Muitos americanos são fascinados pela fundação da nação, mas poucos compreendem que houve duas revoluções nas colônias britânicas do século XVIII. Antes da revolução política de 1776, houve a revolução religiosa conhecida posteriormente como Grande Avivamento. Inúmeros colonos americanos rejeitaram as rotinas solenes de suas igrejas estabelecidas e responderam à mensagem que apelava diretamente a eles. Esta revolução revitalizou o princípio protestante de que a salvação não vinha por meio da autoridade da igreja e sim diretamente por meio da obra salvadora de Cristo para cada indivíduo. Crentes redimidos poderiam desafiar, se necessário, as autoridades da igreja que não pregassem a mensagem pessoal de que o coração de uma pessoa tem de ser mudado radicalmente para a salvação. O resultado desta revolução espiritual foi que as mais vigorosas das igrejas americanas foram edificadas sobre um princípio de voluntariedade do povo e não sobre o controle do estado ou da autoridade herdada. Durante as gerações seguintes à Revolução Americana, quando os Estados Unidos ainda eram predominantemente protestante, igrejas de voluntariedade do povo, como metodistas e batistas, foram as que floresceram mais e estabeleceram o tom para muito do cristianismo americano posterior.
Entendendo a herança paradoxal da América
Se esquecemos esta revolução espiritual que se desenvolveu do Grande Avivamento e nos concentramos apenas nas origens políticas da nação, não temos meios para explicar uma das mais impressionantes características da América contemporânea. Os Estados Unidos são uma das nações modernas mais industrializadas e tecnologicamente avançadas e, em muitos aspectos, excessivamente secular; mas são, também, uma nação notavelmente religiosa. Em contraste com a Grã-Bretanha ou com a Europa Ocidental, onde as igrejas estão definhando, na América a grande maioria de pessoas professa fé religiosa. Provavelmente, a porcentagem de pessoas que frequenta regularmente igrejas seja mais alta hoje do que o foi na era colonial. Explicações puramente políticas e seculares não podem justificar este paradoxo essencial da nação que é, ao mesmo tempo, tão secular quanto religiosa.
Jonathan Edwards é uma figura proeminente entre os pais fundadores da primeira revolução americana, a revolução espiritual do avivamento. Ele foi o Thomas Jefferson dessa revolução, não somente o seu principal filósofo, mas também, às vezes, um líder prático controverso. George Whitefield foi o George Washington do avivamento, o general amplamente admirado no campo. Embora essas analogias não sejam exatas, Edwards foi certamente um dos importantes fundadores do movimento evangélico que se tornou e continua sendo a maior tradição religiosa desenvolvida na América. “Evangelicalismo” é apenas o termo coletivo que designa todos os tipos de cristãos que ainda enfatizam a autoridade da Bíblia, a importância da conversão sincera e a urgência de evangelismo e missões.
O evangelicalismo é, às vezes, caracterizado como anti-intelectual, mas a presença de Edwards na herança demonstra que o evangelicalismo possui também um lado bem diferente. Edwards tanto promoveu os avivamentos revolucionários que fomentaram o evangelicalismo quanto tentou impedir que seus apelos populares arruinassem sua teologia. Enquanto os avivamentos se moviam através da república americana primitiva, Edwards não teria ficado feliz em vê-los fragmentar-se em muitos subtipos popularizados. Mensagens simplificadas tiveram, inevitavelmente, apelo mais amplo do que as teologias mais substanciais das velhas tradições reformadas. Ainda assim, Edwards continua a ser respeitado entre aqueles ramos do evangelicalismo que permaneceram reformados, especialmente aqueles com um legado da Nova Inglaterra. Hoje, o evangelicalismo é uma enorme coalizão que inclui muitas variedades, e, embora seus tipos mais evidentes ainda sejam movimentos populares cuja força está em qualquer lugar, exceto na profundeza teológica, estes não devem ser confundidos com o todo. O movimento evangélico também inclui elementos significativos que preservam uma combinação de fé entusiasta e intelecto rigoroso, à semelhança de Edwards.
