O trecho abaixo foi extraído com permissão do livro Reset, de David Murray, Editora Fiel.
Em um dos raros momentos de privacidade, que consegui agarrar na tempestade que foi a primeira noite no hospital, peguei um livro devocional diário ao lado da minha cama e abri na data do dia, para ali encontrar meditações sobre os seguintes versos:
Em meio à tribulação, invoquei o SENHOR, e o SENHOR me ouviu e me deu folga. (Sl 118.5)
Foi-me bom ter eu passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos. (Sl 119.71)
Estes dois temas — gratidão a Deus por graciosamente me libertar e um desejo de aprender com esse trauma— ficaram comigo nos próximos dias. A principal lição foi dolorosamente clara: “Deus tem me caçado”.
Esse foi o meu entendimento imediato e instintivo do motivo pelo qual o Senhor havia mandado esses coágulos de sangue na minha perna e meus pulmões. Três semanas e duas complicações mais tarde, eu estava cada vez mais convencido que Deus estivera atrás de mim por muitos meses, com flecha amorosa atrás de mais flechas amorosas, até me colocar no pó. Até um ano antes disso, eu vivera uma vida mais ou me-
nos saudável e vigorosa. Com quase dois metros de altura e pesando oitenta e cinco quilos, eu estava no lado leve da média. Mas o trabalho e o ministério haviam eliminado qualquer exercício regular diário, e isso por alguns anos. Nos últimos nove meses, minha ficha médica aumentou consideravelmente com mais dois problemas de saúde, um dos quais culminou em grande (e muito dolorosa) cirurgia três meses antes. Tive também um quase acidente assustador quando voltava de viagem e meu carro derrapou no gelo negro, saiu da estrada e acabou em um aterro. Essas providências me fizeram parar?
Não por muito tempo. Por isso é que foram necessários os coágulos. E a mensagem de Deus, através do meu sangue, foi: “Pare!”
Minha vida e meu ministério tinham acelerado cada vez mais por vários anos. Eram todas coisas boas: ministrava palestras, pregava sermões, aconselhava, falava em conferências, escrevia livros, estava criando quatro filhos (agora cinco), e assim por diante. Mas foi às custas de tranquilidade e descanso — descanso físico, emocional, mental, social e espiritual. Eu não negligenciara os meios da graça — devocionais pessoais, culto doméstico, frequência à igreja eram continuados e rotineiros — mas eram rotineiros demais, com pouca ou nenhuma alegria. A vida se tornara uma confusão inquieta e ocupada de obrigações e oportunidades ministeriais. As graças do sono, exercícios, paz, relaxamento, boa dieta, amizades, meditação e comunhão com Deus foram todas sacrificadas em favor de atividades mais “produtivas”. Houvera pouco ou nenhum tempo para “aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” (Sl 46.10).
Mas agora, na quietude forçada, eu ouvia um Deus amoroso e cuidadoso, dizer: “Dá-me, filho meu, o teu coração” (Pv 23.26). Não os seus sermões, não as suas palestras, não seus blogs, não seus livros, não as suas reuniões, mas o seu coração. Dá-me você! Você mesmo!
Eu não estive totalmente surdo aos apelos e intervenções anteriores de Deus. Eu tinha ouvido, e tinha intenção de responder completamente. Meu plano havia sido passar os meses de março e abril totalmente abarrotados de compromissos, para então usar umas quatro semanas no meu calendário para melhorar minhas condições físicas, voltar a padrões mais saudáveis de dormir, conseguir mais tempo para descansar, me aproximar mais de Deus, e renovar algumas amizades que estavam se apagando. Era o meu plano. Estava prestes a dar certo. Eu acabara uma longa série de palestras e havia me acomodado à poltrona para dar início ao planejado avivamento de minha alma. Trinta minutos mais tarde, eu estava no hospital. O Planejador havia tirado da mesa o meu plano.
