George Müller construiu cinco grandes orfanatos e cuidou de 10.024 órfãos durante sua vida. Quando ele começou em 1834, havia acomodações para 3.600 órfãos em toda a Inglaterra, e o dobro de crianças com menos de oito anos estavam na prisão. Um dos grandes efeitos do ministério de Müller foi inspirar os outros para que, de acordo com o biógrafo A.T. Pierson, “cinquenta anos depois que Müller começou seu trabalho, pelo menos cem mil órfãos eram atendidos somente na Inglaterra” (George Müller de Bristol, 274).
Ele orou por milhões de dólares (na moeda atual) para os órfãos e nunca pediu dinheiro diretamente a ninguém. Ele nunca recebeu um salário nos últimos sessenta e oito anos de seu ministério, mas confiou em Deus para colocar no coração das pessoas que lhe enviassem o que ele precisava. Ele nunca pegou um empréstimo ou se endividou. E nem ele nem os órfãos passaram fome.
Ativo até o fim
Ele fez tudo isso enquanto pregava três vezes por semana de 1830 a 1898, pelo menos dez mil vezes. E quando completou setenta anos, ele realizou o sonho de um longo trabalho missionário pelos dezessete anos seguintes, até os 87 anos. Ele viajou para 42 países, pregando em média uma vez por dia e dirigindo-se a cerca de três milhões de pessoas.
Desde o final de suas viagens em 1892 (quando ele tinha 87 anos) até sua morte em março de 1898, ele pregou em sua igreja e trabalhou para a Scripture Knowledge Institution. Ele conduziu uma reunião de oração em sua igreja na noite de quarta-feira, 9 de março de 1898. No dia seguinte, uma xícara de chá foi levada até ele às sete da manhã, mas nenhuma resposta veio à batida na porta. Ele foi encontrado morto no chão ao lado de sua cama.
O funeral foi realizado na segunda-feira seguinte em Bristol, onde serviu por 66 anos. “Dezenas de milhares de pessoas reverentemente se posicionaram ao longo da rota da simples procissão; homens deixavam suas oficinas e escritórios, mulheres deixavam suas casas elegantes ou humildes cozinhas, todas procurando prestar um último sinal de respeito”. Mil crianças se reuniram para um culto na Orphan House No. 3. Eles haviam agora “pela segunda vez perdido um ‘pai’”. (George Müller de Bristol, 285-86).
Mary e Susannah
Müller havia se casado duas vezes: com Mary Groves quando ele tinha vinte e cinco anos e com Susannah Sangar quando ele tinha 66 anos. Mary lhe deu quatro filhos. Dois eram natimortos. Um filho, Elias, morreu quando tinha um ano de idade. A filha de Müller, Lydia, casou-se com James Wright, que o sucedeu como chefe da instituição. Mas Lydia morreu em 1890 aos 57 anos. Cinco anos depois, Müller perdeu sua segunda esposa, apenas três anos antes de morrer. E assim ele sobreviveu à sua família e foi deixado sozinho com seu Salvador, sua igreja e dois mil filhos.
Quando Müller recebeu o diagnóstico da febre reumática Mary, disse “meu coração está prestes a ser quebrado por causa da profundidade do meu afeto” (A Narrative of Some of the Lord’s Dealings with George Müller, 2:398). Aquele que viu Deus responder dez mil orações pelo apoio aos órfãos não recebeu o que pediu desta vez. Ou recebeu?