Conhecer a história de Edwards também nos ajudar a prover uma resposta para a questão muito debatida da extensão em que os Estados Unidos tiveram origens cristãs. Edwards pode ser visto como representante do término do puritanismo americano, a herança religiosa mais formidável na América colonial. Sua presença, a presença de seus seguidores e a de outros avivadores na véspera da Revolução Americana mostra, certamente, uma presença cristã significativa na América colonial no século XVIII. No entanto, essa observação precisa ser equilibrada com o fato de que cristãos intensamente avivalistas da era revolucionária nunca foram a maioria. Eles não pensavam que a nova nação ou seus antecessores coloniais imediatos eram suficientemente cristãos – essa era a razão por que acreditavam haver uma necessidade urgente de avivamentos. Achavam que sua época, apesar das muitas expressões públicas de cristianismo, era singularmente profana e muito influenciada por filosofias subcristãs que se desenvolveram do iluminismo. Ainda que a maioria deles endossasse o rompimento com a Grã-Bretanha, porque achavam a nação-mãe ainda mais corrupta, os cristãos avivalistas da era revolucionária consideravam-se a si mesmos uma minoria assediada em uma nação que estava longe de ser verdadeiramente cristã.
Aprofundando discernimentos teológicos
Embora Edwards tenha desempenhado um papel bastante prático em estabelecer a tradição avivalista duradoura da América, ele é mais bem lembrado e estudado hoje por seus profundos discernimentos teológicos. Edwards desenvolveu sua teologia dentro de sua própria tradição reformada ou calvinista. E muitos dos seus discernimentos particulares são mais celebrados por pessoas dessa herança. No entanto, ele também explorou alguns dos escopos mais elevados da herança cristã mais ampla que transcendem qualquer perspectiva. Nesses interesses elevados que todos os cristãos compartilham, pessoas de todas as tradições têm sido influenciadas pelas observações de Edwards.
O princípio crucial que muitos crentes podem obter de Edwards é que, se há um Deus criador, então, os relacionamentos mais essenciais no universo são pessoais. Edwards começava toda inquirição fazendo a conexão com Deus. Se queremos entender o universo, devemos entender por que Deus o criou. Como Edwards argumentou em seu tratado O Fim para o qual Deus Criou o Mundo, o Deus trino perfeitamente amoroso tinha de criar para compartilhar aquele amor com outros seres moralmente responsáveis. O universo é, em outras palavras, o resultado da sempre expansiva “grande explosão” (usando uma expressão posterior) do amor de Deus. Se vemos a realidade em suas verdadeiras dimensões, então, nós a vemos como expressão contínua da beleza do amor que flui do Criador. Se sentimos a beleza da luz que atravessa as árvores e as flores nos campos, estamos captando pequenos vislumbres da beleza do amor de Deus. O mundo físico é a linguagem de Deus; “Os céus proclamam a glória de Deus”, como é dito nos Salmos. O pecado corrompeu parcialmente o universo e cega, frequentemente, os humanos para que não vejam sua verdadeira essência. Todavia, aqueles que, por meio da obra do Espírito Santo, têm sua visão restaurada, esses podem ver toda a realidade não como essencialmente impessoal, mas como, em sua essência, uma linda expressão do amor de Deus.
O relacionamento mais importante neste universo pessoal é o relacionamento com Deus, o Criador e Redentor. Edwards expressou muito bem as implicações deste ponto em seu sermão “A Luz Divina e Sobrenatural”, que é o melhor lugar em que podemos achar uma afirmação breve de sua perspectiva. O Espírito Santo trabalha nos pecadores para que, em vez de serem cegos para as coisas mais elevadas, por seu amor ao ego e aos prazeres efêmeros, vejam a beleza da luz do amor de Deus. Eles recebem “olhos para ver” e são transformados e regenerados – “nascidos de novo”. Esta transformação não é apenas uma mudança no entendimento, mas também uma mudança nas afeições da pessoa ou no que ela valoriza e ama. A pessoa tem um tipo de “novo senso” da glória, da beleza e do amor de Deus; e essa sensibilidade estimulante remodela as prioridades do que ela ama. Pessoas espiritualmente transformadas respondem ao amor de Deus por amarem primeiramente tudo que Deus ama ou tudo que é bom. Em outras palavras, a transformação do relacionamento mais essencial de uma pessoa revoluciona o modo como ela se relaciona com o resto da realidade.
