Uma igreja com liderança espiritual forte, normalmente, é uma igreja estável, unida e saudável. Ainda assim, muitas vezes as igrejas deixam a liderança espiritual ao acaso. Os membros não avaliam sua forma de governo à luz das Escrituras nem exigem que seus líderes cumpram os padrões bíblicos. Em vez disso, eles chamam pastores, contratam funcionários, elegem diáconos e continuam fazendo o que quer que pareça funcionar melhor no momento. Enquanto isso, as lutas pelo poder acontecem silenciosamente debaixo da superfície. A desunião se insinua. E então, inesperadamente, essas lutas vêm à tona em uma barulhenta assembleia da igreja. Em um esforço para conter a comoção, a igreja rapidamente faz mais mudanças de equipe, talvez implemente novos programas. O problema é que a igreja está construindo sobre líderes não qualificados e estruturas desajeitadas. Ainda assim, uma nova safra de líderes ainda mais jovens é eleita para infundir sangue fresco em um organismo mortalmente anêmico. Às vezes, essa nova infusão dá ao corpo um impulso temporário de vitalidade, mas a igreja nunca se torna realmente saudável. Em vez disso, o ciclo ocorre repetidamente, e a frustração e o desapontamento são tudo o que resta.
No centro do desenvolvimento de uma igreja está sua liderança espiritual. Se os líderes carecem do caráter necessário para o trabalho santo, a igreja também carecerá de caráter. Isso resultará em instabilidade. Soluções de curto prazo, novos programas e novas ideias não resolvem problemas de longo prazo de caráter e estabilidade.
Existe uma maneira melhor, uma maneira mais corajosa: retornar aos padrões bíblicos de estrutura e vida da igreja. Somente assim uma igreja pode prosseguir, com confiança, em um mundo que é cada vez mais hostil ao cristianismo bíblico. O desenvolvimento de uma estrutura de liderança presbiteral não resolverá todos os problemas. Mas a reorientação de nossas igrejas em direção ao padrão bíblico fornece uma estrutura para o desenvolvimento de igrejas fortes e saudáveis.
Como identificar líderes espirituais? (1Pe 5.1, 2)
O contexto de 1 Pedro 5.1-5 nos ajuda a ver a importância dos presbíteros na vida cotidiana da igreja. Pouco antes de explicar o ministério dos presbíteros nesses versículos, Pedro aborda o assunto do sofrimento por causa do evangelho, chamando-o de “o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos” (1Pe 4.12; ver também vv. 13-19). O ministro escocês do século 17 Robert Leighton observou que, na “terrível provação” enfrentada pelos primeiros cristãos, “há um significativo aumento dos problemas e ódios por aquela santidade de vida à qual os filhos de Deus são chamados”.[1]
A perseguição parecia ser o destino comum desses crentes na Ásia Menor. Os primeiros cristãos, como os judeus aos quais às vezes eram associados, se recusavam a participar das práticas religiosas do império, como pagar ao imperador honra divina. Isso, é claro, os sujeitou a intolerância e perseguição romanas, já que os oficiais romanos acreditavam que sua recusa representava uma ameaça política e os acusavam de deslealdade ao governo. Pedro, portanto, exortou os crentes a se submeterem às autoridades governantes, para que, “pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos” (1Pe 2.15; veja também vv. 13, 14). No entanto, os cristãos seriam tentados a temer não apenas os oficiais romanos. Um comentarista observou que “os cristãos enfrentaram o que talvez tenha sido uma ameaça ainda maior das atitudes da população em geral”,[2] possivelmente por causa de acusações de que os cristãos viviam vidas imorais. Além disso, os cristãos evitavam alguns dos compromissos sociais alinhados às práticas idólatras, o que provavelmente levou outros na comunidade a acusá-los de indiferença. E essas acusações geraram estranhamento e oposição. Pedro rebateu esse tipo de dificuldade exortando seus leitores a manterem uma “boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo” (1Pe 3.16). Ainda assim, os crentes sofreram por causa do evangelho.[3]
O tema do sofrimento aparece novamente na epístola de Pedro após a passagem que trata dos presbíteros (1Pe 5.1-5), já que ele lida com o sofrimento causado pelas ansiedades da vida e pelos ataques do diabo (1Pe 5.6-11).
Em suma, a discussão de Pedro sobre os presbíteros surge no meio de sua exortação para perseverar durante o sofrimento. De que modo o sofrimento e os presbíteros estão criticamente relacionados? Os crentes que enfrentam sofrimento precisam da nutrição e do exemplo que vêm dos presbíteros da igreja, que possuem em si mesmos um senso de dignidade e dependência do Senhor em meio às provações. O autor de Hebreus percebeu a mesma coisa (Hb 13.7). Os presbíteros não substituem a vida espiritual da congregação, mas a encorajam instruindo e aplicando fielmente a Palavra de Deus à igreja. Eles fornecem modelos tangíveis — “provando ser exemplos para o rebanho” — em face das dificuldades da vida.
