministro presbiteriano, pastor da igreja St. Andrews Chapel, na Flórida. Foi fundador e presidente do ministério Ligonier, professor e palestrante em seminários e conferências, autor de mais de sessenta livros, vários deles publicados em português, e editor geral da Reformation Study Bible.

Parceiro: Ministério Ligonier

Ministério Ligonier
Ministério do pastor R.C. Sproul que procura apresentar a verdade das Escrituras, através diversos recursos multimídia.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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