Essa grande visão de um universo pessoal centrado em Deus provê um nítido contraste com a visão essencialmente impessoal e materialista do universo que tem predominado desde o iluminismo dos dias de Edwards. De fato, Edwards estava se opondo aos aspectos secularizadores das tendências do iluminismo que ele via ao seu redor. No ápice da moda intelectual de seus dias, estava o deísmo, o tipo de crença que muitos fundadores americanos tinham, como Benjamin Franklin e Thomas Jefferson. Impressionados pelas leis naturais da realidade física no universo newtoniano, os deístas pensavam no universo como uma máquina magnificamente complexa governada por estas leis impessoais. Para explicar a origem do universo, eles acreditavam que havia um Deus que era como o relojoeiro cósmico, que criara uma máquina maravilhosa e a deixara para funcionar por si mesma, sem qualquer interferência. Também acreditavam que tem de haver princípios morais integrados à natureza da realidade, que podem ser descobertos pela razão natural. Essencialmente, o que os deístas faziam era distanciar a Deus de sua criação. Embora Deus pudesse guiar as coisas por meio de uma “Providência” geral, a Deidade não tinha de intervir com revelações e milagres, nem por meio da encarnação de seu Filho, Jesus Cristo. Verdades a respeito da realidade dependiam não de pessoas e sim de leis abstratas que poderiam ser descobertas por processos racionais impessoais.
Edwards, que também foi impressionado pelo entendimento newtoniano da realidade física, se moveu na direção oposta. Em vez de ver o mundo físico como essencialmente impessoal, ele o via, até em suas leis cientificamente previsíveis, como uma expressão permanente e íntima do amor de Deus. Por meio da revelação da obra redentora de Cristo, revelada plenamente apenas na Escritura, uma pessoa poderia achar as indicações necessárias para entender um universo com amor pessoal em seu centro. Tudo, quando corretamente entendido, apontava para o amor redentor de Deus.
O ponto de vista impessoal quanto ao universo tem dominado a maior parte do pensamento moderno. Na civilização moderna, desde o iluminismo, temos desenvolvido imensas habilidades para controlar aspectos de nosso ambiente físico imediato. Embora quase todas as pessoas apreciem estas formas de confortos humanos cada vez maiores, esta preocupação com o controle do mundo material tem encorajado um ponto de vista materialista da realidade. Tendemos a valorizar as pessoas com base nas suas possessões materiais, poder e aparência física. Tendemos a pensar no mundo “real” em termos de forças materiais e tentamos explicar tudo nesses termos. A tecnologia moderna edificou uma civilização tecnológica, na qual as pessoas ganham poder e influência por manipularem coisas materiais. Estas coisas materiais podem, de fato, ser usadas frequentemente para melhorar os relacionamentos humanos, criar realidades virtuais ou mesmo celebrar coisas imateriais ou espirituais. Todavia, controlar coisas materiais é a fonte prática de poder, a chave para o progresso humano.
Benjamin Franklin foi o grande profeta americano desta abordagem materialista e prática da realidade. Franklin era famoso por seus experimentos científicos em eletricidade. Ele foi um gênio em aplicar princípios práticos, em um modelo científico, a invenções físicas e em projetar novas organizações sociais. Franklin é um exemplo especialmente atraente desta perspectiva porque dedicou inúmeras invenções práticas ao benefício da sociedade. Muitas das mais impressionantes realizações americanas foram construídas sobre os fundamentos que Franklin ajudou a assentar.
Esta maestria técnica Frankliniana, por mais atraente que seja, vem acompanhada de um preço. Nossa civilização tende a ser deslumbrada por suas próprias realizações, que se focalizam amplamente no aprimoramento daquilo que pode oferecer confortos e prazeres materiais. No entanto, quanto mais nos preocupamos com tais questões, tanto mais difícil é integrarmos sensibilidades espirituais às nossas perspectivas e atitudes práticas. Até muitos crentes religiosos tendem a simplesmente acrescentar Deus e uma dimensão espiritual a um ponto de vista amplamente materialista das coisas. A espiritualidade deve provavelmente ser considerada como uma opção pessoal suplementar, disponível para tempos de crise. Menos frequentemente, ela muda de modo substancial a maneira como as pessoas vivem ou o que elas valorizam. Os Estados Unidos, que são, de fato, a nação professamente mais religiosa das grandes nações industrializadas, são também uma das nações mais materialistas, hedonistas e profanas.