Ainda assim, a primeira pergunta que queremos fazer a respeito do próprio texto de 1 Pedro 5.1-5 é: Como esses líderes espirituais são identificados por Pedro?
Posição
Em primeiro lugar, Pedro identifica os líderes espirituais por sua posição: eles são chamados de presbíteros. Dirigindo-se a um subgrupo de seus leitores, ele diz: “Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles” (v. 1). É óbvio que ele não está simplesmente se referindo aos mais velhos da congregação, visto que no próximo versículo ele lhes diz para pastorear e supervisionar o rebanho de Deus (v. 2). E então ele lhes diz para se absterem de usar sua posição para dominar aqueles que estão sob seus cuidados (v. 3).[4]
Conforme observado anteriormente, o termo presbíteros, que era usado de modo intercambiável com superintendentes e pastores (p. ex., At 20.17-35), era comum na vida judaica, referindo-se aos líderes em Israel ou àqueles abençoados por Deus com idade avançada. Em virtude de sua maturidade, eles receberiam responsabilidades de liderar suas comunidades.[5]
Observe também que Pedro não se refere ao “presbítero em cada cidade”, como se um único presbítero/pastor fosse suficiente para cada igreja. Sem contar com as referências a um presbítero em particular, como no caso de Pedro, os presbíteros da igreja do Novo Testamento são sempre mencionados como uma pluralidade. O Novo Testamento não oferece uma regra sobre o tamanho dessa pluralidade, mas o padrão uniforme parece recomendar uma pluralidade. Novamente, W. B. Johnson, o líder da convenção Southern Baptist Convention do século 19, fornece alguma ajuda:
Embora uma pluralidade de bispos [presbíteros] seja necessária para cada igreja, o número não é fixo, pela razão óbvia de que as circunstâncias devem necessariamente determinar qual será o número. Em uma igreja onde mais de um presbítero não é possível, aquele pode ser nomeado com base no princípio de que, assim que outro presbítero possa ser nomeado, haverá uma pluralidade.[6]
A pluralidade fornece uma medida maior de sabedoria e liderança para a congregação, que se soma à mistura de dons espirituais que servem ao corpo. Juntos, esses homens podem buscar ao Senhor em questões críticas que a congregação enfrenta. Juntos, eles se responsabilizam uns pelos outros como exemplos para o rebanho.
Experiência
Em segundo lugar, Pedro identifica esses líderes espirituais por meio da experiência deles, bem como por sua própria experiência em primeira mão entre os presbíteros de Jerusalém.[7] Ele compreendeu as pressões que esses homens estavam suportando na província da Ásia Menor. Portanto, se identifica como “eu, presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e ainda co-participante da glória que há de ser revelada” (v. 1). A palavra testemunhar significa literalmente “testemunhar algo”, e Pedro juntou-se a esses homens para testemunhar os sofrimentos de Cristo, isto é, tudo o que Cristo suportou para redimir os pecadores. Jesus Cristo os redimiu “pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” (1Pe 1.19). Pedro também foi uma testemunha ocular da glória de Cristo exibida na transfiguração e na ressurreição (1Pe 1.3; 2Pe 1.16-18). Mantendo a centralidade do evangelho, Pedro garante aos outros presbíteros que eles eram parceiros na obra do evangelho.
Ele também estava de olho no futuro. Esses irmãos, junto com Pedro, compartilhariam (literalmente, companheiros em) a glória radiante da revelação de Jesus Cristo.[8] Essa era a esperança que ancoraria suas almas em meio à perseguição.
Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Equipe pastoral, de Phil Newton e Matt Schmucker, Editora Fiel.
[1] Robert Leighton, An obedient and patient faith: an exposition of 1 Peter (1853; repr., Amityville, NY: Calvary Press, 1995), 437.
[2] Paul J. Achtemeier, 1 Peter, Hermeneia: A Critical and Historical Commentary on the Bible (Minneapolis: Fortress Press, 1996), 23–34.
[3] Ibid., 28–29.
[4] “É o título de um ofício, não a descrição da senilidade”. Peter H. Davids, The First Epistle of Peter, NICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1990), 175.
[5] Veja o capítulo 3 para uma discussão adicional acerca desses três termos intercambiáveis.
[6] Johnson, Gospel developed, citado em: Dever, Polity, 194.
[7] O exemplo mais óbvio é o Concílio de Jerusalém em Atos 15, mas considere também Atos 11.1-18, o testemunho de Pedro perante os líderes da igreja, bem como Atos 11.19-26, a ação dos líderes da igreja em resposta à propagação do evangelho em Antioquia.
[8] LKGNT, 765, afirma que o termo koinonos significa “companheiro, aquele que compartilha”.