O texto abaixo foi extraído do livro Antes de Partir, de Nancy Guthrie
Olhem para a agraciada sociedade de anjos e santos com Cristo e lembrem-se de sua bem-aventurança e alegria, e que vocês também pertencem à mesma sociedade e serão contados com eles. Isso superará grandemente os temores da morte, ver, pela fé, as alegrias dos que foram antes de nós. Não é desejável a companhia deles? Lá, Deus será tudo em todos para nós, como o único Sol e glória daquele mundo; e ainda teremos prazer, não somente ao ver o nosso Redentor glorificado, mas também ao conversar com a sociedade celestial, e ao sentar-nos com Abraão, Isaque e Jacó no reino de Deus, e ao amá-lo e adorá-lo em consórcio e harmonia com todos os espíritos bem-aventurados e santos. E deveríamos ter medo de seguir para onde os santos de todas as gerações que nos precederam foram? E não deveria a companhia dos nossos melhores e mais felizes amigos ser um incentivo para nós? Embora deva ser a nossa maior alegria pensar que nós habitaremos com Deus, e, em seguida, que veremos a glória de Cristo, ainda assim, não é uma parte pequena do meu consolo considerar que vou seguir a todas essas pessoas santas que uma vez eu conversei e que se foram antes de mim.
Que a enfermidade e a morte possam ser confortáveis para vocês, assim como a sua passagem para a eternidade, tomem conhecimento do selo e do penhor de Deus, mesmo do Espírito da graça que ele colocou em seus corações. O próprio amor de santidade e dos santos, e seus desejos de conhecer a Deus e amá-lo perfeitamente mostram, de fato, aquele espírito ou natureza celestial dentro de vocês, que é a sua evidência segura para a vida eterna. Pois esse espírito foi enviado do céu para preparar os seus corações e moldá-los para isso; e Deus não lhes dá tais naturezas, desejos e preparações em vão. Deus não nos teria dado uma natureza celestial ou desejo se ele não nos tivesse intencionado para o céu.
Olhem também para o testemunho de uma vida santa, já que a graça os empregou na busca pela herança celestial. É ilegal e perigoso procurar quaisquer obras ou justiça por conta própria, como também colocá-la, em todo ou em parte, no lugar de Cristo, ou atribuir a isso qualquer honra que é própria a ele; como também imaginar que vocês são inocentes, ou que tenham cumprido a lei, ou tenham feito a Deus uma compensação por seus méritos ou sofrimentos, pelo pecado que vocês cometeram; mas, ainda assim, vocês devem julgar a si mesmos em seus leitos de enfermidade tão logo vocês possam, pois Deus os julgará. Se vocês dizem: “mas eu tenho sido um pecador terrível”! Eu respondo, assim foi Paulo, que ainda se alegrou nessa evidência! Não estão esses pecados arrependidos e perdoados? Se vocês dizem: “mas eu não posso olhar tranquilamente para trás e enxergar uma vida de santidade, ela tem sido tão manchada e irregular! Eu respondo, ela não foi sincera, embora tenha sido imperfeita? Vocês não buscaram primeiro “o reino de Deus e a sua justiça” (Mt. 6:33)? Se vocês dizem: “minha vida inteira tem sido ímpia, até esse momento, finalmente, em que Deus me humilhou; eu respondo, não é a duração de tempo, mas a sinceridade do seu coração e serviço, que é a sua prova. Se vocês entraram na última hora, se agora vocês estão fielmente dedicados a Deus, vocês pode olhar com conforto para essa mudança por fim, embora vocês devam olhar com arrependimento para as suas vidas pecaminosas.
Olhem para trás, para todas as misericórdias de suas vidas, e pensem de onde vieram e o que elas significam. As provas de amor são para aproximar os seus corações dele, que os enviou; estas são lançadas do céu, para os atrair para lá! Se Deus tem sido tão bom para vocês na terra, o que ele será na glória! Se ele assim os abençoou neste deserto, o que ele fará na terra da promessa! O senso de misericórdia banirá os temores e receios do coração.
Lembrem-se (se vocês tiverem atingido a idade de declínio) do tempo apropriado que vocês já tiveram no mundo. Quando eu penso em quantos anos de misericórdia eu tenho tido, a integridade me proíbe de murmurar na época da minha morte e me deixa quase envergonhado de pedir uma vida mais longa. Quanto tempo vocês ficariam, antes de estarem dispostos a ir para Deus? Se ele desejou a nossa companhia não mais do que desejamos a dele e desejou a nossa felicidade no céu não mais do que desejamos a nós mesmos, devemos ficar aqui como Ló em Sodoma! Será que temos que ser arrebatados contra a nossa vontade e levados à força para a presença do Pai?
Lembrem-se que todos os homens são mortais, e vocês não seguirão por outro caminho diferente de tudo o que já veio ao mundo ter ido antes de vocês (exceto Enoque e Elias). Lembrem-se do quanto o seu corpo é vil, e quão grande inimigo provou ser para a sua alma; e, então, vocês suportarão mais pacientemente a sua dissolução. Não é a sua moradia, mas a sua tenda ou prisão que Deus está derrubando. E, mesmo esse corpo vil, quando estiver corrompido, será finalmente mudado “para ser igual ao corpo da sua glória, segundo a eficácia do poder que ele tem de até subordinar a si todas as coisas” (Fp 3:20,21). E é a carne, que se rebelou contra o espírito, e fez o seu caminho para o céu tão difícil, e colocou a alma em tantos conflitos, que nós deveríamos mais facilmente submeter à vontade da justiça, e deixá-la perecer por um tempo, quando temos a certeza de que a misericórdia finalmente a recuperará.
Lembrem-se de que mundo é este que vocês estão para deixar, e comparem-no com aquele para o qual vocês estão indo; e comparem a vida que está perto de um fim, com aquela em que vocês estão próximos de entrar. Não foi a recompensa de Enoque, quando ele andou com Deus, ser levado para Ele desse mundo poluído? Enquanto vocês estão aqui, vocês estão contaminados, o pecado está em sua natureza, e as suas graças são todas imperfeitas; o pecado está em suas vidas, e as suas funções são todas imperfeitas, vocês não podem estar livres disso nem por um dia ou hora. Não é misericórdia sermos libertos disso? Não lhes é desejável não pecar mais? E ser perfeito em santidade? Conhecer a Deus e amá-Lo tanto e mais do que vocês podem desejar agora? Vocês estão aqui todos os dias lamentando a sua escuridão, incredulidade, estranheza de Deus e falta de amor por ele. Quantas vezes vocês já oraram por uma cura de tudo isso! E, agora, vocês não a receberiam quando Deus a desse para vocês?
Será que Deus fez propositalmente o mundo tão amargo para nós e permitiu que ele nos usasse tão injusta e cruelmente, tudo para nos fazer amá-lo menos, e dirigir os nossos corações para si? E ainda assim não estamos dispostos a ir?
Sejam fortalecidos contra todas as tentações de Satanás, que ele usa para assaltar os homens em sua partida: suportem isso em seu último conflito, e a coroa será sua.
Adaptado do sermão de Richard Baxter “Directions for a Peaceful Death” [Instruções para uma Morte Pacífica].
Richard Baxter (1615–1691) foi líder da Igreja Puritana Inglesa e teólogo