quarta-feira, 25 de junho
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Educação e ensino nunca estão dissociados da adoração

A abordagem transcendente e as disciplinas escolares

Basicamente existem duas formas de abordagem de conteúdos quanto à relação com a religião: a abordagem imanente e a abordagem transcendente. Na primeira, os conteúdos são concebidos e apresentados como entes absolutos, que encerram em si mesmos o seu significado e sentido, enquanto na segunda, eles são concebidos e apresentados como entes relacionados, cujo significado somente pode ser compreendido na relação de uns com os outros, e, sobretudo, com aquele que trouxe todas as coisas à existência: o Deus absoluto e pessoal das Escrituras Sagradas. Quando apresentamos essa distinção, utilizamos um exemplo prático envolvendo a matemática, especificamente o princípio da adição, para ilustrar como essas abordagens se diferenciam. O propósito deste apêndice é ampliar esse esforço, oferecendo, de forma breve, uma descrição de como as duas abordagens se distinguem em relação aos conteúdos das diversas disciplinas escolares.

Nossa expectativa é que este material sirva como ponto de partida para que os professores reflitam sobre como o compromisso com a fé cristã pode influenciar e transformar a maneira como ensinam suas disciplinas.

O ensino das línguas

Na abordagem imanente, a língua — seja materna, seja estrangeira — é geralmente concebida e apresentada como um sistema de signos originado casualmente e construído ex nihilo ao longo da história e das interações sociais. Consequentemente, ela é vista como um produto arbitrário da criatividade humana. O aprendizado da língua geralmente é estimulado pelo benefício individual que possui, estando este benefício relacionado à expressão pessoal ou à ascensão social e econômica. A literatura, que compõe o currículo de línguas, normalmente é explorada apenas em seus aspectos técnicos e culturais, sem maiores questionamentos quanto aos valores e cosmovisões que subjazem a ela.

Na abordagem transcendente, a língua é entendida como expressão da imagem de Deus no ser humano — uma dádiva divina que nos permite refletir aspectos do caráter de Deus, como a articulação da verdade e a vivência da comunhão interpessoal. Assim, mais do que um instrumento de expressão ou mobilidade social, o aprendizado da língua é valorizado porque proporciona melhores condições para conhecer a Deus — que escolheu se revelar linguisticamente — e para nos relacionarmos bem com Ele e com as demais pessoas ao nosso redor. A literatura, por sua vez, além de ser analisada em seus aspectos técnicos e culturais, é também considerada em termos de seu conteúdo existencial, como expressão da busca humana por sentido, verdade e significado.

O ensino da matemática

Na abordagem imanente, a matemática é geralmente concebida como um sistema lógico autônomo, regido por regras internas e independentes de qualquer referência externa. Seu ensino tende a enfatizar a exatidão técnica e a aplicabilidade prática, especialmente em áreas como finanças, engenharia e estatística. Raramente se levantam questões sobre a origem das leis matemáticas ou sobre sua possível relação com uma ordem mais ampla existente na realidade.

Na abordagem transcendente, por sua vez, a matemática é compreendida como evidência do ordenamento presente na criação e como expressão da coerência e racionalidade do próprio ser divino. Por se tratar de uma ciência exata, é uma das disciplinas escolares menos vulneráveis a influências ideológicas. Sua precisão e objetividade a tornam um ponto de partida privilegiado para reflexões sobre a natureza normativa da realidade e sobre a existência de verdades absolutas, já que questionar a maior parte de suas proposições conduziria, inevitavelmente, ao absurdo.

O ensino das ciências

Na abordagem imanente, as ciências costumam ser tratadas como um empreendimento puramente empírico, desvinculado de qualquer dimensão pessoal ou relacional. O método científico é frequentemente apresentado como o único caminho confiável para o conhecimento, e a realidade é explicada exclusivamente como resultado de processos naturais e aleatórios. O universo e a vida humana são considerados produtos do acaso, desprovidos de propósito transcendente.

Na abordagem transcendente, por outro lado, as ciências são compreendidas como um meio legítimo de conhecimento da realidade, cuja ordem e previsibilidade decorrem do fato de ter sido criada por um Deus absoluto e pessoal. As leis físicas, químicas e biológicas não são vistas como entidades autônomas ou autoexistentes, mas como expressões da sabedoria divina, sustentadas continuamente por sua providência. A complexidade e a interdependência dos seres vivos também são percebidas como sinais da atividade criadora e mantenedora de Deus. Assim, o estudo das ciências é incentivado não apenas como instrumento para uma administração responsável do mundo, mas também como caminho de maravilhamento com o Criador.