A alternativa Edwardsiana provê a base para aprofundar as dimensões teológicas de muitas das heranças religiosas que florescem no mundo contemporâneo. Edwards desafiou os padrões modernos iluminados de seus próprios dias. Ele fez isso por insistir em começarmos com Deus, conforme revelado na Escritura, e na obra redentora de Cristo, em vez de começarmos com os padrões populares de como os seres humanos devem resolver seus próprios problemas. A fé em Deus não era, portanto, algo a ser acrescentado às normas culturais da época, mas, em vez disso, era o ponto de partida, as lentes pelas quais tudo mais deveria ser analisado.
Além disso, a visão teológica de Edwards não era apenas um ponto de partida teórico, mas baseava-se no tipo mais intenso de paixão prática. A teologia de Edwards era prática porque ele sempre pensava em Deus não como um princípio abstrato, mas como alguém envolvido pessoal e intimamente com toda a criação. O Deus das Escrituras, Edwards insistiu, mantém ativamente um relacionamento íntimo com todo o universo. E o mais importante é que este Deus ativo está realizando a sua obra redentora em Cristo, que está no centro da história da humanidade.
“Beleza” foi o termo que Edwards usou mais especialmente para descrever o caráter das ações contínuas de Deus na criação e na redenção. “Beleza”, para Edwards, não era apenas um objeto de contemplação passiva e sim um poder transformador. Se alguém vê uma pessoa bela, disse Edwards, não pode deixar de ser atraído àquela pessoa. O coração da pessoa é atraído àquela beleza, e as ações da pessoa seguirão o seu coração. O mesmo acontece com a extraordinária beleza de Deus revelada em Cristo. A coisa mais bela em toda a realidade é um Ser perfeitamente bom sacrificar-se a si mesmo, com amor, em favor de criaturas rebeldes e ingratas. Se alguém vê a perfeita beleza desse amor, não pode deixar de ser atraído a ele. Portanto, o papel do evangelista é transmitir a verdade da revelação de Deus para que pecadores que são cegos para essa beleza, por causa do amor próprio, tenham, pela graça de Deus, seus olhos abertos para vê-la verdadeiramente. Se fizerem isso, seu coração será mudado e sua vida será dedicada a amar e servir a Deus e os outros.
Integridade centrada em Deus
Talvez a melhor maneira de resumir o caráter de Edwards seja dizermos que ele tinha integridade centrada em Deus. Ter integridade sugere não somente honestidade, firmeza de princípio e solidez de vontade, mas também que os vários elementos da vida e pensamento da pessoa estão integrados ou são um todo unificado. Um historiador, é claro, não pode ter acesso às dimensões mais íntimas do coração de um personagem histórico, mas, depois de passar vários anos examinando o registro feito por e sobre Edwards, posso dar testemunho da notável consistência de sua vida e pensamento. O Edwards privado, pelo menos do que ele permitiu alguém ver, parece ser o mesmo Edwards público. Ele manteve suas prioridades teológicas na mais alta posição, tanto em relação à sua família ou à pregação de um sermão quanto nas inúmeras horas de trabalho em suas anotações ou tratados em seu escritório. Em situações sociais, Edwards era pouco interessado em conversas triviais e sempre queria mudar a conversa para coisas importantes. A desvantagem destas características foi que, especialmente para aqueles que não o conheciam bem, ele parecia reservado, insociável e sempre sério. Apesar disso, Edwards era, pelo que todos dizem, admiravelmente coerente.
A despeito de sua formalidade, Edwards era um homem de paixões e afeições. Suas paixões e suas afeições eram motivadas por sua teologia, muito mais do que para a maioria das pessoas. Nessa integração de afeições e intelecto, sua vida ilustrava seus ensinos. Uma vez que ele havia experimentado o dom de ver a beleza do amor redentor de Deus em Cristo no próprio centro do universo, tudo mais se tornou secundário. E, somente quando alguém experimentasse a realidade do amor redentor de Deus, Edwards estava convencido, poderia amar verdadeiramente os outros como deveria. Portanto, quer em arriscar a sua vida e a de sua família para ministrar entre os índios, quer em arriscar demais no apoio de jovens evangelistas novatos, quer em escrever cartas para seus filhos, Edwards era motivado por um interesse entusiasta e abrangente de um relacionamento correto com Deus. Sem isso, a eternidade era uma prospectiva obscura e aterrorizante. Com isso, tudo era tão claro quanto o dia.
Fonte: trecho do livro “A Breve Vida de Jonathan Edwards” de George Marsden.