O texto abaixo foi extraído do livro Graça Extravagante, de Barbara Duguid, da Editora Fiel.
Minha vida dupla (1ª parte)
Três meses depois, Ian chegou do Reino Unido à nossa unidade para trabalhar como engenheiro elétrico. Nossa amizade teve um começo difícil por causa da diferença cultural entre britânicos e americanos. Contudo, um ano depois me apaixonei por um homem que eu respeitava profundamente. Eu sentava ao lado deste homem piedoso, e suas palavras de compaixão, humildade, graça e bondade eram revigorantes para minha alma. Esperava desgosto. Esperava repreensão e rejeição. Mas, em vez disso, fui recebida com um perdão que dificilmente eu podia compreender. Eu sabia o que merecia! Merecia estar presa, pelo resto de minha vida, em um casamento infeliz com um homem que eu não respeitava nem amava mais. No entanto, em vez disso, parecia que Deus estava me oferecendo o melhor dos melhores, o melhor de todos, um príncipe entre os homens! Não era para as coisas acontecerem assim. A Bíblia não diz que colhemos o que plantamos (Gálatas 6.7)? Não recebemos o que merecemos? Então, como as coisas poderiam estar sendo assim? Parecia que Deus estava me dando exatamente o oposto do que eu merecia; e eu estava seriamente confusa.
Naquele dia, o chão pareceu desaparecer sob meus pés, quando velhas fortalezas de justiça própria começaram a se desfazer. Foi naquele dia que comecei a entender o evangelho. Sempre acreditara que podia ser salva somente pela fé em Cristo, mas, ao estilo típico de um cristão imaturo, havia transformado isso em uma barganha com Deus. O combinado era que, se eu tivesse fé e obediência, ele me daria salvação, bênçãos e benevolência. Nas palavras daquele hino clássico, acreditava que, se cresse e obedecesse, Deus me deveria felicidade por meio de Jesus. Contudo, se eu não fizesse a minha parte, estaria à minha própria mercê. Eu ainda não sabia que a própria fé para crer nele era um dom concedido por Deus a mim ou que teria de depender dele em cada momento de obediência ao longo de toda a minha vida. Certamente, eu não tinha cumprido minha parte no acordo e, por isso, estava certa de que Deus me repreenderia em algum momento e me faria pagar por todos esses pecados.
É importante acrescentar a observação de que, se Deus tivesse permitido que eu recebesse as consequências do meu pecado até essa altura de minha vida, ele continuaria sendo completamente bom e justo. Nem sempre Deus nos livra das consequências de nossos pecados. Apesar de haver removido, de uma vez por todas, o castigo eterno que eu mereço por meu pecado, lançando-o em Jesus, muitas vezes Deus me deixa sofrer os amargos efeitos colaterais de meus erros e de meu pecado aqui na terra, a fim de me tornar mais humilde, ensinar-me dependência e treinar-me na retidão.
Existem princípios gerais nas Escrituras que se aplicam no decorrer de nossa vida. É bem verdade que colhemos o que plantamos: se trabalharmos duro, colheremos prosperidade, enquanto, por outro lado, se formos preguiçosos, passaremos fome. No entanto, há momentos na vida da maioria dos crentes em que Deus faz uma grande reversão, como se a intenção dele fosse impressioná-los e mostrar-lhes a profunda generosidade de seu coração. Existem momentos assustadores nos quais compreendemos que estragamos tudo de tal modo que, certamente, Deus deveria nos expor e nos castigar para o nosso próprio bem. Então, algo completamente diferente acontece. Deus não somente se recusa a nos dar o castigo que tanto merecemos, mas também nos inunda com amável bondade e nos surpreende com alegria.
John Newton experimentou essa generosidade surpreendente de Deus muitas vezes em sua vida. Durante um ano, ele passou por um período desesperadamente miserável na África Ocidental, onde foi um verdadeiro escravo de seu empregador. Chegou a um estado lastimável por anos de imaturidade e rebelião contra Deus e contra aqueles que, durante a viagem marítima, tinham autoridade sobre ele. Em determinado momento, Newton adoeceu e quase morreu. Em outros momentos, ele quase morreu de fome. Depois de algum tempo, um navio com instruções de procurá-lo chegou providencialmente ao lugar em que ele estava trabalhando. Se o navio tivesse chegado alguns dias depois, ele teria estado em terra firme numa viagem de negócios. Houvesse chegado mais cedo, ele estaria trabalhando numa fábrica em algum outro lugar.
Na viagem para casa, o navio quase afundou várias vezes — na verdade, se não estivesse carregando uma carga de cera de abelha e madeira, que são mais leves que a água, certamente teria afundado. A certa altura, durante a tempestade, o capitão mandou Newton buscar uma faca, e o homem que assumiu o lugar de Newton acabou sendo varrido imediatamente para fora do barco, rumo à morte. Todas essas extraordinárias libertações aconteceram quando ele ainda era um furioso blasfemador contra Deus. Nem sempre ganhamos o que merecemos nesta vida. Na verdade, às vezes ganhamos exatamente o oposto.