“Eu estava satisfeito”
Vinte minutos depois das quatro horas, no Dia do Senhor, 6 de fevereiro de 1870, Mary faleceu. “Caí de joelhos e agradeci a Deus por sua libertação e por tê-la levado para si e pedi ao Senhor que nos ajudasse e nos apoiasse” (A Narrative, 2: 400). Ele lembrou mais tarde como ele se fortaleceu durante essas horas com o Salmo 84. 11: “Porque o SENHOR Deus é sol e escudo; o SENHOR dá graça e glória; nenhum bem sonega aos que andam retamente”. E aqui nós podemos ver a chave para sua vida:
“Eu sou em mim mesmo um pobre pecador sem valor, mas fui salvo pelo sangue de Cristo; e eu não vivo no pecado; Eu ando em retidão diante de Deus. Portanto, se for realmente bom para mim, minha querida esposa será ressuscitada, ainda que esteja doente como está. Deus a restaurará novamente. Mas se ela não for restaurada, então não seria uma coisa boa para mim. E então meu coração está em repouso. Eu estou satisfeito com Deus. E tudo isso brota, como eu já disse antes, de aceitar a palavra de Deus, acreditando no que ele diz”. (A Narrative, 2: 745)
Aqui está o conjunto de convicções e experiências inabaláveis que são a chave para a vida notável de Müller.
- “Eu sou em mim mesmo um pobre pecador sem valor”.
- “Eu fui salvo pelo sangue de Cristo.”
- “Eu não vivo em pecado.”
- “Deus é soberano sobre a vida e a morte. Se for bom para ela e para mim, ela será restaurada novamente. Se não for, ela não será”.
- “Meu coração está em repouso”.
- “Estou satisfeito com Deus”.
Tudo isso vem de tomar Deus em sua palavra. Ali você vê o ser mais íntimo de George Müller e a chave de sua vida – a palavra de Deus, revelando seu pecado, revelando seu Salvador, revelando a soberania de Deus, revelando a bondade de Deus, revelando a promessa de Deus, despertando sua fé, satisfazendo sua alma. “Eu estou satisfeito com Deus”.
Fé: Dom ou Graça?
Então, suas orações por Mary foram respondidas? Para entender como o próprio Müller responderia a essa pergunta, temos que ver a maneira como ele distinguiu o dom extraordinário da fé e a graça comum da fé. Ele insistia constantemente, quando as pessoas o colocavam em um pedestal, que ele não tinha o dom da fé só porque orava por suas próprias necessidades e pelas necessidades dos órfãos, e o dinheiro chegava de maneira notável.
A razão pela qual ele é tão inflexível sobre isso é que toda a sua vida – especialmente no modo como ele sustentou os órfãos pela fé e oração sem pedir dinheiro a ninguém além de Deus – foi conscientemente planejado para encorajar os cristãos em relação a que que Deus é realmente confiável para atender suas necessidades. Nunca entenderemos a paixão de Müller pelo ministério dos órfão se não vermos que o bem dos órfãos ficava em segundo lugar.
“As três principais razões para o estabelecimento de uma Casa dos Órfãos são: 1) Que Deus seja glorificado, caso ele tenha prazer em me fornecer os meios, em vista de que não é algo vão confiar nele; e assim a fé de seus filhos pode ser fortalecida. 2) O bem-estar espiritual de filhos sem pai e sem mãe. 3) Seu bem-estar temporal”. (A Narrative, 1: 103)
Essa foi a principal paixão e objetivo unificador do ministério de Müller: viver uma vida e liderar um ministério de forma a provar que Deus é real, que Deus é digno de confiança e que Deus responde à oração. Ele construiu orfanatos da maneira que ele fez para ajudar os cristãos a confiar em Deus. Ele repete isso de novo e de novo.
Tomando Deus em Sua Palavra
Agora vemos por que ele era tão inflexível em relação a que sua fé não era o dom da fé mencionado em 1Coríntios 12. 9, que somente algumas pessoas têm, mas era a graça da fé que todos os cristãos deveriam ter. Se os cristãos simplesmente disserem: “Müller está em uma classe exclusiva; ele tem o dom da fé”, então estamos todos fora dessa conexão e ele não pode mais ser um estímulo, prova e inspiração em relação a como devemos viver. Aqui está o que ele diz:
“A diferença entre o dom e a graça da fé parece-me isto. De acordo com o dom da fé, eu posso fazer alguma coisa, ou crer que uma coisa acontecerá, o não fazer, ou o não acreditar nessa coisa não seria pecado; já de acordo com a graça da fé, eu posso fazer alguma coisa, ou crer que uma coisa acontecerá, considerando que eu tenho a palavra de Deus como a base sobre a qual devo descansar, e, portanto, o não fazê-la, ou o não acreditar seria pecado.
