Se toda a conversa sobre sermos treinadas pela graça a obedecer nos faz sentir incapazes de realizar essa tarefa, anime-se. A graça não ensina apenas que devemos renunciar à impiedade; ela também nos fortalece nesse sentido.
Em suas palavras de despedida aos presbíteros da igreja de Éfeso, Paulo os entrega a Deus dizendo: “Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à palavra da sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados” (At 20.32). De forma semelhante, tanto Hebreus 13.9 como 2 Timóteo 2.1 falam de sermos fortificadas pela graça com o propósito de atingir a obediência fiel. A graça nos edifica e nos fortalece, a fim de que tenhamos vidas santas, em consonância com a lei.
- A. Carson fala da santificação como um “esforço impelido pela graça”. Esforçamo-nos na direção da santidade, não com base em nossa própria força, mas pelo poder da graça. Mas em que sentido a graça nos dá poder? Recebemos o gracioso dom do Espírito de Deus como o nosso ajudador em Zacarias 12.10 e Hebreus 10.29 o chamam “o Espírito da graça”. O Espírito da graça é um dom gracioso, como também um doador gracioso. Ele dá “o Espírito do Senhor, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do SENHOR” (Is 11.2). Todos esses são dons abundantes da graça, com vistas a ser utilizados por aqueles que os recebem, para “servirem uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” (1Pe 4.10).
Aqueles que desfrutam essa abundância têm condições de tratar o próximo abundantemente. Não vivem mais uma vida desfalcada com o mínimo possível no que diz respeito ao seu próximo, sempre procurando minimizar o que aqueles à sua volta possam requerer deles. Em vez disso, eles reconhecem, de um modo que antes não entendiam, todas as implicações da Lei e dos Profetas: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles, porque esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7.12). É de tão grande valor o imperativo moral dessa afirmativa que até mesmo os que estão fora da fé cristã adotam isso como “a Regra de Ouro”. Mas, sem entendimento da abundante natureza da graça, até mesmo a “Regra de Ouro” pode ser usada de uma perspectiva mínima.
Nada me torna mais consciente do jeito como desejo ser tratada do que quando estou fitando o último pedaço da torta de creme de coco. Essa é minha torta predileta, tanto para fazer como para comer. Quando vejo que há apenas um pedaço, meu primeiro pensamento sempre é ficar escondidinha em um canto, sentindo aquele cheirinho gostoso. Exige bastante esforço perguntar se mais alguém quer comer o último pedaço. Em geral, avalio a possibilidade de subdividir esse pedaço de torta de alguma forma igualitária. Mesmo quando consigo oferecer e servir a mais alguém, sou consumida pela nobreza da minha entrega e acabo me recompensando com meio pacote de biscoitos Oreo, como um prêmio de consolação.
A escassez tem um jeito de revelar nosso verdadeiro entendimento acerca da Regra de Ouro. Eis a verdade nua e crua: quando há apenas um pedaço de torta, não quero negá-lo a mim mesma e abençoar outra pessoa com ela, nem quero dividi-la de forma equitativa. Eu quero o pedaço todo. E é exatamente por isso que devo dar o pedaço inteiro a outra pessoa — ao fazer isso, estou cumprindo a “Regra de Ouro”. Sim, no mínimo quero ser bem tratada pelas outras pessoas. Mas o que realmente quero é ser tratada de forma preferencial.
Meu amor por tratamento preferencial se demonstra de mil maneiras. Eu quero os melhores lugares para assistir a um concerto, o melhor lugar para estacionar, um upgrade para a classe executiva ou a primeira classe, o assento mais confortável da sala, o melhor pedaço de torta, o último pedaço da torta e a torta inteira, o tempo todo. Dispensar a outro o tratamento preferencial que eu quero exige humildade. Mas Deus dá graça aos humildes. Toda vez que comermos um pedaço humilde de torta, podemos ter certeza de que se fará acompanhar de um pedação exagerado de graça.
Nós, cristãs, não devemos ter a reputação de ser apenas equitativas. Devemos ter a reputação de dar preferência a todos, exceto a nós mesmas. Na condição de pessoas que receberam graça abundante, praticamos abundantemente o bem: “Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra” (2Co 9.8).
Nossas vidas devem demonstrar que não existe algo como escassez quando somos filhas de Deus, pois nosso Pai celestial nos tem dado tudo aquilo que é necessário e muito mais do que poderíamos pedir ou imaginar. Devemos ser reconhecidas como mascates da abundância. Devemos ser conhecidas como pessoas que respondem à declaração “Odeio você” com a declaração “Amo você”, e como pessoas que respondem a “Amo você” com a declaração “Eu amo você mais ainda”.
Qual é a vontade de Deus para sua vida? Que você tenha vida, e a tenha em abundância. Que você dê preferência ao próximo, assim como lhe foi mostrado em Cristo. Que você ande pelo caminho estreito, diariamente assegurada da graça que recebeu na cruz e diariamente fortalecida pela graça que recebe a cada passo rumo à santidade.
Artigo adaptado do livro Renovadas, de Jen Wilkin.