O ensino da história

Na abordagem imanente, a história é geralmente compreendida e apresentada como palco exclusivo da ação humana. Quando abordada de forma objetiva, tende a ser explicada como resultado de forças econômicas, políticas ou culturais, mais ou menos previsíveis, sem qualquer orientação divina. Em outros casos, toda relação de causa e efeito é rejeitada, e a história passa a ser vista como um conjunto de narrativas construídas socialmente, com pouca ou nenhuma ligação com a realidade, moldadas por interesses e disputas de poder.

Na abordagem transcendente, por sua vez, a história é entendida como o desdobramento do plano de Deus e manifestação contínua de sua providência. O processo histórico, longe de ser aleatório ou sem direção, é concebido como um movimento normativo, no qual a realidade é conduzida à maturidade, mesmo em meio à imperfeição e à queda. O

ensino da história, nesse contexto, busca ajudar os alunos a reconhecer essa normatividade e a identificar, ao longo das eras, os momentos em que os princípios do Reino de Deus foram acolhidos ou rejeitados pelas sociedades humanas.

O ensino da geografia

Na abordagem imanente, a geografia costuma ser tratada como o estudo pragmático da relação entre o ser humano e o espaço geográfico, incluindo suas formas de organização cultural. A distribuição dos recursos naturais, a ocupação do território e as dinâmicas culturais são geralmente analisadas de maneira mecanicista ou historicista, sem qualquer referência ao Criador. Questões como meio ambiente e sustentabilidade também são abordadas com base em interesses práticos, sem um fundamento ético absoluto. A ocupação do espaço pelo homem é frequentemente apresentada como um problema, e sua ação sobre a natureza, como essencialmente predatória.

Na abordagem transcendente, a geografia não se limita à análise dos aspectos físicos e humanos da ocupação territorial, mas busca compreendê-los à luz da ordem divina expressa no mandato cultural. Nessa perspectiva, a ocupação do espaço e o uso dos recursos naturais são vistos como prerrogativas legítimas concedidas por Deus à humanidade. Essa visão não ignora os danos causados pela ação irresponsável do homem sobre o meio ambiente, mas entende tais distorções como fruto da idolatria e da ruptura espiritual. A solução, portanto, não está apenas em políticas de preservação ambiental, mas na transformação do coração humano e no reconhecimento de sua vocação como mordomo da criação de Deus.

O ensino das artes

Na abordagem imanente, as artes são geralmente concebidas e apresentadas como produto exclusivo da genialidade humana. Como resultado, tendem a ser vistas como expressões autônomas, individuais ou coletivas, que refletem determinados ideais e influências culturais, sem compromisso necessário com a verdade ou com a moralidade objetiva. O juízo estético é considerado subjetivo ou relativo, e o ensino das artes frequentemente enfatiza a experimentação ilimitada e a desconstrução de formas e padrões tradicionais.

Na abordagem transcendente, por outro lado, as artes são compreendidas como fruto da criatividade humana, que reflete a criatividade do próprio Deus. Elas não existem como fins em si mesmas, mas como meios pelos quais a beleza divina pode ser contemplada, e a realidade, percebida de forma mais rica e profunda. Nessa perspectiva, a beleza não é um ideal subjetivo, mas absoluto, vinculado ao caráter do Criador. Assim, além de incentivar a experimentação e promover o domínio técnico, o ensino transcendente das artes convida a uma análise crítica biblicamente orientada das influências culturais, intelectuais e morais presentes na produção artística.

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Esses são apenas alguns exemplos de como as crenças religiosas influenciam a vida escolar, especialmente na forma como os conteúdos são abordados. Eles reforçam a principal tese que buscamos demonstrar ao longo deste livro: o ensino nunca está dissociado da adoração.

O artigo acima é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Você educa de acordo com o que adora (2ª Edição), por Filipe Fontes, Editora Fiel (em breve).


Autor: Filipe Fontes

Bacharel em Teologia pelo Seminário JMC e licenciado em Filosofia pelo Centro Universitário Assunção. É mestre em Teologia Filosófica pelo Andrew Jumper, mestre e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor do Andrew Jumper e JMC. Casado com Lenice e pai de Ana Lívia e Daniel.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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