O trecho abaixo foi retirado com permissão do livro Uma vida de obediência, de Elisabeth Elliot, Editora Fiel
Disciplina: a resposta ao chamado de Deus
Nenhuma história na Bíblia me capturou mais poderosamente quando eu era criança do que a história do profeta Eli e do menino Samuel. Foi no tempo em que “a palavra do Senhor era mui rara; as visões não eram frequentes. […] Samuel ainda não conhecia o Senhor, e ainda não lhe tinha sido manifestada a palavra do Senhor” (1 Samuel 3.1, 7). A criança estava dormindo sozinha no templo, perto da arca de Deus, quando ouviu o que pensava ser a voz de Eli chamando seu nome. Três vezes ele correu obedientemente ao seu mestre; três vezes foi-lhe dito que Eli não o havia chamado. Finalmente, o velho profeta percebeu que era o Senhor e disse ao menino o que dizer da próxima vez.
“Então, veio o Senhor, e ali esteve, e chamou como das outras vezes: Samuel, Samuel! Este respondeu: Fala, porque o teu servo ouve.’” (1 Samuel 3.10).
Eu acreditava, quando era muito pequena, que se o Senhor podia chamar o menino Samuel, ele poderia me chamar. Muitas vezes, eu lhe dizia: “Fala, Senhor”, esperando que ele viesse encontrar-me como havia feito com Samuel. Claro que eu esperava uma voz audível, uma luz na sala, a mão do Senhor pousando palpavelmente sobre a minha. O Senhor, no entanto, não deu esse tipo de resposta, mas a Palavra dele veio até mim de mil maneiras, começando com o fiel ensinamento bíblico que meus pais me deram e continuando através dos anos, linha após linha, preceito após preceito, um pouco aqui e um pouco ali.
Sempre há, nas grandes biografias da Bíblia, um senso do homem sendo confrontado por Deus. A Bíblia é, de fato, um livro sobre Deus e os homens — Deus conhecendo e chamando os homens, e os homens respondendo e conhecendo a Deus. Deus abençoou Adão e Eva e imediatamente deu-lhes a responsabilidade de serem fiéis, de governarem a terra e tudo o que nela existe. Houve vários intercâmbios entre Deus e Adão antes que ele e Eva decidissem desobedecer-lhe. Quando o fizeram, mesmo que tenha sido ideia de Eva comer o fruto proibido, foi Adão quem foi convocado: “Onde você̂ está?” Adão deu desculpas para si mesmo, mas Deus continuou a se dirigir a ele, fazendo perguntas: “Quem lhe disse?”, “Você̂ comeu?”, “O que você̂ fez?”. Deus exigia resposta porque ele havia feito uma criatura que era responsável.
Deus confiou a Noé seu plano de destruir a terra. Ele disse a Noé como ele e sua família poderiam escapar do julgamento — se eles obedecessem. “Contigo, porém, estabelecerei a minha aliança. […] Assim fez Noé, consoante a tudo o que Deus lhe ordenara” (Gênesis 6.18, 22).
Abraão foi escolhido para ser o “pai de muitas nações”. Foi-lhe pedida obediência estrita, obediência que implicaria o sacrifício de um homem de 75 anos: separação de tudo o que lhe era familiar, desenraizamento do ambiente confortável, abandono de posses e segurança material. Mas ele “partiu […] como lho ordenara o Senhor” (Gênesis 12.4).
Moisés foi outro. Não poderia haver nenhuma dúvida em sua mente de que ele estava sendo chamado divinamente quando uma voz (talvez a primeira voz que ele ouvia depois de muito tempo, já que ele estava longe no deserto, cuidando das ovelhas) falou seu nome de dentro do arbusto que estava pegando fogo. Moisés respondeu “Eis-me aqui”.
Na vida de Samuel, de Davi, de Jeremias, de Mateus e de Saulo de Tarso, bem como nas de muitos outros na Bíblia, há evidência de um forte senso de ser conhecido, de ser adquirido, possuído, chamado, agido sobre. Eles não foram homens que estavam especialmente preocupados com as perguntas “Será que Deus está me chamando?” e “Como eu posso ser um grande servo de Deus?”. Eles não estavam preocupados com o crédito, com planos para a notoriedade ou o sucesso. Quaisquer que fossem os planos que eles tivessem, Deus tinha a precedência.
Quando criança em um lar cristão, eu ainda não tinha uma compreensão da palavra disciplina. Eu simplesmente sabia que eu pertencia a pessoas que me amavam e cuidavam de mim. Isso é dependência. Eles falavam comigo e eu respondia. Isso é responsabilidade. Eles me davam coisas para fazer e eu as fazia. Isso é obediência. Isso se soma à disciplina. Em outras palavras, a totalidade da resposta do crente é disciplina. Enquanto há casos em que as duas palavras, disciplina e obediência, parecem ser intercambiáveis, eu estou usando a primeira para compreender a segunda e sempre pressupondo tanto a dependência quanto a responsabilidade. Poderíamos dizer que a disciplina é a “carreira” do discípulo. Ela define a própria forma da vida do discípulo. A obediência, por outro lado, refere-se à ação específica.
A disciplina é a resposta do crente ao chamado de Deus. É o reconhecimento não da solução de seus problemas ou do suprimento de suas necessidades, mas de pertencer a um mestre. Deus se dirige a nós. Nós somos responsáveis — isto é, devemos dar uma resposta. Podemos escolher dizer “sim” e, assim, cumprir o glorioso propósito do Criador para nós, ou podemos dizer “não” e violá-lo. Isso é o que se entende por responsabilidade moral. Deus nos chama à liberdade, à satisfação e à alegria — mas nós podemos recusar essas coisas. Em um profundo mistério, escondido nos propósitos de Deus para o homem antes da fundação do mundo, está a verdade do livre-arbítrio do homem e da soberania de Deus. Disto nós sabemos: um Deus que é soberano escolheu criar um homem capaz de desejar sua própria liberdade e, portanto, capaz de responder ao chamado. Jesus, em resposta à vontade do Pai, demonstrou o que significa ser completamente humano quando tomou sobre si a forma de homem e, ao fazê-lo, escolheu, de forma voluntária e contente, tanto a dependência quanto a obediência. A humanidade para nós, assim como para Cristo, significa tanto dependência quanto obediência.
A relutância por parte de homens e mulheres em reconhecer sua dependência indefesa é uma violação da nossa “condição de criatura”. A relutância em ser obediente é uma violação da nossa humanidade. Ambas são declarações de independência e, sejam elas físicas ou morais, são essencialmente ateístas. Em ambas, a resposta ao chamado é não.
O adorável hino do bispo Frank Houghton expressa a dependência e a obediência do Filho ao Pai:
Tu que eras rico em todo o esplendor, pobre nasceste e foi por amor; trono trocaste pela manjedoura, corte brilhante por estrebaria.
Tu que és Deus de todo louvor nasceste homem e foi por amor; rebaixou-se para levar ao lar celestial o pecador por um plano eternal.
Tu que és amor além de qualquer palavra rei e salvador, adoramos-te!
Emanuel, em nós habitando, torna-nos aquilo o que queres que sejamos.
A disciplina é o “sim” de todo coração ao chamado de Deus. Quando me conheço como alguém chamado, convocado, dirigido, tomado como posse, conhecido, agido, eu ouvi o Mestre. Eu me coloco alegremente, plenamente e para sempre à disposição dele, e diante de tudo o que ele diz, minha resposta é “sim”.
Por: Elisabeth Elliot. ©️ Ministério Fiel. Website: ministeriofiel.com.br. Todos os direitos reservados. Editor e revisor: Renata Gandolfo.