Por exemplo, o dom da fé seria necessário, para acreditar que uma pessoa doente deveria ser restaurada novamente, embora não haja probabilidade humana: pois não há promessa para esse efeito; a graça da fé é necessária para acreditar que o Senhor me dará as necessidades da vida, se eu buscar primeiro o reino de Deus e Sua justiça: pois há uma promessa nesse sentido (Mateus 6.33). (A Narrativa, 1:65)
Müller não achou que tivesse algum fundamento bíblico para ter certeza de que Deus pouparia sua esposa Mary. Ele admite que algumas vezes em sua vida ele tivesse recebido “algo como o dom (não a graça) da fé para que incondicionalmente pudesse pedir e procurar uma resposta”, mas ele não tinha esse raro dom no caso de Mary (Uma Narrativa). 1:65). E então ele orou por sua cura condicionalmente – a saber, se isso fosse bom para eles e para a glória de Deus.
Mas mais profundamente ele orou para que eles estivessem satisfeitos em Deus, seja o que quer que Deus fizesse. E Deus respondeu a essa oração, ajudando Müller a crer no Salmo 84.11: “nenhum bem sonega”. Deus não reteve nada de bom para ele e ele ficou satisfeito com a vontade soberana de Deus. Tudo isso, diz ele, “brota. . . de aceitar a palavra de Deus, acreditando no que ele diz”. (A Narrative, 2: 745).
Oh, como ele ama
O objetivo da vida de George Müller era glorificar a Deus ajudando as pessoas a aceitarem a palavra de Deus. Para esse fim, ele saturou sua alma com a palavra de Deus. A certa altura, ele disse que havia lido a Bíblia de cinco a dez vezes mais do que qualquer outro livro. Seu objetivo era ver Deus em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado dos mortos para que ele pudesse manter a felicidade de sua alma em Deus. Por esta profunda satisfação em Deus, Müller foi libertado dos medos e luxúrias do mundo.
E nessa liberdade de amor, ele escolheu uma estratégia de ministério e estilo de vida que colocava em evidência a realidade, a confiabilidade e a beleza de Deus. Para usar suas próprias palavras, sua vida se tornou uma “prova visível da fidelidade imutável do Senhor” (A Narrative, 1: 105).
Müller foi sustentado nessa vida extraordinária por suas profundas convicções de que Deus é soberano sobre o coração humano e pode levá-lo aonde desejar em resposta à oração; que Deus é soberano sobre a vida e a morte; e que Deus é bom em sua soberania e não retém as coisa boas para com aqueles que andam em retidão. Ele se fortaleceu continuamente na etapa final da doença de sua esposa com as palavras de um hino:
“O melhor das bênçãos ele nos dará
Nada além do bem nos vai acontecer,
Seguros para a glória ele nos guiará
Oh, como ele ama”! (A Narrative, 2:399)
Você não vai tentar desta maneira?
Deixarei Müller ter a palavra final de exortação, pedindo que nos unamos a ele no caminho da fé alegre e radical:
“Meu querido leitor cristão, você não tentará dessa maneira? Você não vai conhecer por si mesmo. . . a preciosidade e a felicidade dessa forma de lançar todos os seus cuidados, encargos e necessidades sobre Deus? Este caminho está tão aberto para você quanto para mim. . . Cada um é convidado e ordenado a confiar no Senhor, a confiar nele com todo o seu coração, lançar seu fardo sobre ele e invocá-Lo no dia da angústia. Você não vai fazer isso, meu querido irmão em Cristo? Eu espero que você faça. Desejo que você prove a doçura desse estado da alma, no qual, embora cercado por dificuldades e necessidades, ainda possa estar em paz, porque sabe que o Deus vivo, seu Pai Celestial, cuida de você”. (A Narrativa, 1: 521).
Tradução: Paulo Reiss Junior.
Revisão: Filipe Castelo Branco.