Esgotamentos e colapsos
Por que eu deveria escrever isso tudo? Por que não aprender as lições em particular? Creio que Deus me deu estas experiências não somente para me ensinar, mas também para ajudar outras pessoas que se esgotaram ou estão prestes a se esgotar. Visto que comecei a falar a este respeito a tantos homens cristãos em diversas conferências, encontrei incontáveis outros que haviam sofrido esgotamentos ou colapsos de uma ou outra espécie — alguns eram físicos como o meu, mas outros eram esgotamentos mentais ou relacionais, enquanto ainda outros eram distúrbios emocionais ou lapsos morais. Alguns daqueles homens ainda não estavam em colapso, mas estavam preocupados com os enormes sinais de advertência em suas vidas, querendo fazer alguma coisa para prevenir o desastre prestes a acontecer. Um pastor confidenciou: “Meu ministério havia se tornado uma casca sem coração, uma questão de deveres infindos, sem a mínima alegria. Todo domingo eu falava coisas verdadeiras ao povo de Deus, boas coisas. Mas não eram mais coisas que eu vivia pessoalmente. Só faziam parte de meu trabalho”.
Quaisquer que fossem as diferenças, qualquer que fosse a pessoa, quaisquer que fossem os problemas, qualquer que fosse o estágio de estresse ou esgotamento, todos notavam que viviam num ritmo veloz demais e precisavam reconfigurar a própria vida. Eles queriam que fosse mais bem refletida a graça do evangelho em seu ritmo de vida. Desejavam maior alegria no serviço do evangelho.
Isso me estimulou a começar a desenvolver um programa informal que agora chamo de Processo de Resetar. Eu o tenho usado com inúmeros homens, e agora, através deste livro, desejo ajudá-lo a redefinir a sua vida para que você possa evitar colisões ou recuperar-se delas, estabelecendo padrões e ritmos que o auxiliem a viver uma vida no ritmo da graça e levá-lo até a linha de chegada com sucesso e alegria.
Isto não é fácil para a maioria de nós. Somos homens independentes, autossuficientes, que acham difícil admitir fraquezas, procurar ajuda, e mudar o vício tão fortemente arraigado em nós de trabalhar demais, de nos ocuparmos demais, produzirmos em demasia. Para pastores e líderes de ministério é especialmente difícil; visto que muito de nosso trabalho é invisível e intangível, podemos ser tentados a nos esforçar acima do que podemos nas tarefas visíveis, a fim de provar que estamos ativos e somos fortes. Mas é difícil também porque nosso trabalho é mais obviamente um trabalho evangelístico. Como nos afastarmos disso? Como diminuir a velocidade? Como descansar quando há almas para serem salvas, sendo este um trabalho inerentemente tão bom e tão (perigosamente) prazeroso?
Já estive lá e, de certa forma, ainda estou lá. Ainda é uma luta diária continuar em um passo seguro. Mudar padrões de pensamento, crenças e ações da vida inteira pode ser extremamente difícil. Mas vale a pena lutar por uma vida cadenciada pela graça, não só porque viveremos mais tempo (assim, serviremos por mais tempo), como também com mais alegria, frutos e “repletos de graça”.
Portanto, quero persuadi-lo a viver uma vida melhor e mais útil; quero também persuadir você quanto a seriedade da sua situação. O resto deste capítulo deverá desafiá-lo a avaliar a sua vida, a ter uma visão sóbria, não somente do que é externo, mas do que acontece internamente — em seu coração e mente. Isso não será apenas o egocentrismo de olhar o próprio umbigo. “Cuidar de si mesmo é o primeiro passo para cuidar dos outros, por amar o próximo como a si mesmo”, diz J. R. Briggs. Não é egoísmo repor a energia e renovar a vitalidade para melhor servir a Deus e ao próximo. Como disse um de meus amigos: “Primeiro coloque a máscara de oxigênio em você para então poder ajudar os outros”.